Loius
— O que você quer dizer com “não foi sério?”
A voz de Ruby estava atingindo um tom febril. Mais alto que aquilo, e ela soaria como os apitos da panela de pressão que minha mãe usava no fogão indiano que trouxe de uma de suas viagens.
— Quero dizer exatamente o que já disse nas últimas três vezes em que dormimos juntos — falei lentamente, lutando para manter os olhos abertos. A noite anterior tinha sido longa. Ruby era uma distração — e, geralmente, não se importava com isso.
— Você é um porco, Louis Vincenzo — ela respondeu com fúria, lançando o “porco” com tanta intensidade que gotas de cuspe escaparam pela fresta entre seus lábios e pousaram direto no meu nariz.
Suspirei e peguei meu lenço do bolso. Abri com cuidado as dobras e limpei o rosto com precisão meticulosa.
— Isso pode até ser verdade — disse, dobrando o tecido novamente com exatidão —, mas não impede você de aparecer no meu quarto em horários indecentes, implorando para que eu durma com você.
E só para constar, eu não estava mentindo. Por algum motivo torto, Ruby acreditava que o caminho até o meu coração passava, inevitavelmente, pelo meu pênis. Ela era do tipo que buscava validação através da pele — acreditava que quanto mais intenso fosse o sexo, mais rápido eu me apaixonaria.
Infelizmente, esse método não funcionava comigo.
Compromisso não era a minha praia. A vida era curta demais para carregar esse tipo de bagagem emocional. Já bastava lidar com os pacientes e seus próprios fantasmas. Sexo, para mim, era apenas um mecanismo de sobrevivência.
Dobrei o lenço com paciência, cuidando para que cada canto ficasse perfeitamente alinhado. Um pedacinho da ponta teimou em escapar, o que me irritou. Suspirei, recomecei o processo, e só quando tudo ficou impecável, voltei a guardá-lo no bolso. Então lancei um olhar frio a Ruby.
Ela estava lá, com o cabelo desgrenhado, os olhos vermelhos de raiva e — talvez — à beira de um colapso emocional.
Não tive tempo nem vontade de assistir à queda. Meu estômago roncou alto, me trazendo de volta ao presente.
— Ruby, me desculpe. Nunca foi minha intenção te machucar — disse, mantendo o tom sereno. — Acho que deveríamos parar de dormir juntos. Você merece algo melhor que isso. Alguém que realmente cuide de você.
A reação foi imediata. Os olhos dela se arregalaram — primeiro de medo, depois de pura urgência.
— Não — sussurrou. — Eu não quis dizer isso. Escuta... eu só preciso de um tempo. Foi uma semana exaustiva.
— Igualmente — respondi, mantendo a calma.
— Vai comer alguma coisa — murmurou, desviando o olhar. Notei que ela começou a cutucar a pele do dedo indicador esquerdo. Um hábito frequente quando estava nervosa.
Dermatilomania, anotei mentalmente. O ato compulsivo de cutucar a própria pele como forma de aliviar o estresse. Uma ferramenta eficaz, embora autodestrutiva. Eu conhecia bem o mecanismo.
— Não vou tomar mais do seu tempo — Ruby lambeu os lábios, hesitante. — Quem sabe a gente se vê hoje à noite?
Era o mesmo padrão de sempre. E eu sabia que, provavelmente, estaríamos repetindo esse teatrinho no mesmo lugar e na mesma hora amanhã cedo. Era lamentável como certas pessoas eram previsíveis. Assim eram todas as mulheres com quem eu tinha dormido naquele instituto — um lugar que deveria ser um centro de excelência acadêmica, mas que para mim se tornara um teatro entediante de distrações carnais.
Estimulação sem profundidade. Em termos de prazer físico, o OFG estava se tornando cada vez mais banal. Sem emoção. Sem desafio.
Dei de ombros, sem me comprometer:
— Minha agenda está lotada. Podemos deixar isso para outro momento.
— Ah — ela respondeu, os ombros caindo um pouco, ainda que tentasse sustentar uma falsa leveza. — Certo.
— Até mais, Ruby — falei, virando-me antes que ela pudesse se humilhar mais. Saí do quarto e segui rumo ao refeitório.
O cheiro de desinfetante misturado ao suor ácido da ambição me acompanhava enquanto eu atravessava a multidão de residentes atarefados. Estavam em plena fase de estágios clínicos — o que significava contato direto com os pacientes, diagnósticos reais e experiências práticas. Para muitos, a fase mais empolgante da formação.
Meus passos contrastavam com os deles: lentos, firmes e ritmados, como deveriam ser os de alguém que já dominava aquele ambiente.
Parei na entrada do refeitório com um meio sorriso estampado no rosto.
— Bom dia, Louis — cumprimentou Kurt Galbraith, seus olhos verdes iluminando-se de afeto sob os óculos, enquanto exibia seu sorriso habitual. Ele era, sem dúvidas, meu melhor amigo naquele lugar.
— Kurt, como está sua manhã até agora?
— O de sempre — respondeu ele, ajeitando os óculos e desviando da pergunta. — A propósito... já conheceu a nova residente médica?
— Nova residente? — levantei uma sobrancelha, meu interesse despertado.
— Ah, lá está ela — disse Kurt, fazendo uma careta e apontando discretamente para o final do corredor.
Virei a cabeça.
E a vi pela primeira vez.
Vestida com um jaleco branco impecável, ela se movia com uma serenidade que destoava do caos ao redor. Seu cabelo n***o caía sobre os ombros como uma cascata de tinta espessa, emoldurando um rosto de beleza inquietante — extraordinariamente sexy, mas com um traço melancólico difícil de ignorar.
Mas foram os olhos que me prenderam. Um tom de azul cortante, tão frio que parecia capaz de reverter o aquecimento global.
— Uau — suspirei, momentaneamente paralisado. — Qual é o nome dela?
— Julienne Davenport.
Julienne. Rolei o nome na língua. Tinha um gosto deliciosamente amargo.
— Ela é… interessante.
— E também não parece nem um pouco interessada em você — observou Kurt, com aquele olhar penetrante.
Ele não estava errado. A novata passou por nós com um leve aceno de cabeça para ele. Para mim? Nada. E olha que eu dei meu melhor sorriso de quem tem talento na cama.
— Hã — respondi. — Talvez ela jogue no outro time?
— Ou talvez — disse Kurt, dando um tapinha firme no meu ombro — você simplesmente não seja o tipo dela. De qualquer forma, é melhor deixá-la em paz. Tem algo de estranho nessa mulher.
Kurt Galbraith era um homem de muitos talentos. Um deles era farejar problemas a quilômetros de distância. Mas, ao contrário dele, eu não corria dos problemas — eu os recebia de braços abertos. Problemas eram o meu café da manhã. Especialmente quando vinham embalados daquela forma.
— Vou acreditar em você — falei, mesmo não tendo a menor intenção de fazer isso.
— Por isso mesmo eu sei que você não vai — ele suspirou. — Não posso te impedir.
— Você não pode.
— Tome cuidado.
— Eu vou.
Kurt inclinou a cabeça e eu fui atrás de Julienne Davenport, esquecendo completamente do almoço.
— Ei — chamei.
Nenhuma resposta.
Huh.
Ela parou no pé da escada que levava aos quartos da ala dos novatos.
— Ei — sussurrei ao alcançá-la. — Sou o Loius.
Ela enrijeceu os ombros por um segundo antes de se virar.
— Eu sei quem você é. Só não me importo.
— Nossa — disse, apreciando a ousadia.
Por dentro, exultei. Ela fala!
Ela começou a subir a escada. Dei dois passos atrás, observando quando ela quase cambaleou com o peso da mala Louis Vuitton.
— Deixa que eu te ajudo — corri e agarrei a bolsa antes que ela caísse.
— Você não devia subir — ela disse, cortante. — Já está velho demais pra estar aqui.
Mostrei os dentes.
— Tenho uma quedinha por quebrar regras.
— Você fala isso como se fosse algo bom.
— Passe um tempo aqui, Srta. Davenport — levantei a bolsa e a acompanhei. — E você vai ver que quebrar algumas regras faz muito bem... para os nervos.
Ela parou.
— Ou pode ser que você esteja quebrando as regras porque acha que é a única maneira de chamar a atenção. É a sua insegurança falando por você. Não é tão f**a quanto você imagina. Pelo menos, eu não gosto muito disso.
Que v***a, pensei comigo mesmo. Gosto dela.
— O que você faz então? — mudei completamente de assunto.
A escada fazia uma curva antes de levar ao quarto andar, logo abaixo do sótão.
— Sou psiquiatra infantil — disse ela com um toque de cansaço seco enquanto passávamos por várias portas pertencentes à equipe júnior.
Ela parou em frente à que dizia Davenport, DC.
— Sou eu — lançou mais um olhar de soslaio. — Você é muito persistente.
— Sobre o quê? — perguntei, surpreso.
— Você me seguiu até aqui.
Ela franziu a testa. Li nas entrelinhas: Você me seguiu até aqui mesmo sem eu querer.
Talvez ela estivesse com medo do que poderia acontecer entre nós. Meus lábios se curvaram num esboço de sorriso.
— Eu nunca aceito um não como resposta, Julienne Davenport.
Ela girou a maçaneta e abriu a porta. Fiquei ali, parado, observando-a depositar as malas no compacto tapete de lã de cordeiro ao lado da cama ainda mais compacta.
Meus olhos percorreram o quarto.
Pelo menos ela tinha lençóis limpos, um travesseirinho arrumadinho e uma escrivaninha para estudar. Todo o resto no quarto, incluindo as paredes brancas e clínicas, era uma merda.
Meus aposentos no andar de baixo ostentavam ricos detalhes em mogno, mobiliados com frigobar e uma cama king-size. Era perfeito para visitas ocasionais, e foi por isso que eu tinha trazido uma mala até lá. Eu meio que esperava receber a novata hoje à noite, mas ela aparentemente era a Wandinha Addams na vida real. Aliás, até aquela esquisitice encontrou um garoto que queria beijar.
— Você não foi embora — ela observou com aquele seu jeito estranho.
— Você está me dispensando? — perguntei incisivamente.
— Não estou envolvida o suficiente para me importar.
Observei-a afastar um cacho preto rebelde do rosto enquanto desfazia as malas. O conteúdo estava cuidadosamente organizado, separado por tamanho, em pilhas específicas, codificadas por cores e organizadas metodicamente. Ela retirou cada pilha em ordem decrescente, começando pelas peças delicadas.
Por fim, artigos de higiene pessoal saíram de uma bolsa compacta à prova d’água, com recipientes coloridos contrastando fortemente com o ambiente mundano. Sapatos pretos e um par de chinelos simples encontraram seu lugar sob a cômoda de compensado sem adornos e desgastada pelo tempo.
As sacolas vazias amassadas em formas desoladas e murchas sob a simples cama de solteiro.
Será que a Srta. Davenport prestava tanta atenção aos detalhes quando se despia com a intenção de t*****r? Fiquei e******o só de pensar.
Depois de colocar as sacolas debaixo da cômoda, ela se endireitou e se virou, só para olhar além de mim.
Será que ela estava me ignorando de propósito? Afastei o pensamento. Ela estava se fazendo de difícil. Pronto. Esse era um pensamento com o qual eu podia lidar.
— Um jantar — eu disse.
— Com licença?
— Estou te convidando para jantar comigo — insisti. — Se não se divertir, não vou te incomodar mais.
Ela piscou seus longos cílios para mim. Seu rosto permaneceu completamente indecifrável.
— Se eu concordar — respondeu ela finalmente —, você me deixa em paz?
Ah, tudo bem. Eu consideraria isso uma vitória.
— Com certeza.
— Negócio.
Segundos depois, uma tosse raivosa atrás de mim me revelou o motivo. A supervisora daquele andar era Lorena McPhee, uma mulher magra e astuta que odiava homens de qualquer tipo em seu território.
— Dr. Vincenzo — comentou ela atrás de mim, com aquela voz especial, carregada de veneno e açúcar —, obrigada por vir dar as boas-vindas ao nosso mais novo m****o da equipe. Eu assumo a partir daqui.
Virei-me.
— Ficarei feliz em mostrar o lugar a ela.
— Isso não será necessário — disse ela com firmeza. — Por favor, não deixe que a gente atrapalhe seu almoço.
Ela pode ter ouvido meu estômago revirando.
Lancei-lhe um sorriso insinuante, com meu charme à flor da pele. Meus esforços foram em vão. Seus lábios se contorceram, azedados pela teimosia. Com um dar de ombros resignado, desisti da batalha e fui embora.
A frustração me consumiu quando ouvi o detetive Davenport conversando de forma muito mais cordial com Lorena. Suas vozes ecoaram pelo corredor.
— Graças às estrelas que você chegou, Enfermeira-Chefe — exclamou ela, suas palavras ecoando suavemente pelo espaço estreito. — Eu estava completamente perdida, sem saber como me livrar dele.
A resposta de Lorena pareceu excessivamente satisfeita.
— Bem, eu tenho bastante experiência nessas coisas, querida.
O tom suave da voz da Srta. Davenport era notavelmente evidente quando não era dirigida a um homem. A raiva fervilhava dentro de mim quando me virei e desci apressadamente as escadas, dois degraus de cada vez.
Ao virar a esquina enquanto descia, encontrei Ruby.
Ela estava parada como uma gárgula, com o rosto num tom vermelho vivo.
— Então — ela sussurrou —, eu segui vocês dois.
Claro que sim.
— Como você se sente?
Estreitei os olhos.
— Do que você está falando?
— Rejeição — respondeu ela, alegre. — Eu ouvi o que Davenport disse, Loius. É uma pena ser você, não é?
Dei um passo à frente e toquei no braço dela. Ela deu um pulo para trás.
— Desespero não te cai bem, Ruby. Nunca mais tente isso comigo — disse friamente.
Ruby soltou a mão de mim e desceu correndo o resto das escadas sem olhar para trás.
Marchei em direção ao corredor e não falei com ninguém. Peguei um bife, malpassado como eu gostava, e o cortei ferozmente.
O Srta. Davenport ainda estaria aquecendo minha cama.
Ela iria quebrar quando eu descobrisse sua falha e distorcesse isso a meu favor.
Então ela viria rastejando até mim como os outros.
Eles sempre fizeram isso.