O Dono da Cidade Alta

Dogão Não sou um homem de mandar recado. Comigo, o bagulho é sem perreco. Se começar a me perturbar muito, eu mando logo de arrastar para cima. Não tenho muita paciência, nunca tive, e foi assim que eu consegui chegar ao posto de dono da Cidade Alta. Não, eu não sou herdeiro de nada, tá ligado? Cheguei aqui trabalhando e estudando todas as possibilidades. Comecei de fogueteiro, depois virei vapor, depois virei gerente de pó, depois de lente geral e, quando vi, já era subchefe do dono do morro. Quando ele morreu numa invasão da polícia, os caras do comando mandaram eu assumir o morro, e eu fiquei felizão. Jogaram essa responsa no meu peito e eu abracei. Hoje, aos 25 anos, todo mundo sabe que comigo o bagulho é na linha, tá ligado? Não tem essa de moleque. Se vacilar, mando pra o saco preto, é sem massagem e pouco papo pra maluco. Eu tava fazendo a contabilidade da semana quando eu vi que tava faltando dinheiro, e não era pouco, não. Era pra pedir uns cento e poucos mil. Já chamei meu subchefe pra ele me passar a visão do que estava acontecendo. Por isso que eu sempre revejo a contabilidade antes de fechar o mês, pra vagabundo não me passar a perna. Peguei meu rádio e mandei os vapores procurarem o Vitinho pra mim. Eu quero saber que p***a é essa de desfalque, porque eu não fui avisado disso antes. Eles estão achando que a vida é um morango, não é possível. Depois de alguns minutos, ele entrou, me encarando sério. Dogão: Tu tava aonde que demorou pra c*****o pra aparecer? Tô aqui passando a contabilidade e o bagulho não tá batendo. Vitinho: Eu tava cobrando uns noia, o bagulho tá doidão. E hoje eu proibi todo mundo de vender fiado nessa p***a. Vai comprar fiado na casa do c*****o, num fode. Depois não tem dinheiro pra pagar e eu tenho que ficar matando um bando de vagabundo. Dá até pena de ficar gastando bala com eles nessa p***a. Dogão:Fez certo, mas foca no bagulho que eu tô te falando. Eu quero saber desse desfalque, mais de 100 conto na pista, qual foi? Vitinho:Não tô ligado não. Até porque eu nem bato a contabilidade, porque tu vive falando que vai vir verificar, então eu nem me dou trabalho. Esse bagulho deve ter passado pelos gerentes, eles devem ter anotado no caderno. Vou mandar chamar eles aqui pra saber qual foi desse bagulho aí. Espero que não haja mais confusão. Ele saiu e voltou depois de alguns minutos, se sentou na mesa dele. Ele estava visivelmente irritado com esse bagulho de cobrança, mas é aquilo que eu falo, se vagabundo comprou a primeira vez e não pagou, suave, deixa pra lá. Mas se voltar pela segunda vez sem dinheiro, dá um tiro na mão. Aqui não tem ONG, c*****o! Vai vender fiado pra quê? Sabe que não vai receber e depois fica com essa cara de cu, sabendo que vai ter que botar o dinheiro do bolso dele. Não demorou muito para os gerentes entrarem. Todos eles estavam sérios, porque sabiam que, quando eu chamava, o bagulho ia ficar doido. Mas eu tava suavão, tá ligado? Eu só queria saber o que tava acontecendo pra poder cobrar a pessoa certa. Porque comigo é assim, não tem essa de cobrar o errado, é o certo. Pelo certo, como 10 e 10 são 20. Quem tá na vacilação tem que pagar, e quem tá andando certinho é valorizado. Dogão: Eu tô aqui suavão, conferindo o corre da semana, e vi que tá faltando mais de 100.000. Eu quero saber de onde foi esse desfalque e o que está acontecendo. E não quero ninguém gaguejando não, porque hoje eu tô sem paciência nenhuma. Pretinho: Pô, chefe, eu fiquei de informar esse bagulho pro Vitinho, mas eu tava esperando, porque o meu nó falou que ia pagar. Tu tá ligado no Cadu, né? Ele tem 13, se envolveu no corre, tá ligado? Eu falei pra ele que aqui não era lugar pra ele, mas ele insistiu que queria entrar, e eu deixei. Mas semana passada ele tomou enquadro e acabou perdendo uma carga. Dogão:Como esse arrombado perdeu uma carga de 100 mil? Tá de marola com a minha cara, Pretinho. E como tu não ficou sabendo disso? Vitinho tá moscando no bagulho, vai perder teu posto nessa p***a. Pretinho:Pô, chefe, eu não avisei, porque ele falou que ia pagar, tá ligado? Eu dei até amanhã pra ele fazer esse corre. Dogão: E tu acha que ele vai tirar esse dinheiro de onde? p***a, do cu? Não fode! Acha mesmo que ele vai conseguir um corre desse valor? Pretinho: Eu não sei, chefe, só dei um voto, porque ele ficou apavorado. Dogão: Mano, eu quero o meu dinheiro ou a cabeça desse arrombado. E se eu tiver que matar ele, já vou passando a visão que tu vai juntinho pro saco preto por não ter me informado isso antes. Pretinho: Que isso, chefe? Dogão: Que isso, é o meu p*u, p***a! Isso aqui é o crime, não o creme. Tu tem que começar a se ligar agora. Saiam da minha frente nessa p***a e ora pra ele ter meu dinheiro amanhã, senão tua mãe vai chorar junto com a dele nessa p***a. Eles saíram e eu respirei fundo. Não é possível, na moral, eu tô cercado de incompetentes nesse morro.