Melinda Narrando
Acordei com o som da cidade começando a despertar. A luz da manhã ainda não tinha invadido totalmente o quarto, mas eu já estava acordada, como sempre. Não sou do tipo que fica rolando na cama depois de acordar. Assim que abro os olhos, minha mente já começa a funcionar. Só que hoje era diferente.
Eu estava sorrindo antes mesmo de abrir os olhos. E não era porque o sol estava brilhando ou porque era um dia especial, mas porque ontem, depois de um jantar simples, eu adormeci com a sensação de que o mundo era um lugar um pouco mais doce.
Levantei devagar, me espreguicei e dei aquele sorriso bobo para ninguém, porque quem mais saberia? Não podia contar para ninguém que, no fundo, eu estava completamente apaixonada por um cara que tinha um contrato de casamento com a minha assinatura e um sorriso misterioso sempre que ele me olha.
Fui tomar banho e fiz a minha rotina matinal: shampoo, condicionador, sem maquiagem, porque, afinal, eu estava indo trabalhar.
Quando terminei, fui para a cozinha ainda com o cabelo úmido, tentando organizar os pensamentos enquanto o dia começava. Foi quando ouvi a voz dele, calma, vindo da sala.
— Que tal café da manhã na cafeteria? Saímos em dez minutos.
Levantei as sobrancelhas automaticamente, surpresa, e meu sorriso se abriu sem pedir permissão. Era um convite simples, direto, mas que fazia meu coração reagir de um jeito esquisito e bom.
— Claro. — respondi, tentando soar normal, mesmo sabendo que não estava nem um pouco.
Fui até a minha mochila e escolhi algo casual, mas ainda assim fofo. Vai que o dia resolvesse surpreender a gente, né? Optei pelo meu vestido de algodão azul, com flores discretas, confortável do jeito que eu gosto. Calcei uma sapatilha, passei um pouco de gloss e coloquei os óculos, mesmo não precisando deles. Eles eram quase parte da minha identidade.
Quando voltei para a sala, Elijah já me esperava. Lindo e elegante. Ele pegou a chave, abriu a porta e, ao sairmos, segurou minha mão com naturalidade, como se já fosse um hábito.
— Vamos?
Aquele gesto simples fez meu coração acelerar. Senti o calor da mão dele envolvendo a minha e, por um segundo, pensei que talvez o mundo não fosse tão complicado assim. Talvez a gente só complicasse demais.
Entramos na cafeteria de mãos dadas. O lugar ainda estava tranquilo, poucas pessoas, cheiro de café fresco no ar e aquela luz suave da manhã entrando pelas janelas. Ele me guiou até uma mesa perto da vitrine e puxou a cadeira para mim, como um verdadeiro cavalheiro.
Sentei, observando tudo com atenção. Não havia olhares curiosos, nem cochichos. Só a gente.
O café chegou rápido. Ele me encarou por cima da xícara, como se estivesse esperando alguma coisa.
— Então, como foi o atelier ontem?
— Normal. Como sempre, respondi. — Mas agora é melhor. Um pouco mais leve.
— E você?
Ele sorriu de canto e tomou um gole do café.
— Produtivo. Mas nada muito interessante.
Ri baixinho. A definição mais elegante de um CEO para “trabalhei demais”.
Ali, sentados um de frente para o outro, tudo parecia simples. Não pensei em contratos, prazos ou heranças. Só naquele momento. No café quente, na conversa tranquila, na forma como ele segurou minha mão novamente, como se fosse a coisa mais natural do mundo.
Sorri sem perceber.
Era só um café da manhã.
Mas já parecia um dia especial.
Cheguei ao atelier com o coração acelerado e um sorriso bobo que eu tentei esconder assim que atravessei a porta. Ainda sentia o cheiro do café da manhã, ainda sentia a mão dele na minha, ainda sentia aquela sensação estranha e boa de estar vivendo algo que parecia meu.
Mal tive tempo de sentar na minha mesa quando ouvi a voz seca da secretária.
— Melinda, a Madame Maison quer falar com você. Agora.
Meu estômago revirou.
Levantei devagar, ajeitei o vestido e caminhei até a sala dela tentando manter a postura. Bati na porta e entrei.
Madame Miller estava sentada atrás da mesa grande, elegante como sempre, com o queixo erguido e o olhar duro. Não havia convite para sentar.
— Feche a porta.
Obedeci.
Ela cruzou os braços e me avaliou da cabeça aos pés, como se eu fosse um defeito na vitrine da boutique.
— Então é verdade.
— O que é verdade? — perguntei, tentando manter a calma.
— Elijah Montgomery. — ela cuspiu o nome. — Você acha mesmo que pode se envolver com alguém daquele nível?
Respirei fundo.
— Com todo respeito, Madame, o que isso tem a ver com o meu trabalho?
O sorriso dela foi frio. Crüel.
— Tudo. Você trabalha aqui por minha causa. E eu não admito escândalos ligados ao meu nome.
— Escândalo? — minha voz falhou. — Eu só tomei café com ele.
— Você não é ninguém, Melinda. — ela se levantou. — É uma órfã que eu tirei do nada. Não se esqueça disso.
Senti o chão sumir sob meus pés.
— Eu nunca pedi favor. Sempre trabalhei duro.
— Trabalhou porque eu permiti. — ela se aproximou. — E não pense que não sei de onde você veio. Uma garota criada em convento, sem família, sem sobrenome, acha mesmo que alguém como ele vai te assumir?
Meus olhos arderam. As lágrimas vieram sem pedir licença.
— Isso é a minha vida pessoal. Não diz respeito à senhora.
Ela riu, um riso baixo e venenoso.
— Vou falar com a minha tia. E você vai se afastar desse homem imediatamente.
Limpei o rosto com as mãos, tremendo.
— Não. — levantei o olhar. — Eu não vou deixar de ver Elijah.
O rosto dela se fechou.
— Então você está fora.
— O quê?
— Está demitida. — disse com frieza. — Arrume suas coisas e saia.
As palavras ecoaram na minha cabeça como um sino quebrado. Quatro meses para o Natal. Quatro meses. Sem trabalho. Sem atelier. Sem nada.
Saí da sala chorando, sem conseguir conter o soluço. As outras costureiras abaixaram a cabeça. Ninguém disse nada. Recolhi minhas coisas em silêncio, cada objeto parecendo pesar toneladas.
Quando atravessei a porta do atelier, o frio do lado de fora me atingiu em cheio.
Chorei. Chorei muito.
Mas, no meio das lágrimas, uma certeza se firmou dentro de mim, firme como uma costura bem-feita:
Eu não podia ter perdido o emprego. Faltando, quatro meses para o natal.