Elijah Narrando
Tudo estava exatamente como eu planejei.
Levar Melinda ao jantar beneficente organizado pela minha mãe não era apenas um convite social. Era uma jogada calculada. A família estaria presente, investidores também, imprensa seletiva, e o momento do maior depósito da noite seria meu. Ali, diante de todos, eu apresentaria Melinda como minha namorada. No tempo certo, como futura noiva.
Tudo milimetricamente esquematizado.
O único detalhe fora do roteiro era ela.
Melinda estava mais quieta. Tristinha. E aquilo me incomodou mais do que eu gostaria de admitir. Tristeza não combina com ela. Melinda é alegria, é leveza, é força disfarçada de doçura. Aqueles olhos carregados diziam muito mais do que ela estava disposta a contar.
Eu não disse nada. Ainda não.
Mas amanhã vou descobrir o que aconteceu.
E eu vou resolver isso.
Quando entramos no salão, de braços dados, senti o impacto imediato. Melinda estava linda, como o próprio nome. O vestido vermelho parecia feito para aquele momento, para aquele lugar, para ela. Os olhares se voltaram sem disfarce. Murmúrios surgiram. A ruiva desconhecida ao meu lado virou assunto em segundos.
Caminhei com postura firme até a nossa mesa. Orgulhoso. Não dela como posse, mas da presença dela comigo.
— Respira. — murmurei baixo para ela. — Eles não mordem.
Ela sorriu de lado, nervosa.
— Você promete?
— Prometo. Se alguém te morder, eu mordo de volta.
Ela riu. E ali estava a Melinda que eu conhecia.
Minha mãe foi a primeira a se aproximar, elegante como sempre.
— Então essa é a jovem que anda monopolizando seu tempo, Elijah?
— Mãe. — respondi seco. — Essa é a Melinda.
Melinda estendeu a mão, educada.
— É um prazer, senhora Montgomery.
Minha mãe sorriu, avaliando cada detalhe.
— O prazer é meu, querida. Seja bem-vinda.
Meus primos vieram logo depois, depois tios, cumprimentos, comentários discretos. Melinda lidava com tudo com uma graça natural, mesmo deslocada. Só meu pai ficou à distância, observando em silêncio.
Apontei discretamente para ele.
— Aquele ali é meu pai.
Ela engoliu em seco.
— Ele… parece sério.
— Ele é. Quando quer intimidar.
— Não se preocupe. Ele não morde, mas não gosta de surpresas.
Ela riu sem graça. Eu conhecia bem aquela sensação.
Quando a música começou, puxei Melinda para a pista.
— Você dança valsa?
Ela fez uma careta.
— Definitivamente não.
— Ótimo. — respondi. — Eu também não estou interessado em perfeição.
Dançamos do nosso jeito. Nada ensaiado. Nada clássico. Rimos quando erramos o tempo, giramos fora do padrão, e ainda assim nos tornamos o centro das atenções. Não por técnica, mas por sintonia.
— Eles estão olhando. — ela sussurrou.
— Sempre olham. — respondi. — Aprenda a ignorar.
— Fácil falar quando você nasceu nesse mundo.
— Talvez. — disse, olhando para ela.
Ela ficou em silêncio. Os olhos brilhando.
Então veio o momento dos cheques.
Minha mãe subiu ao palco, impecável, discurso forte, elegante, falando sobre impacto social, legado, responsabilidade. Chamou os principais doadores. Quando chegou a minha vez, o salão ficou atento.
— E agora. — disse ela ao microfone, — o maior benfeitor da noite. Meu filho, Elijah Montgomery.
Aplausos. Muitos.
Subi ao palco sem sorrir. Postura firme. Frio como esperavam.
— Boa noite. — comecei. — Não acredito em caridade por aparência. Acredito em investimento social real. E é por isso que faço esse depósito hoje.
O valor anunciado causou murmúrios imediatos.
Aplausos mais fortes.
Respirei fundo e continuei:
— Mas esta noite não é apenas sobre números.
— É sobre escolhas.
Olhei para Melinda na mesa. Estendi a mão.
— Gostaria de apresentar a vocês a mulher ao meu lado.
— Minha namorada, e futura noiva. Melinda Torres.
O salão explodiu.
Aplausos, câmeras, choque.
Melinda levou a mão à boca, surpresa. Olhos arregalados. Mas quando subiu ao palco comigo, segurou minha mão com firmeza.
Apertei de leve, só para ela sentir.
— Está tudo bem. — murmurei. — Confia em mim.
Minha mãe não perdeu tempo.
Assim que o burburinho diminuiu e os aplausos ainda ecoavam pelo salão, ela voltou ao microfone com aquele sorriso satisfeito de quem acabara de vencer uma grande jogada social.
— E para abrilhantar ainda mais essa noite tão especial. — disse ela, animada, — acho que todos nós merecemos um beijo do casal. Não acham?
O salão respondeu em coro. Palmas, assobios discretos, celulares erguidos.
Olhei para Melinda.
Ela estava tensa, os olhos claros procurando os meus como se pedissem instruções. Sorri de leve, me inclinei e sussurrei:
— Confia em mim.
Segurei seu rosto com cuidado, o polegar roçando de leve sua bochecha sardenta. Quando nossos lábios se encontraram, percebi de imediato: ela não beijava com prática. Havia timidez, hesitação. Mas Melinda acompanhou meu ritmo, suave, atenta, como quem aprende uma melodia nova sem medo.
Não foi um beijo longo. Nem precisava ser.
Foi suficiente para sentir o sabor doce dos lábios dela, algo entre mel e nervosismo. Um beijo contido, elegante, mas carregado de significado. O tipo de beijo que faz o mundo acreditar em histórias bem contadas.
Aplausos. Muitos.
Descemos do palco de mãos dadas. Ela não disse nada. Eu também não. Não era o momento. Havia olhos demais, ouvidos atentos demais. Melinda apertou minha mão uma vez, como se aquele gesto fosse a única coisa que conseguisse oferecer naquele instante.
O jantar foi servido.
Pratos impecáveis, conversa baixa, talheres tilintando. Melinda pediu licença e foi ao banheiro. Observei enquanto ela se afastava, passos rápidos demais para alguém apenas indo retocar a maquiagem.
Meu tio se aproximou, taça na mão.
— Preciso dizer. — começou ele, — sua namorada é encantadora. Muito diferente do que estamos acostumados.
— Ela é, respondi curto.
— E a família dela? Não me lembro de ouvi-lo falar.
Olhei diretamente para ele.
— Eu sou a família dela.
O sorriso dele desapareceu. Ele pigarreou, assentiu e se afastou, entendendo perfeitamente que aquela conversa havia terminado.
Voltei minha atenção aos investidores. Negócios, números, promessas futuras. Tudo automático. Até Melinda retornar.
Ela se inclinou para mim, a mão tocando meu braço.
— A gente pode ir embora?
— Aconteceu alguma coisa?
— Não. — respondeu rápido demais. — Só um desconforto no estômago.
Levantei-me sem questionar. Fiz as despedidas necessárias e saímos.
No carro, ela permaneceu em silêncio, olhando pela janela. Chegamos ao apartamento rápido demais para o meu gosto.
Entreguei-lhe um remédio e um copo d’água.
— Deita um pouco.
Ela assentiu e foi direto para o quarto. Não trocou o vestido, não reclamou, não fez piada. Apenas se deitou.
Fiquei parado por alguns segundos, observando.
Ela estava Assustada.
Ou talvez fosse coisa da minha cabeça.
Mas algo me dizia que aquela noite, apesar de perfeita aos olhos do mundo, tinha deixado marcas invisíveis nela.
E eu não gostei nem um pouco disso.