Capítulo 5: Melissa

1108 Palavras
Assim que entrei no elevador, respirei fundo. Era como se eu só voltasse a ter controle do meu corpo ali, sozinha, longe dos olhos dele. Mas não adiantava. O cheiro dele ainda estava em mim. A imagem dele também. A forma como ele me olhava... como se pudesse ver além da roupa, da postura, do meu noivado, da minha moral. Merda. Encostei na parede do elevador e fechei os olhos por um segundo. A pele ainda queimava onde ele tocou. Quando passou por mim nu como se nada fosse, quando segurou minha mão, quando puxou meu cabelo como quem já sabia o que tava fazendo. E sabia. Ah, se sabia. Falcão era um problema com nome, cheiro, voz rouca e um sorriso sacana que parecia ter sido desenhado pra me testar. E eu? Eu tava vacilando. Tenho um noivo. Um homem importante, poderoso, influente. Um político em ascensão, que mexe os pauzinhos em Brasília e que jamais admitiria saber que a noiva dele ficou toda bamba com um bandido do morro. Mas ali, dentro daquele carro, com aquela voz baixa me chamando de “Mel”, com aqueles olhos me devorando... eu esqueci de tudo. Esqueci do cargo, do sobrenome, da aliança no dedo. O problema é que não era só atração. Era tensão. Era química. Era o tipo de coisa que não se disfarça. Cheguei no meu andar, entrei em casa no automático. Larguei a bolsa no sofá e fui direto pro quarto. Tirei os sapatos, a roupa, prendi o cabelo, tentei me ver no espelho. Parecia outra. Os olhos estavam mais brilhantes. A pele mais corada. E a cabeça… uma bagunça. Cheia de lembranças que eu não deveria alimentar. Mas quando deitei na cama e fechei os olhos, não foi do meu noivo que lembrei. Foi do Falcão. Da risada dele. Da forma como ele disse que eu era veneno. E do jeito que ele me fez querer provar o gosto do perigo. --- Tomei banho, mas o cheiro dele ainda tava em mim. Era psicológico, eu sabia, mas não conseguia escapar da sensação de que Falcão tinha deixado alguma marca invisível em mim. Algo que perfume nenhum ia tirar. Vesti meu robe de cetim, soltei o cabelo, tentando me recompor, tentando resgatar a doutora fria, comprometida, no controle. Mas era só fechar os olhos que os dele voltavam. Pretos, intensos, me despindo sem vergonha nenhuma. O interfone tocou. Meus pés congelaram. Olhei pro visor: Frederico Marques. Merda. Ajeitei o robe, respirei fundo e fui abrir a porta. Ele entrou como sempre entrava: dono do espaço, com aquele terno caro, o perfume importado e o sorriso ensaiado de quem sabia o valor do próprio sobrenome. — Vim te ver, querida. Tava com saudades — disse, me puxando pela cintura e selando um beijo nos meus lábios. Frio. Quase político. Tentei sorrir, mas meu corpo não respondeu. — Achei que estivesse em Brasília — murmurei. — Saí mais cedo de uma reunião com os senadores. Não aguentava mais ficar longe de você — ele me analisou com os olhos estreitos, como se algo estivesse fora do lugar. — Tá pálida... tá tudo bem, Melissa? Assenti rápido. — Só... cansada. Longo plantão. Mentira. Tava cansada sim, mas era da confusão que o Falcão deixou em mim. Da culpa. Da vontade. Frederico segurou meu queixo, tentando me ler. Mas ele não lia como o outro lia. Não via além da superfície. Ele me via como a noiva perfeita pra completar o projeto político de vida dele. A médica bem-sucedida, equilibrada, que daria filhos lindos e uma imagem imaculada pra imprensa. Mas e se ele soubesse? Se soubesse que hoje mesmo, algumas horas antes, eu estive no quarto de um criminoso... com o coração acelerado e os olhos nos lábios dele? — Vai se arrumar — Frederico disse. — Vamos jantar com o governador e a esposa dele. Nada muito formal, mas... preciso que esteja linda. Assenti de novo. Fui até o quarto. Fechei a porta e encostei nela. Lá fora, Frederico. Um homem de futuro, de poder, de estabilidade. Aqui dentro... meu coração ainda batia como se estivesse no quarto do Falcão. A pergunta martelava dentro de mim como uma provocação: Será que dá pra querer os dois mundos? Ou será que eu já cruzei a linha e não tem mais volta? --- O vestido era discreto, mas justo o suficiente pra marcar a cintura. O salto fino me deixava com os pés em chamas, mas a dor era um lembrete: mantenha-se no controle. Frederico estava impecável. Costumava estar. Terno sob medida, cabelo perfeitamente alinhado, sorriso político no rosto. Aos 35 anos ele é muito cobiçado, minha madrasta quem nos apresentou em um jantar. Ele conversava com o governador como se estivesse numa prévia de campanha, me apresentando como “minha noiva, Dra. Melissa Meyer, médica da clínica Santa Cruz”. Assenti, sorri, bebi goles contidos de vinho branco. Eu sabia jogar esse jogo. Fiz isso a vida inteira. Mas aquela noite... aquela noite, meu corpo não obedecia como antes. Porque minha mente ainda estava naquele quarto. Ainda sentia o toque do Falcão no meu cabelo. O olhar dele preso nos meus lábios. A voz rouca dizendo “me chama de Falcão, gata”. — Você parece longe — Frederico disse entre um brinde e outro, cortando minha distração. — Só cansada — repeti, engolindo seco. Ele sorriu e me beijou a mão. Tudo nele era encenação. Eu também estava encenando, mas o roteiro que tinha ensaiado a vida toda agora parecia falho. Frágil. Por causa de um homem que m*l conheço. Mas que me viu de verdade. O garçom passou com mais vinho. Recusei. A cabeça já tava embaralhada o suficiente. Foi quando senti. O celular vibrando na bolsa. Desculpei-me educadamente, fui até o banheiro feminino e tirei o aparelho. Número desconhecido. Mensagem: “Chegou bem, Mel?” — Falcão. Minhas pernas fraquejaram. Como ele sabia meu número? Ah. Claro. Eu dei meu celular, chamou pro dele... eu nem pensei. Estava hipnotizada naquela hora. Abri a conversa. “Tá linda de vestido, mas prefiro aquela saia. Aquela que deixa tudo à mostra.” Meu coração quase saiu pela boca. Levantei os olhos devagar, encarando meu reflexo no espelho do lavabo do restaurante cinco estrelas. Meus olhos estavam arregalados, minhas bochechas em fogo. Ele tava ali? Vendo? Digitou de novo. “Relaxa, doutora. Só vim lembrar que cê tá noiva, mas teu corpo já sabe quem manda.” Me apoiei na pia. Precisava respirar. Precisava apagar aquela mensagem. Precisava sair dali e esquecer que algum dia entrei naquele quarto. Mas eu não queria esquecer. Queria mais.
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