A sala de aula já estava quase cheia quando Adrian entrou.
Laboratório de Física Aplicada uma das matérias mais temidas… exceto por ele.
Eleonora, sentada perto da janela, mexia no estojo como se tentasse não olhar para ninguém. Depois do confronto no corredor, ela queria distância de Adrian.
Mas o destino e a professora Margaret tinham outros planos.
—Atenção, turma! Hoje faremos atividade em dupla.
A classe reclamou.
Exceto Adrian, claro.
Eleonora arregalou os olhos.
Ela não conhecia ninguém dali e muito menos queria parecer desesperada pedindo parceria.
— Cada dupla irá montar o circuito básico que deixei na bancada, — explicou a professora. — E quem tiver dificuldade…
Ela olhou ao redor e seus olhos pousaram diretamente em Adrian.
— …pode contar com o Adrian, como sempre. Ele é brilhante nisso.
Eleonora respirou fundo e revirou os olhos.
Ótimo. Exatamente o que faltava.
A professora então começou a organizar as duplas, chamando nomes um por um.
Quando chegou ao final da lista, restavam… apenas dois alunos sem dupla.
Adrian.
E Eleonora.
— Ah, que maravilha! — professora Margaret sorriu, completamente alheia à tensão entre eles. — Adrian, querido, ajude Eleonora hoje.Vocês farão uma dupla excelente.
Eleonora abriu a boca na hora.
— Professora, eu posso trabalhar sozinha. Não tem problema, eu
— Não, não, minha querida! — Margaret cortou, animada. — Adrian é o melhor aluno da turma. Você vai aprender muito com ele.
A veia da têmpora de Eleonora quase saltou.
Os colegas ouviram.
Vários sorrisos apareceram.
Julgadores. Divertidos. Observadores.
Adrian pigarreou, tentando agir normalmente.
— Podemos começar? — ele disse calmamente.
Eleonora girou para ele tão rápido que o cabelo loiro esvoaçou.
— Eu só deixei porque a professora pediu. — ela sussurrou com irritação controlada. — Não porque eu quero sua ajuda.
Adrian deu um meio sorriso.
— Confia em mim, eu sei.
Ela bufou.
Eles se sentaram lado a lado na bancada, Eleonora visivelmente contrariada.
Adrian começou a separar os fios, resistores e a pequena placa metálica.
— Você sabe ao menos por onde começa? — ele perguntou, tentando manter um tom neutro.
Eleonora apertou os olhos.
— Claro que sei. Eu só… não gosto de coisas com fios.
— É Física. — ele respondeu. — Se prepare para muitos fios.
— Nossa, obrigado pela informação, Einstein — ela rebateu.
Ele riu pelo nariz, sem olhar para ela.
A professora piora tudo
— Vejam só! — Margaret exclamou alto, aproximando-se. — Que dupla mais talentosa! Temos a aluna mais promissora em estética pessoal…
Eleonora quase engasgou.
— …e o cérebro mais brilhante da turma!
Meio mundo virou para olhar.
Eleonora deixou o queixo cair, morta de vergonha e irritação.
Adrian tentou disfarçar o sorrisinho.
Margaret saiu, satisfeita, e Eleonora respirou fundo.
— Se você fizer um comentário sobre isso… — ela sussurrou ameaçando.
— Eu não ia falar nada.
— Ótimo.
— Mas já que tocou no assunto… — ele provocou — “promissora em estética pessoal” foi ótimo.
Eleonora bateu o lápis na mesa.
— Começa logo essa atividade antes que eu vá embora.
Adrian ergueu o circuito.
— Claro. Me passa o resistor de 220 ohms.
Eleonora pegou qualquer peça aleatória.
Adrian olhou.
— Eleonora… isso é uma chave de liga e desliga.
— É tudo a mesma coisa!
— Não. Não é. — ele suspirou, pegando a peça certa. —Vamos tentar de novo.
Ela cruzou os braços.
— Não fala comigo como se eu fosse burra.
Ele a encarou sério, profundo.
— Eu não acho que você é burra.
— Acha sim.
— Não acho.
— Então por que esse tom?
— Porque… você não está tentando.
Eleonora travou.
Ele tinha dito exatamente o que ela detestava ouvir.
E, mesmo irritada, ela pegou outra peça dessa vez a correta e entregou a ele sem olhar nos olhos.
— Aí.
Adrian sorriu, discreto.
— Boa. Agora sim.
Apesar da tensão… trabalharam juntos.
Discutiram.
Trocaram alfinetadas.
Mas o circuito começou a ganhar forma e, secretamente, isso deixou eles dois estranhamente satisfeitos.
E talvez… pela primeira vez…
cada um notou que o outro era mais do que lembrava.
A aula chegava ao fim quando Adrian e Eleonora apresentaram o resultado do exercício de dupla: um protótipo simples de circuito, perfeitamente montado muito mais sofisticado do que qualquer outro grupo havia conseguido.
A professora, empolgada, aproximou-se com um sorriso orgulhoso.
— Excelente trabalho, vocês dois! — ela declarou, segurando o protótipo entre as mãos como se fosse um troféu. — Eleonora, que avanço maravilhoso em tão pouco tempo! E Adrian… bom, como sempre, brilhante.
Eleonora sentiu seu estômago revirar quando a professora pousou o olhar caloroso sobre Adrian. Os olhos dela estreitaram imperceptivelmente. Brilhante. Como sempre. Como se ele fosse perfeito. Como se fosse inevitável que ele fosse melhor que ela em tudo.
Adrian agradeceu educadamente, mas antes que pudesse dizer qualquer coisa, Eleonora cruzou os braços, forçando um sorriso:
— Claro que deu certo — ela respondeu, ajeitando o cabelo com uma pose que só servia para esconder sua irritação. — Eu também sei trabalhar bem quando a outra pessoa não atrapalha.
Adrian arqueou uma sobrancelha, surpreso.
— Eu pensei que estivesse te ajudando — murmurou, mantendo o tom calmo, mas não resistindo ao leve sarcasmo. — Mas fico feliz em saber que consegui não atrapalhar.
A professora, alheia ao fogo que ardia entre os dois, continuou elogiando:
— Se vocês continuarem assim, podem formar a dupla perfeita para o restante do semestre!
Eleonora engasgou com o ar, os olhos quase saltando.
— Dupla o quê? — ela repetiu, incrédula.
Adrian, por sua vez, teve a audácia de sorrir de lado, divertindo-se com o desespero dela.
A professora se afastou para ajudar outro grupo, e Eleonora virou-se para Adrian com um olhar que poderia incendiar o laboratório.
— Nem pense que eu gostei desses elogios todos para você — ela disparou em voz baixa. — A professora só fez isso porque você vive aqui. Deve até dormir nesse laboratório.
— Só durmo quando novatas indisciplinadas não estão me atrasando — ele retrucou sem perder a postura. — Mas, olha… você foi bem. Não precisa ter ciúmes, loirinha.
Eleonora abriu a boca, ofendida.
— Ciúmes?! Por favor. Eu nunca teria ciúmes de você, e não me chame de loirinha, gênio.
Adrian inclinou a cabeça, analisando a expressão furiosa dela.
— Claro. É só irritação gratuita mesmo.
— Exatamente.
Os dois ficaram em silêncio por alguns segundos, trocando aquele olhar intenso e sempre cheio de algo indefinível competição, provocação… ou talvez um tipo estranho de familiaridade que nenhum dos dois queria admitir.
Então Eleonora deu um passo para trás.
— Se prepare — ela avisou, pegando a mochila. — Na próxima, vou ser melhor sem a sua ajuda.
Adrian sorriu, e aquilo deixou ela ainda mais enervada.
— Estou ansioso para ver.
E ela saiu determinada… mas no fundo, irritantemente incomodada pelo fato de que o sorriso dele parecia saber muito mais do que ela gostaria.