Elijah Narrando
Eu sempre fui um cara disciplinado. Trabalho, metas, silêncio. Nada de distrações. Mas naquele dia, a cafeteria estava mais cheia do que o normal, e eu só queria um café forte antes de encarar mais uma reunião interminável. Entrei, organizado como sempre, olhando para cada mesa, procurando um lugar vazio. Foi então que a vi.
Uma garota ruiva, sentada perto da janela, rindo sozinha enquanto virava as páginas de um livro de capa azul. Simples, delicada, com o cabelo preso de qualquer jeito, mas ainda assim, linda. Parecia alheia ao mundo, tão perdida naquela história que eu duvidei por um instante se alguém assim realmente existia.
Senti um incômodo estranho no peito. Eu não tinha tempo pra aquilo.
Peguei meu café no balcão, mas a curiosidade foi mais forte que o bom senso. Me aproximei da garçonete.
— Você conhece ela? — perguntei, tentando soar casual, apontando discretamente para a ruiva.
A garota atrás do balcão quase engasgou de tanto rir.
— Conheço sim. Aquela é a Melinda. — Ela apoiou o cotovelo no balcão, se divertindo com minha pergunta. — Por que a curiosidade toda?
— Só, perguntei. — Dei de ombros, tentando manter meu ar sério. — Ela é casada? Noiva?
A garçonete gargalhou.
— Meu Deus, há Melinda? Casada? Aquela ali é a maior romântica da face da Terra, mas nunca conseguiu arrumar alguém que merecesse ela. — Depois apontou pra uma porta lateral. — Ela trabalha aqui do lado, na boutique. Se quiser saber mais, aparece lá.
Ótimo, Elijah. Agora até a garçonete tá te achando interessado.
Ainda assim, eu fui.
A boutique era elegante, cheia de tecidos finos, vestidos caros e cheiro de perfume francês. Logo que entrei, uma mulher extremamente sofisticada me recebe, salto alto, cabelo impecável, maquiagem perfeita. Totalmente diferente da ruivinha da cafeteria.
— Boa tarde, senhor. Posso ajudar?
— Eu… — pigarreei — estou procurando a ruivinha. Melinda.
A mulher deu um sorriso que parecia saber mais do que dizia.
— A Melinda é nossa costureira. Está no ateliê, no fundo. Mas agora ela saiu para o almoço.
— Entendi. — Não sei por que, mas senti uma pontada de decepção. — Obrigado.
Saí da boutique sem saber por que tinha ido até ali. Era ridículo. Eu não tinha tempo pra isso. Eu tenho uma empresa pra administrar, decisões importantes pra tomar, e cinco meses. Cinco meses até o prazo final do testamento. Cinco meses até eu precisar estar casado para receber a herança da minha avó.
E mesmo assim, passei o resto do dia pensando na ruiva da cafeteria.
No dia seguinte, voltei. Só precisava de café. Era o que eu dizia pra mim mesmo. Só café.
Mas quando entrei, lá estava ela. Melinda. De novo perto da janela, agora tomando um chocolate quente e rabiscando algo num caderno cheio de adesivos fofos.
Respirei fundo. Controle, Elijah. Controle.
Dei bom dia, passei perto o suficiente pra ela notar minha presença, mas não falei mais que isso. E, ainda assim, vi o pequeno sorriso que ela me deu. Sutil, tímido. Mas real.
Voltei todos os dias.
Um mês depois, eu já conheço o horário dela, a forma como ela franzi o nariz quando concentra, o jeito que ela sempre pedia duas doses extras de chantilly, como se estivesse desafiando o mundo. E ela começou a me dar bom dia antes mesmo de eu abrir a boca. Às vezes, esbarrávamos quando pegávamos café ao mesmo tempo. Às vezes, ela ria das minhas tentativas falhas de parecer menos sério.
Até que, um dia, ela simplesmente puxou a cadeira da minha mesa.
— Você sempre senta sozinho. — Ela arqueou as sobrancelhas. — Quer companhia?
Eu, o homem que odiava mudanças, apenas assenti.
Desde então, nos sentávamos juntos. Todos os dias.
E eu, que sempre fui pesado, sério, fechado, me tornei leve. Com ela, eu falamos sobre tudo: trabalho, viagens dos sonhos, lembranças da infância, filmes ruïns, pratos que queimava tentando cozinhar. E Melinda me escutava com uma atenção que ninguém jamais teve.
Talvez fosse por isso que, naquele dia, enquanto ela falava empolgada sobre um vestido que estava costurando para uma noiva, eu percebi algo que não queria admitir:
Melinda é a pessoa certa.
E eu preciso dela.
Hoje acordei com essa decisão martelando na minha cabeça. Tenho quatro meses para resolver minha vida e assinar meu destino. E se existe alguém que eu podia imaginar ao meu lado, mesmo que fosse por um acordo, é ela.
Mas como fazer isso sem assustá-la? Como dizer que eu preciso me casar, e quero que seja com ela?
Me sentei na nossa mesa habitual, e esperei. Ela chegou minutos depois, ofegante, sorrindo daquele jeito que iluminava o ambiente inteiro.
— Elijah! Eu juro que hoje a rua inteira resolveu me atrasar. — Se jogou na cadeira. — Bom dia.
— Bom dia, Mel. — Eu sorri. Sorriso real, desses que ela tira de mim sem fazer esforço.
Ela abriu o livro do dia — sempre um diferente — e colocou ao lado.
— Você parece pensativo hoje — comentou, inclinando a cabeça.
Eu respirei fundo.
— Eu estava refletindo sobre umas coisas importantes. — Toquei o copo, tentando manter a calma. — Sobre futuro.
Ela riu baixinho.
— Nossa, pesado para o café da manhã, hein?
Eu olhei para ela, tentando formar as palavras. Não era fácil. Nada sobre isso era.
— Melinda, eu preciso te perguntar uma coisa. Uma coisa séria.
Ela arregalou os olhos, curiosa.
— Meu Deus, parece até que você vai pedir um rim. Fala.
Quase ri. Quase.
— Não é isso. — Suspirei. — Mas talvez seja quase tão estranho quanto.
Ela apoiou o queixo nas mãos.
— Agora você me deixou nervosa. O que foi?
Meu coração bateu mais rápido do que deveria. Eu, que sempre mantive o controle, estava prestes a perder completamente.
— Eu tenho quatro meses pra me casar — falei, direto, antes que a coragem evaporasse.
Ela piscou. Uma. Duas. Três vezes.
— Como assim, casar? — perguntou, incrédula.
— É parte do testamento da minha avó. Se eu não me casar, perco a herança da família e parte da empresa. — Engoli seco. — E eu… pensei em você.
Melinda congelou.
— Em, mim?
— Sim. — Minha voz saiu mais suave do que eu pretendia. — Você é alguém que eu admiro. Alguém que eu confio. Alguém com quem eu consigo ser eu mesmo. E — respirei — eu quero que você considere essa possibilidade.
Ela encostou as costas na cadeira, claramente chocada.
— Elijah, isso é, muita coisa.
Assenti.
— Eu sei. Não estou pedindo uma resposta agora. Só precisava te contar.
Melinda olhou para mim como se estivesse tentando reorganizar o mundo dentro da cabeça.
— Eu jamais imaginei que você fosse casar. Ainda mais assim.
— Eu também não. — Sorri de lado. — Casar nunca esteve nos meus planos.
Ela mordeu o lábio, pensativa. Depois, respirou fundo.
— Posso pensar?
— Claro — respondi imediatamente. — O tempo que você precisar.
Ela sorriu, tímida. Um sorriso pequeno, mas cheio de significado.
— Tá. Eu vou pensar.
E naquele momento, percebi que minha vida inteira estava prestes a mudar.
E eu estava decidindo meu destino. Na mesa de uma cafeteria.