09 - Elijah

1017 Palavras
Elijah Narrando Deixei Melinda em frente ao atelier pouco antes das nove. Parei o carro, desliguei o motor e me virei levemente em sua direção. — Chegamos. Ela sorriu daquele jeito leve, como se o mundo não fosse um campo de batalha constante. — Obrigada por ontem, e por hoje também. — Eu que agradeço. — respondi, sincero, mesmo que não demonstrasse tudo. Ela abriu a porta, mas antes de descer hesitou. Se inclinou de volta e depositou um beijo rápido no meu rosto. Nada ensaiado. Nada exagerado. Simples. O suficiente. Meu maxilar travou por um segundo. Não me mexi. Não retribuí. Mas senti. Ela saiu do carro e entrou no prédio sem olhar para trás. Eu continuei ali, observando, não por apego, era estratégia. Sempre estratégia. E eu estava certo. Do outro lado da rua, um carro estacionado há tempo demais. Lente grande demais. Movimento calculado demais. Paparazzi. Não saí do carro. Não liguei o motor imediatamente. Dei a eles exatamente o que queriam: mistério. Uma saída limpa. Nenhuma explicação. Quando finalmente segui para a empresa, meu celular vibrou no console do carro. Ignorei. Na Montgomery Industries, tudo seguia como sempre: pessoas correndo, portas de vidro, agendas cheias e decisões que valiam milhões. Entrei na minha sala, larguei o paletó na cadeira e só então peguei o celular. A manchete piscava na tela. — Quem é a ruiva misteriosa que passou a noite com Elijah Montgomery? Sorri de canto. Perfeito. Não demorou nem cinco minutos para a porta da minha sala se abrir sem aviso. — Então é verdade? Levantei os olhos lentamente. Meu primo, Theodoro, estava encostado na porta com aquele sorriso curioso demais para o meu gosto. — Depende do que você chama de verdade. — A ruiva. A do carro. A do atelier. — ele cruzou os braços. — Quem é ela? — Alguém que não te diz respeito. — Uau. — ele assobiou. — Então é sério. — Não tire conclusões precipitadas, respondi frio. — Difícil não tirar quando você deixa paparazzi fotografarem. — Eu deixo muita coisa acontecer quando me convém. Ele riu, mas percebeu que não arrancaria mais nada de mim. Saiu da sala ainda curioso, e eu voltei ao trabalho. Reuniões. Relatórios. Decisões estratégicas. Nada fora do controle. Até que, ao sair da última reunião da manhã, encontrei meu pai parado no corredor. Elvis Montgomery não sorria. Apenas por desdém. Mas daquela vez havia algo diferente. Mais pesado. Mais atento. — Quem é a ruiva? Parecia uma acusação, não uma pergunta. — Uma garota que estou conhecendo, respondi, mantendo a voz firme. — E o que ela estava fazendo naquele atelier? O tom dele era sério demais. Controlador demais. O mesmo tom que sempre usou para tentar ditar minha vida. Me aproximei um passo. — Isso não é da sua conta. — Você sabe que a imagem da família... — Eu sei exatamente o que faço. — interrompi. — E quem eu vejo. Ele me encarou por longos segundos. Avaliando. Medindo forças. — Não se envolva com Oportunistas, lembre-se, a empresa é da família. Senti algo raro. Irritação genuína. — Ela não é uma distração — respondi, seco. — E não atrapalhe. Passei por ele sem esperar resposta. No elevador, sozinho, olhei novamente para a manchete no celular. A foto não mostrava o rosto dela com clareza. Apenas o cabelo ruivo. O suficiente para gerar curiosidade. Não o bastante para expor. Exatamente como eu queria. Porque Melinda não fazia parte do meu mundo. Meu mundo agora gira ao redor dela. E ninguém precisava saber disso. O almoço com os investidores foi exatamente como todos os outros: risadas calculadas, promessas estratégicas e taças erguidas por números que ainda nem existiam. Eu participei, argumentei, conduzi a conversa com precisão cirúrgica. Por fora, impecável. Por dentro, completamente em outro lugar. Assim que o almoço terminou, peguei o celular e enviei a mensagem que já estava ensaiada na minha cabeça desde a manhã. — Quer dormir no meu apartamento de novo hoje? Não demorou muito para ela responder. — Quero sim. Hoje eu faço o jantar. Pronto. Era isso. Uma frase simples, mas suficiente para bagunçar toda a minha concentração pelo resto da tarde. Voltei para a empresa, sentei em reuniões intermináveis, assinei contratos, analisei relatórios, e nada parecia prender totalmente minha atenção. Ansiedade não é algo que costumo sentir. Controle sempre foi minha especialidade. Mas aquele “eu faço o jantar” ficou ecoando na minha mente como se fosse um evento importante demais para ser ignorado. No fim da tarde, mandei outra mensagem. — Quer que eu compre algum ingrediente especial? Ela demorou a responder. Olhei o celular mais vezes do que admitiria em voz alta. Provavelmente estava ocupada no atelier, eu sabia. Ainda assim, a demora me incomodou. Quando finalmente respondeu, foi simples como tudo nela. — Não precisa. Tá tudo certo. Sorri sozinho no escritório vazio. Saí no horário exato, como sempre. Passei no prédio dela poucos minutos depois do combinado. Melinda apareceu usando um vestido simples, bolsa no ombro e aquele ar tranquilo que sempre parece desacelerar o mundo ao redor. — Boa noite. — ela disse, entrando no carro. — Boa noite. Dia cheio? — Como sempre. Mas bom. O trajeto foi calmo. Conversa leve. Nada forçado. Quando chegamos ao apartamento, ela entrou como se já fosse um lugar familiar. Aquilo me chamou atenção. O jantar foi simples. Massa. Molho caseiro. Nada sofisticado. Ainda assim, foi uma das refeições mais agradáveis que tive em muito tempo. Sem negociações. Sem interesses ocultos. Apenas conversa. Rimos. Ela contou histórias do convento. Eu falei pouco, como sempre, mas ouvi mais do que de costume. Quando a noite caiu de vez, repeti o ritual silencioso: travesseiro no sofá, coberta dobrada, tudo no lugar. — Você não cansa do sofá? — ela perguntou. — Não, respondi. — E você dorme melhor na cama. Isso importa mais. Ela sorriu. Daquele jeito tranquilo. — Boa noite, Elijah. — Boa noite, Melinda. Deitei no sofá, olhando para o teto escuro. Mais uma noite ali. Dormindo pouco. Pensando demais. Mas estranhamente, feliz. E ninguém precisa saber.
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