Cecília
11h40.
Minha silhueta projetava-se diante da mansão da família Grimm, o território do Clã Lua Sangrenta. O cheiro de pinho e terra úmida invadiu minhas narinas, estranhamente familiar.
Este lugar fora meu segundo lar, e agora cada visita me fazia reviver aquela sensação de não-pertencimento. As pupilas do mordomo, um lobisomem da alcateia, contraíram-se violentamente ao me ver à porta.
"Lu... Luna Cecília," ele gaguejou, os olhos esquivando-se nervosamente. Aparentemente, esperava uma visita, mas não que fosse eu. Gotas de suor frio já lhe escorriam pela têmpora.
No círculo social dos lobos, nosso casamento – registrado no mundo humano – era um segredo a sete chaves.
A certidão de casamento era guardada como um trunfo sujo, conhecido apenas por nossos pais, Beta Henry e alguns do círculo íntimo.
No mundo dos lobos, ninguém é verdadeiramente aceito sem a cerimônia formal de União. Por oito anos, eu não passara de uma anomalia, uma humana tolerada à força. Cada reunião de lobos que frequentei era pontuada por olhares de desdém que me lembravam: você é uma forasteira, descartável a qualquer momento.
"Por favor... Acompanhe-me," o mordomo solicitou com uma expressão angustiada, como se me conduzisse a uma sessão de tortura.
Mal havíamos alcançado o hall de entrada quando uma voz doce, mas estridente, de menina, cortou o ar: "Ganhei de novo! Xavier, você vai ser bonzinho e vai me dar uma revanche?"
Meus passos congelaram no local. Meu cérebro levou três segundos em branco até que todas as peças se encaixassem na h******l verdade. Era por isso que ele cancelara nosso fim de semana – a tal 'viagem de negócios'.
"Heh." Uma risada fria escapou-me incontrolavelmente dos lábios enquanto eu seguia adiante.
As pupilas de Xavier dilataram-se de forma abrupta quando ele ergueu o olhar e me viu. "O que você está fazendo aqui?" O tom, uma faca afiada. "Sua mãe me convidou." Retorqui com um sorriso igualmente cortante, o sarcasmo transbordando em meus olhos. "Que engraçado. Quando foi que descobriu esse superpoder de teletransporte?" Seus cílios piscaram rapidamente – um microssinal de culpa que eu conhecia bem depois de todos esses anos juntos.
A loba do Clã White no sofá – Cici White – aproximou-se e estendeu a mão, deliberadamente.
O ambiente estava impregnado do cheiro dela misturado ao de Xavier, e a náusea fez meu estômago revirar. "Oi~ Eu sou a Cici!" Ela fez uma expressão fingida e mostrou os dentes, um sinal claro de provocação.
Ignorei completamente a mão estendida. Na hierarquia da alcateia, mesmo sendo humana, eu era, nominalmente, a Luna do Clã Lua Sangrenta – mesmo que o título fosse oco.
Não havia necessidade de me rebaixar respondendo à provocação dela.
Dora Green, a Luna Anciã do Clã Lua Sangrenta, apareceu na porta no momento exato. Ela cumprimentou Cici com uma afeição exageradamente doce antes de lançar-me um olhar de puro desdém. "Sinta-se em casa, querida~" sua voz para Cici era melíflua.
Virando-se para mim, seu tom tornou-se glacial instantaneamente. "Esta é a gerente da nossa empresa, Cecília. Está aqui a negócios." Uma sala cheia de pessoas que bem conheciam minha verdadeira identidade, e ela deliberadamente me reduzia a uma mera funcionária. Era sua forma de declarar a todos que, para o possível casamento de Xavier com Cici, eu, a esposa humana, nem mesmo era um obstáculo.
Cici ergueu o queixo, triunfante. "Ah~ então é só uma funcionária." Cada sílaba vinha carregada do sotaque de uma loba marcando território.
Nem me dei ao trabalho de olhar para eles, focando diretamente o rosto de Xavier. Queria ver sua reação – ele me defenderia? Reconheceria minha posição?
Mas seu rosto estava frio e duro como mármore, sem uma única ruga de contestação.
Ele permitiu que sua mãe me humilhasse publicamente.
Será que ele não entendia a gravidade?
Não, ele entendia perfeitamente.
Apenas o vínculo que nunca fora verdadeiramente forjado estava se desfazendo mais rápido do que eu poderia ter previsto.
"Luna Dora," disse, olhando-a diretamente, com um tom sereno, "já que a senhora me chamou com um propósito, por que não vai direto ao assunto?"
"Deixamos para outro dia," ela respondeu, acenando com a mão com arrogância, como se dispensasse uma criada. "Já que está aqui, fique para o almoço." Nem sequer me olhou ao dizer isso, como se eu merecesse apenas esse nível de consideração.
"Não é necessário. Tenho um compromisso." Uma dor s***a apertou-me o peito ao me virar, mas mantive as costas eretas. Por oito anos, pratiquei a arte de ignorar o desprezo deles nesta casa.
"Quando um ancião pede para você ficar para comer, que tipo de atitude é essa? Não tem a menor noção de educação!" Dora Green gritou às minhas costas, a voz carregada de escárnio.
Parei.
Vinte dias, calculei em silêncio.
Faltavam apenas vinte dias para entrar com os papéis do divórcio.
O que eram mais vinte dias de humilhação?
"Está bem. Fico." Virei-me para encarar seus olhos com um sorriso desafiador. Dirigi-me diretamente à mesa e sentei-me num lugar afastado.
Mas Dora, claramente, não me deixaria escapar tão facilmente. Ela olhou em volta, orgulhosa, e anunciou subitamente: "Já que está aqui, por que não usa o resto das suas forças e serve chá para todos?"
Algumas risadinhas ecoaram ao redor da mesa.
Apertei os punhos – era para isso que ela me queria ali, para me humilhar perante todos, me rebaixar à condição de serva.
"O que foi? Não quer nem mesmo fazer isso?" ela zombou. "Humanos são mesmo uns desmazelados, sem o mínimo de educação."
Levantei-me lentamente, peguei o bule de chá e caminhei até ela com um sorriso nos lábios.
Para o espanto de todos, inclinei o bule e derramei o chá quente sobre seus cabelos impecavelmente penteados.
"Desculpe, Luna Dora," disse, recolocando o bule sobre a mesa com uma voz absurdamente doce, "minhas mãos humanas são tão... instáveis. Espero que tenha gostado desta 'xícara de chá'?"
Um silêncio mortal pairou sobre a sala de jantar, quebrado apenas pelo som das gotas de chá escorrendo pelo rosto petrificado de Dora.