4 - Interessado

2319 Words
Loius — O que você quer dizer com “não foi sério?” A voz de Ruby estava atingindo um tom febril. Mais alto que aquilo, e ela soaria como os apitos da panela de pressão que minha mãe usava no fogão indiano que trouxe de uma de suas viagens. — Quero dizer exatamente o que já disse nas últimas três vezes em que dormimos juntos — falei lentamente, lutando para manter os olhos abertos. A noite anterior tinha sido longa. Ruby era uma distração — e, geralmente, não se importava com isso. — Você é um porco, Louis Vincenzo — ela respondeu com fúria, lançando o “porco” com tanta intensidade que gotas de cuspe escaparam pela fresta entre seus lábios e pousaram direto no meu nariz. Suspirei e peguei meu lenço do bolso. Abri com cuidado as dobras e limpei o rosto com precisão meticulosa. — Isso pode até ser verdade — disse, dobrando o tecido novamente com exatidão —, mas não impede você de aparecer no meu quarto em horários indecentes, implorando para que eu durma com você. E só para constar, eu não estava mentindo. Por algum motivo torto, Ruby acreditava que o caminho até o meu coração passava, inevitavelmente, pelo meu pênis. Ela era do tipo que buscava validação através da pele — acreditava que quanto mais intenso fosse o sexo, mais rápido eu me apaixonaria. Infelizmente, esse método não funcionava comigo. Compromisso não era a minha praia. A vida era curta demais para carregar esse tipo de bagagem emocional. Já bastava lidar com os pacientes e seus próprios fantasmas. Sexo, para mim, era apenas um mecanismo de sobrevivência. Dobrei o lenço com paciência, cuidando para que cada canto ficasse perfeitamente alinhado. Um pedacinho da ponta teimou em escapar, o que me irritou. Suspirei, recomecei o processo, e só quando tudo ficou impecável, voltei a guardá-lo no bolso. Então lancei um olhar frio a Ruby. Ela estava lá, com o cabelo desgrenhado, os olhos vermelhos de raiva e — talvez — à beira de um colapso emocional. Não tive tempo nem vontade de assistir à queda. Meu estômago roncou alto, me trazendo de volta ao presente. — Ruby, me desculpe. Nunca foi minha intenção te machucar — disse, mantendo o tom sereno. — Acho que deveríamos parar de dormir juntos. Você merece algo melhor que isso. Alguém que realmente cuide de você. A reação foi imediata. Os olhos dela se arregalaram — primeiro de medo, depois de pura urgência. — Não — sussurrou. — Eu não quis dizer isso. Escuta... eu só preciso de um tempo. Foi uma semana exaustiva. — Igualmente — respondi, mantendo a calma. — Vai comer alguma coisa — murmurou, desviando o olhar. Notei que ela começou a cutucar a pele do dedo indicador esquerdo. Um hábito frequente quando estava nervosa. Dermatilomania, anotei mentalmente. O ato compulsivo de cutucar a própria pele como forma de aliviar o estresse. Uma ferramenta eficaz, embora autodestrutiva. Eu conhecia bem o mecanismo. — Não vou tomar mais do seu tempo — Ruby lambeu os lábios, hesitante. — Quem sabe a gente se vê hoje à noite? Era o mesmo padrão de sempre. E eu sabia que, provavelmente, estaríamos repetindo esse teatrinho no mesmo lugar e na mesma hora amanhã cedo. Era lamentável como certas pessoas eram previsíveis. Assim eram todas as mulheres com quem eu tinha dormido naquele instituto — um lugar que deveria ser um centro de excelência acadêmica, mas que para mim se tornara um teatro entediante de distrações carnais. Estimulação sem profundidade. Em termos de prazer físico, o OFG estava se tornando cada vez mais banal. Sem emoção. Sem desafio. Dei de ombros, sem me comprometer: — Minha agenda está lotada. Podemos deixar isso para outro momento. — Ah — ela respondeu, os ombros caindo um pouco, ainda que tentasse sustentar uma falsa leveza. — Certo. — Até mais, Ruby — falei, virando-me antes que ela pudesse se humilhar mais. Saí do quarto e segui rumo ao refeitório. O cheiro de desinfetante misturado ao suor ácido da ambição me acompanhava enquanto eu atravessava a multidão de residentes atarefados. Estavam em plena fase de estágios clínicos — o que significava contato direto com os pacientes, diagnósticos reais e experiências práticas. Para muitos, a fase mais empolgante da formação. Meus passos contrastavam com os deles: lentos, firmes e ritmados, como deveriam ser os de alguém que já dominava aquele ambiente. Parei na entrada do refeitório com um meio sorriso estampado no rosto. — Bom dia, Louis — cumprimentou Kurt Galbraith, seus olhos verdes iluminando-se de afeto sob os óculos, enquanto exibia seu sorriso habitual. Ele era, sem dúvidas, meu melhor amigo naquele lugar. — Kurt, como está sua manhã até agora? — O de sempre — respondeu ele, ajeitando os óculos e desviando da pergunta. — A propósito... já conheceu a nova residente médica? — Nova residente? — levantei uma sobrancelha, meu interesse despertado. — Ah, lá está ela — disse Kurt, fazendo uma careta e apontando discretamente para o final do corredor. Virei a cabeça. E a vi pela primeira vez. Vestida com um jaleco branco impecável, ela se movia com uma serenidade que destoava do caos ao redor. Seu cabelo n***o caía sobre os ombros como uma cascata de tinta espessa, emoldurando um rosto de beleza inquietante — extraordinariamente sexy, mas com um traço melancólico difícil de ignorar. Mas foram os olhos que me prenderam. Um tom de azul cortante, tão frio que parecia capaz de reverter o aquecimento global. — Uau — suspirei, momentaneamente paralisado. — Qual é o nome dela? — Julienne Davenport. Julienne. Rolei o nome na língua. Tinha um gosto deliciosamente amargo. — Ela é… interessante. — E também não parece nem um pouco interessada em você — observou Kurt, com aquele olhar penetrante. Ele não estava errado. A novata passou por nós com um leve aceno de cabeça para ele. Para mim? Nada. E olha que eu dei meu melhor sorriso de quem tem talento na cama. — Hã — respondi. — Talvez ela jogue no outro time? — Ou talvez — disse Kurt, dando um tapinha firme no meu ombro — você simplesmente não seja o tipo dela. De qualquer forma, é melhor deixá-la em paz. Tem algo de estranho nessa mulher. Kurt Galbraith era um homem de muitos talentos. Um deles era farejar problemas a quilômetros de distância. Mas, ao contrário dele, eu não corria dos problemas — eu os recebia de braços abertos. Problemas eram o meu café da manhã. Especialmente quando vinham embalados daquela forma. — Vou acreditar em você — falei, mesmo não tendo a menor intenção de fazer isso. — Por isso mesmo eu sei que você não vai — ele suspirou. — Não posso te impedir. — Você não pode. — Tome cuidado. — Eu vou. Kurt inclinou a cabeça e eu fui atrás de Julienne Davenport, esquecendo completamente do almoço. — Ei — chamei. Nenhuma resposta. Huh. Ela parou no pé da escada que levava aos quartos da ala dos novatos. — Ei — sussurrei ao alcançá-la. — Sou o Loius. Ela enrijeceu os ombros por um segundo antes de se virar. — Eu sei quem você é. Só não me importo. — Nossa — disse, apreciando a ousadia. Por dentro, exultei. Ela fala! Ela começou a subir a escada. Dei dois passos atrás, observando quando ela quase cambaleou com o peso da mala Louis Vuitton. — Deixa que eu te ajudo — corri e agarrei a bolsa antes que ela caísse. — Você não devia subir — ela disse, cortante. — Já está velho demais pra estar aqui. Mostrei os dentes. — Tenho uma quedinha por quebrar regras. — Você fala isso como se fosse algo bom. — Passe um tempo aqui, Srta. Davenport — levantei a bolsa e a acompanhei. — E você vai ver que quebrar algumas regras faz muito bem... para os nervos. Ela parou. — Ou pode ser que você esteja quebrando as regras porque acha que é a única maneira de chamar a atenção. É a sua insegurança falando por você. Não é tão f**a quanto você imagina. Pelo menos, eu não gosto muito disso. Que v***a, pensei comigo mesmo. Gosto dela. — O que você faz então? — mudei completamente de assunto. A escada fazia uma curva antes de levar ao quarto andar, logo abaixo do sótão. — Sou psiquiatra infantil — disse ela com um toque de cansaço seco enquanto passávamos por várias portas pertencentes à equipe júnior. Ela parou em frente à que dizia Davenport, DC. — Sou eu — lançou mais um olhar de soslaio. — Você é muito persistente. — Sobre o quê? — perguntei, surpreso. — Você me seguiu até aqui. Ela franziu a testa. Li nas entrelinhas: Você me seguiu até aqui mesmo sem eu querer. Talvez ela estivesse com medo do que poderia acontecer entre nós. Meus lábios se curvaram num esboço de sorriso. — Eu nunca aceito um não como resposta, Julienne Davenport. Ela girou a maçaneta e abriu a porta. Fiquei ali, parado, observando-a depositar as malas no compacto tapete de lã de cordeiro ao lado da cama ainda mais compacta. Meus olhos percorreram o quarto. Pelo menos ela tinha lençóis limpos, um travesseirinho arrumadinho e uma escrivaninha para estudar. Todo o resto no quarto, incluindo as paredes brancas e clínicas, era uma merda. Meus aposentos no andar de baixo ostentavam ricos detalhes em mogno, mobiliados com frigobar e uma cama king-size. Era perfeito para visitas ocasionais, e foi por isso que eu tinha trazido uma mala até lá. Eu meio que esperava receber a novata hoje à noite, mas ela aparentemente era a Wandinha Addams na vida real. Aliás, até aquela esquisitice encontrou um garoto que queria beijar. — Você não foi embora — ela observou com aquele seu jeito estranho. — Você está me dispensando? — perguntei incisivamente. — Não estou envolvida o suficiente para me importar. Observei-a afastar um cacho preto rebelde do rosto enquanto desfazia as malas. O conteúdo estava cuidadosamente organizado, separado por tamanho, em pilhas específicas, codificadas por cores e organizadas metodicamente. Ela retirou cada pilha em ordem decrescente, começando pelas peças delicadas. Por fim, artigos de higiene pessoal saíram de uma bolsa compacta à prova d’água, com recipientes coloridos contrastando fortemente com o ambiente mundano. Sapatos pretos e um par de chinelos simples encontraram seu lugar sob a cômoda de compensado sem adornos e desgastada pelo tempo. As sacolas vazias amassadas em formas desoladas e murchas sob a simples cama de solteiro. Será que a Srta. Davenport prestava tanta atenção aos detalhes quando se despia com a intenção de t*****r? Fiquei e******o só de pensar. Depois de colocar as sacolas debaixo da cômoda, ela se endireitou e se virou, só para olhar além de mim. Será que ela estava me ignorando de propósito? Afastei o pensamento. Ela estava se fazendo de difícil. Pronto. Esse era um pensamento com o qual eu podia lidar. — Um jantar — eu disse. — Com licença? — Estou te convidando para jantar comigo — insisti. — Se não se divertir, não vou te incomodar mais. Ela piscou seus longos cílios para mim. Seu rosto permaneceu completamente indecifrável. — Se eu concordar — respondeu ela finalmente —, você me deixa em paz? Ah, tudo bem. Eu consideraria isso uma vitória. — Com certeza. — Negócio. Segundos depois, uma tosse raivosa atrás de mim me revelou o motivo. A supervisora daquele andar era Lorena McPhee, uma mulher magra e astuta que odiava homens de qualquer tipo em seu território. — Dr. Vincenzo — comentou ela atrás de mim, com aquela voz especial, carregada de veneno e açúcar —, obrigada por vir dar as boas-vindas ao nosso mais novo m****o da equipe. Eu assumo a partir daqui. Virei-me. — Ficarei feliz em mostrar o lugar a ela. — Isso não será necessário — disse ela com firmeza. — Por favor, não deixe que a gente atrapalhe seu almoço. Ela pode ter ouvido meu estômago revirando. Lancei-lhe um sorriso insinuante, com meu charme à flor da pele. Meus esforços foram em vão. Seus lábios se contorceram, azedados pela teimosia. Com um dar de ombros resignado, desisti da batalha e fui embora. A frustração me consumiu quando ouvi o detetive Davenport conversando de forma muito mais cordial com Lorena. Suas vozes ecoaram pelo corredor. — Graças às estrelas que você chegou, Enfermeira-Chefe — exclamou ela, suas palavras ecoando suavemente pelo espaço estreito. — Eu estava completamente perdida, sem saber como me livrar dele. A resposta de Lorena pareceu excessivamente satisfeita. — Bem, eu tenho bastante experiência nessas coisas, querida. O tom suave da voz da Srta. Davenport era notavelmente evidente quando não era dirigida a um homem. A raiva fervilhava dentro de mim quando me virei e desci apressadamente as escadas, dois degraus de cada vez. Ao virar a esquina enquanto descia, encontrei Ruby. Ela estava parada como uma gárgula, com o rosto num tom vermelho vivo. — Então — ela sussurrou —, eu segui vocês dois. Claro que sim. — Como você se sente? Estreitei os olhos. — Do que você está falando? — Rejeição — respondeu ela, alegre. — Eu ouvi o que Davenport disse, Loius. É uma pena ser você, não é? Dei um passo à frente e toquei no braço dela. Ela deu um pulo para trás. — Desespero não te cai bem, Ruby. Nunca mais tente isso comigo — disse friamente. Ruby soltou a mão de mim e desceu correndo o resto das escadas sem olhar para trás. Marchei em direção ao corredor e não falei com ninguém. Peguei um bife, malpassado como eu gostava, e o cortei ferozmente. O Srta. Davenport ainda estaria aquecendo minha cama. Ela iria quebrar quando eu descobrisse sua falha e distorcesse isso a meu favor. Então ela viria rastejando até mim como os outros. Eles sempre fizeram isso.
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