6 - Conversa estranha

1588 Words
Julienne Um mês antes da morte de Otto — Sabe, Julienne, a vida é passageira. É a impermanência que lhe dá sentido. Em meio à vasta paisagem campestre de Connecticut, em chamas sob o manto flamejante do outono, Otto sentou-se em uma cadeira rústica de madeira na varanda da nossa casa. Eu fiquei de pé, encostado na parede. Os olhos de Otto estavam fechados. Ele parecia cansado. Havia novas linhas em sua testa, e seu peito subia e descia em um ritmo pausado, mas irregular. De vez em quando, ele abria os olhos e olhava fixamente para a parede ou para o chão, sem realmente se concentrar em nada específico. No meu tempo na profissão, aprendi a ler certos sinais. Enquanto Otto descansava, suas mãos remexiam na bainha do paletó, puxavam um fio solto, depois se recolhiam nos bolsos largos — apenas para emergirem novamente. Havia algo acontecendo, mas eu ainda não sabia o quê. — O que está acontecendo, Otto? Desembucha, por favor. Segurei a xícara fumegante entre as mãos e tomei um gole lento e deliberado, sentindo o calor penetrar pelos dedos. — Ou espere até eu entender seus sinais — acrescentei, aproximando a xícara e deixando os vapores de gengibre fazerem cócegas no meu nariz. — Diga um palpite — Otto me desafiou, com um sorriso lento nos lábios. — O que o Dr. Morgan acha? — Você está arrastando os pés no chão acarpetado, um hábito que você detesta — retruquei, começando a contar seus sinais nos dedos. — Há um minuto, uma rajada de vento fez uma cascata de folhas âmbar e douradas rodopiar pelo quintal. Você tem uma vista desobstruída. Em qualquer outro dia, você estaria me dizendo para admirá-la. Hoje, você simplesmente se encolheu. Fiz uma pausa para respirar e tomar outro gole. Deus o abençoe, Otto dominava a arte das minhas preferências de chá. Ele guardava latas de café Assam só para mim. Saboreei a mistura robusta, misturada com uma colherada certeira de açúcar, o toque de gengibre finamente triturado e uma generosa dose dupla de creme. Era um contraste gritante com meus hábitos de café — sem adornos, extremamente amargo, reflexo do meu lado menos indulgente. — Vai direto ao ponto, não é? — Otto gemeu, recostando-se na cadeira com um estalo das costas. — Gosto de te estudar — comentei, colocando a xícara na mesa ao meu lado. — E, com base no que acabei de ler, você diria que está: A, passando por uma crise de terceira idade; B, planejando dar uma de Bilbo Bolseiro e sair em uma aventura sem me avisar; ou C, exausto e precisando de um cochilo? O sorriso de Otto se alargou. — Bem, acho que se pode dizer que é um pouco de tudo. Tenho pensado muito em finais. Franzi a testa. — Mas e se alguém pudesse mudar isso? E se alguém inventasse uma droga que tornasse as pessoas imortais? Otto riu baixinho, e seu som carregava toda a sabedoria do mundo. — Imortalidade? Isso seria uma maldição, não uma bênção. Imagine viver enquanto tudo ao seu redor muda e desaparece. Não, a beleza da vida reside em sua transitoriedade, em saber que ela é uma dádiva temporária. Recusei-me a considerar isso. Otto podia ser muito irritante durante essas conversas, porque tudo terminava com ele declarando que um dia se levantaria e simplesmente desapareceria. — Mas não seria tentador? Aguentar firme, ver o que o futuro reserva para a humanidade? As feições suaves de Otto ficaram rígidas. — O futuro? Humanos são as únicas criaturas vivas que mutilam e matam por prazer, Julienne. De que adiantaria estar aqui por tanto tempo e testemunhar isso acontecendo? — Mas a sua profissão — respondi lentamente — não faz de você uma pessoa naturalmente compassiva com os outros? — Sim e não — respondeu ele, tirando os óculos com um movimento rápido e experiente. Enquanto limpava as lentes com a camisa, seus olhos encontraram os meus com uma franqueza que cortava o ar. — Eu me importo em aliviar a dor onde posso. Só isso — acrescentou, com palavras firmes e definitivas. Caminhei lentamente em sua direção e coloquei a palma da mão firmemente em seu ombro. — Não, Otto. Não deixe os dias sombrios vencerem. Ele olhou para cima com um cansaço que me assustou. Embora excêntrico e, às vezes, simplesmente estranho, Otto sempre parecera inquebrável. Mas o homem que me olhava com olhos cinzentos e exaustos, não. — E se esses forem os únicos dias que restam, Julienne? Presente dia A luz do sol filtrava-se pelas janelas imponentes da sala de professores juniores do Instituto Otto F. Morgan, pintando o ambiente com um mosaico de luz e sombra. Os raios dourados refletiam no piso de madeira polida, estendendo as silhuetas dos móveis em formas longas e quase espectrais. Aninhado em uma poltrona que carregava os confortáveis sinais do tempo, contemplei a vista ampla. A paisagem de Connecticut se descortinava diante de mim. O beco de teixos, com seus galhos verde-escuros entrelaçados, formava um corredor de mistério que conduzia o olhar até o roseiral. Ali, a paixão de Otto pela beleza indomável da natureza era evidente. As rosas — um contraste vibrante entre o vermelho-sangue e o branco-puro — pareciam quase irreais em sua intensidade. Ao longe, a estufa se erguia com seus vidros cintilando sob a luz, produzindo um jogo de reflexos que me fez franzir a testa. Balancei a cabeça, afastando o devaneio, e tomei outro gole do café morno que segurava entre os dedos. Fazer associações tinha suas vantagens. A chefe de andar havia simpatizado comigo, principalmente depois que expressei minha aversão por Loius e suas tentativas patéticas de flerte. Aliás, nas poucas horas que passei no instituto, duas coisas ficaram dolorosamente claras: primeiro, eu odiava todos os homens — com exceção de Otto. Segundo, havia algo muito, muito errado naquele lugar. Esfreguei os olhos, cansado, e examinei o quarto ao meu redor. O rosto de Loius não conseguiu esconder o desprezo quando entrou e lançou um olhar à mobília minimalista. Mas ela me caía bem. Eu não estava ali para conforto. Estava para cumprir um trabalho — e não era um bom presságio abusar da hospitalidade. Ou da falta dela. A luz brincava nas folhas do lado de fora, e eu suspirei, recostando-me na cadeira e deixando-a embalar-se suavemente num movimento de vai e vem. Meses atrás, Otto e eu tivemos uma conversa que ainda ecoava nos recessos da minha mente. Suas palavras permaneciam comigo, surgindo nos momentos de maior solidão — como agora. Otto tinha razão. Humanos são uns merdas egoístas. E foi exatamente por isso que ele se foi antes do tempo. Mas por que matá-lo? A pergunta era como uma coceira permanente, impossível de ignorar. A única maneira de encontrar a resposta era me aproximar dos suspeitos óbvios — uma tarefa que exigiria sangue frio. A carranca em meu rosto se aprofundou. Todos eles eram insuportáveis, cada um à sua maneira. Kurt Galbraith exigia respeito por sua antiguidade, mas não parecia o tipo de pessoa que soubesse retribuir. Já havia formado uma opinião sobre mim antes mesmo de me conhecer. Isso ficava evidente pelo sorriso de escárnio que exibia toda vez que cruzava comigo. De qualquer forma, ainda era cedo demais para testá-lo. Nikolas Magnusson era um castelo de cartas. Um empurrão e ele ruiria, mas, se eu não tomasse cuidado, ele se retraíria numa concha impenetrável. Precisava ser manuseado com delicadeza. O que me restava, então, era a isca mais fácil: Loius Vincenzo. Peguei o celular, abri o site do instituto e encarei, sem emoção, a foto dele. Ele sorria descaradamente para a câmera, seu brilho acadêmico e profissional aparentemente suficiente para compensar o Casanova que claramente era. Levantei-me e, depois de uma hora andando de um lado para o outro, sentei-me na beira da minha cama de solteiro no pequeno quarto, com os olhos grudados na entrada. — E se meus insultos tiverem sido demais? — sussurrei para mim mesmo. — E se ele não retribuir? — Bem — murmurei para mim mesmo, — sempre posso contratar uma prostituta, prender um fio nela e fazer o serviço. Isso me poupará o trabalho de ir atrás de informações. No mesmo instante em que pronunciei essas palavras, uma umidade desconhecida se insinuou entre minhas pernas. Franzi o cenho para o espelho, convencendo-me de que era o período sabático que eu havia tirado do sexo que estava me enganando. Afinal, já fazia um ano inteiro. Preenchendo o silêncio ansioso, fingi ler um livro. Meus dedos estavam tensos na lombada, mas meus olhos permaneciam fixos na porta. As horas passavam e meu estômago se contraía de ansiedade. Justamente quando eu estava pensando em contratar uma prostituta, ouvi uma batida educada na porta. — Oi.— Contendo o alívio na minha voz, caminhei até o guarda-roupa simples no meu quarto. As batidas eram persistentes. — Só um minuto— gritei, caminhando em ritmo lento. Abri o guarda-roupa e peguei a camisa branca de cetim que havia comprado na mesma noite em que vi o perfil do Loius no f*******: pela primeira vez. Levei meu tempo, tirando o que estava vestindo e vestindo o que precisava para que aquilo funcionasse. — Julienne?— a voz lá fora estava ficando impaciente. — Já está pronta? Caminhei até a porta e a abri devagar. Loius ficou boquiaberto enquanto me olhava. — Paciência— ronronei para ele — é uma grande virtude. Puxei-o para dentro e fechei a porta atrás de nós.
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