11 - Melinda

1090 Palavras
Melinda Narrando Saí do atelier como quem sai de um lugar que nunca mais vai voltar. O coração pesado, os olhos ardendo, a sensação de que o chão tinha desaparecido debaixo dos meus pés. Fui direto pra casa. Assim que entrei na quitinete, larguei a bolsa no chão e me joguei no sofá. Fiquei ali, encarando o teto, sem saber o que fazer, nem por onde começar. Meu trabalho sempre foi meu porto seguro. Meu orgulho. Minha independência. — Meu Deus, eu preciso arrumar outro emprego. — murmurei sozinha. Peguei o celular da bolsa e comecei a pesquisar vagas. Boutique, ateliê, loja de roupas, costura sob medida, Nada. Absolutamente nada. Nenhuma contratação. Nenhuma resposta. Nenhuma esperança imediata. O nó na garganta apertou. A dor de cabeça veio forte, pulsando atrás dos olhos. Tomei um remédio, deitei de lado no sofá e fechei os olhos só por um instante. Quando acordei, já estava escuro. O celular vibrava insistente na mesinha ao lado. Atendi ainda meio grogue. — Melinda? — a voz dele veio firme e conhecida. — Quer me acompanhar hoje em um jantar beneficente? Olhei ao redor, confusa, cansada, com o rosto inchado de tanto chorar. — Elijah… hoje não. Eu não tô muito bem. Não vou ser uma boa companhia. — O que aconteceu? Hesitei, mas respondi: — Fui demitida. O silêncio do outro lado foi curto, mas pesado. — Espere aí. Estou chegando. — Elijah, não precisa. Mas a ligação já tinha caído. Pulei do sofá como se tivesse levado um choque. Lavei o rosto, prendi o cabelo de qualquer jeito, vesti uma roupa apresentável e fiquei andando de um lado pro outro até ouvir a campainha. Abri a porta. Ele estava sério. Muito sério. — Por que você foi demitida? — perguntou entrando. — Seu trabalho é seu maior orgulho. Isso não faz sentido. Dei de ombros, tentando segurar as lágrimas. — Disseram que não havia motivos. Ele me encarou como se estivesse lendo algo que eu não dizia. — Tem certeza? — Eu… — engoli seco. — Não sei o que fazer. Eu dependo do meu trabalho. Tenho aluguel, contas. — Arrume suas coisas. — O quê? — Vamos para o meu apartamento. Lá tem espaço de sobra. Balancei a cabeça. — Elijah, não precisa. Eu ainda tenho umas economias guardadas. Dá pra me manter por um tempo. — Faça o que estou pedindo. — ele respondeu prático. — Isso não é discutível. Ele olhou em volta. — Esses móveis são seus? — Não. Só minhas roupas, e as roupas de cama. — Ótimo. Então é rápido. — Espera... — Me passa o número do senhorio. Passei, ainda meio em choque. Enquanto eu arrumava minhas coisas, ouvi ele falando ao telefone, resolvendo tudo com uma facilidade assustadora. Quando terminei, tinha uma mala e três caixas de livros. Meus livros. Minha vida inteira. — Você gosta muito deles, ele comentou. — O que seria de uma garota pobre sem seus romances pra ler? — sorri fraco. Ele pegou as caixas sem reclamar e seguimos para o carro. No caminho, o silêncio foi confortável. Até que ele falou: — Sobre o jantar, ainda quero que vá comigo. — Elijah, eu não tenho roupa pra esses eventos. Ele me olhou de lado, divertido. — Você é costureira. Como não tem um vestido? — Tenho um só. — Então pronto. — sorriu de canto. — Tenho certeza que ele é lindo. Você vai parecer uma princesa. Aquela palavra aqueceu algo dentro de mim. Princesa. Talvez eu não tivesse castelo. Nem coroa. Nem família. Mas, naquele momento, no banco de um carro elegante, com um homem decidido ao meu lado, eu me senti protegida. Assim que entramos no apartamento, Elijah fechou a porta atrás de nós e olhou para o relógio no pulso. — Temos que nos arrumar agora. Não quero chegar atrasado. Assenti, ainda tentando processar tudo o que tinha acontecido no dia. Demissão, mudança repentina, jantar beneficente, parecia coisa demais para uma única garota acostumada com rotina metódica. — Pode usar o banheiro do quarto, ele disse. — Fique à vontade. Entrei no quarto e respirei fundo antes de ir direto para o banho. A água quente escorrendo pelo corpo ajudou a aliviar a tensão acumulada. Lavei o cabelo rápido, sem muita cerimônia, porque o tempo era curto. Sequei do jeito que deu, só com o secador, e deixei solto mesmo. Gosto assim. Mais eu. Mais verdadeiro. Abri a mala e fiquei encarando o vestido vermelho por alguns segundos. Era longo, simples e elegante. O único vestido realmente especial que eu tinha. Fiz ele meses atrás, por puro amor ao desenho, sem ocasião alguma. Essa é a primeira vez que eu o vestia. Coloquei com cuidado, como se fosse um ritual. O tecido caiu perfeitamente no meu corpo, valorizando tudo sem exagero. Calcei o salto, passei uma maquiagem leve, destaquei os olhos, um batom discreto e finalizei com um toque de perfume. Não para impressionar. Para me sentir bem. Quando saí do quarto e fui para a sala, meu coração quase parou. Elijah já estava pronto. O terno sob medida parecia feito para ele — e provavelmente era. Escuro, impecável, cada detalhe no lugar certo. Ele estava elegante de um jeito quase absurdo, sério, poderoso e ainda assim, quando me viu, algo no olhar dele suavizou. — Uau — ele disse baixo. — Você está linda, Melinda. Senti o rosto esquentar. — Obrigada. — sorri. — Você também está incrível. Onde você se arrumou? — No outro quarto, respondeu naturalmente. Franzi a testa, curiosa. — Então, por que eu não durmo no outro quarto? assim evitaria você dormir no sofá. Ele me encarou por alguns segundos antes de responder. — Porque o meu quarto é mais confortável. — E eu quero que você fique lá. O jeito firme, mas cuidadoso, com que ele falou fez meu coração bater mais rápido. Assenti sem discutir. Saímos logo em seguida. O caminho até o local do evento foi silencioso, mas não desconfortável. Eu observava a cidade pela janela enquanto tentava controlar o nervosismo. Quando o carro parou, respirei fundo. Luzes, pessoas bem-vestidas, flashes. Elijah desceu primeiro e estendeu a mão para mim. Segurei, firme. Foi então que eu vi. Do outro lado do salão, encostado perto da entrada, conversando com um grupo de homens, estava ele. O amante da Madame Maison. Nosso olhar se cruzou no mesmo instante. E eu soube… Ele também me reconheceu. Meu coração disparou. E tudo dentro de mim disse que essa noite estava longe de ser tranquila.
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