Quando ele parou, o relógio marcava quatro da manhã, o céu ainda escuro, a rua deserta, o carro aquecido por dentro, e Cora dormia, enrolada na coberta, os olhos fechados, o corpo afundado no banco traseiro como se só ali tivesse conseguido parar de fugir.
Era um hotel até bancana, mais do que ele costumava usar, mas precisava de um lugar com banho quente e um quarto decente, pelo menos por algumas horas.
Parou na recepção, bateu a mão no balcão.
— Me arruma uma chave.
— Tem que fazer o check-in…
Seraphin tirou algumas notas do bolso, colocou sobre o balcão.
— Você fica com o dinheiro, eu fico com o quarto até as duas da tarde… se me trouxer uma comida de um lugar limpo, e bom, ainda hoje, ganha mais dois mil pesos
O funcionário arregalou os olhos, olhou pro lado, depois de volta pra ele.
— Tá fugindo da polícia?
— Não… isso não, só não quero ser incomodado.
— Tudo bem… vai pro quarto da ala vinte, vou abrir pelo controle, tem entrada individual… e não vai ninguém lá, está limpo.
— Se me passar a perna, corto o seu pescoço..
— Não precisa , o dinheiro é muito bom.
Seraphin voltou pro carro, manobrou com calma, colocou o carro dentro da vaga coberta da lateral do hotel, abriu a porta de trás, pegou Cora no colo outra vez, ela nem acordou, só encostou a cabeça no ombro dele, como se reconhecesse o cheiro, o calor, a força.
Entrou com ela no quarto.
Tinha uma banheira, um chuveiro forte, uma cama grande, cortinas pesadas, e silêncio.
Ele a deitou com cuidado, tirou a coberta a, pegou uma toalha seca do armário, ligou a banheira, deixou enchendo, a água subindo devagar.
Quando a primeira onda de vapor tomou o quarto, Cora abriu os olhos.
— Tem água quente na banheira… vou pro chuveiro, tem meia hora..
Ela não disse nada, mas olhou pra ele como quem ouve, como quem entende.
E Seraphin entrou no banheiro, fechou a porta..
Sozinha, ela se despiu devagar, entrou na banheira como quem se entrega a um refúgio breve, se afundou até o pescoço, e ali chorou, baixinho, como se o vapor abafasse o som, como se o calor dissolvesse o medo, chorou por não estar mais com Alceu, chorou de alívio, o homem era um monstro.
E ficou tanto tempo ali, aquecida, protegida....Só deu conta do tempo quando a porta do banheiro se abriu devagar, e Seraphin entrou, já de bermuda, os olhos calmos, mas atentos, só agora ela percebeu o tamanho dele, a força nos ombros, a presença que ocupava o ambiente mesmo em silêncio.
Alguém bateu na porta.
Era o funcionário, com a comida.
Seraphin foi atender, não dava pra ver Cora da porta, ele pegou a bandeja, a, trancou tudo de novo, colocou a bandeja dela ao lado da mesa...
— Coma… partimos mais tarde.
Ele colocou o armário pesado bloqueando a passagem da porta, tirou duas armas da bolsa, deixou uma embaixo do travesseiro e outra na própria cintura, sentou na poltrona e comeu.. Ela comeu toda a comida..
Cora saiu do banho, se enrolou rapidamente em um roupão...
Depois foi ao espelho, escovou os dentes, prendeu o cabelo num coque frouxo, mas quando olhou o próprio reflexo, com o rosto machucado e a cicatriz recente, chorou de novo, sem barulho, mas com o corpo encolhido, a cicatriz nunca mais iria sumir.
Ele se levantou, foi até ela.
— Você é linda, Cora… mesmo com a cicatriz, ainda é bonita. Acho nunca tinha visto uma mulher bonita assim..
Ela não respondeu.
— Venha, se deita… quero dormir um tempo com você.
— Podemos só dormir?
— Podemos.
Ela percebia o jeito que Seraphin a olhava, como se a comesse com os olhos, e ele não disfarçava, o beijo que ganhou...
Mas ela também sabia que não estava pronta pra mais nada e ainda estava muito assustada para pensar em qualquer outra cosia.
Se deitou e esperou, porque ele saiu pra conferir o banheiro, travou a janela com o uma barra de ferro, empurrou com força até ter certeza que ninguém entraria por ali,.
Ela escutou o som da torneira, a água caindo, depois o barulho cessou, os passos dele voltando pelo chão de madeira, e então ele se deitou ao lado, puxou ela pra perto sem pedir permissão, como se aquilo já estivesse decidido.
— Seraphin…
— Dorme… preciso descansar a mente, porque preciso pegar estrada.
— Vai me levar junto?
Não sabia quem era aquele homem, mas queria ficar com ele.
— Vou, Cora… onde for, você vai.
Ele disse aquilo com a voz baixa.
— Arrisquei tudo por você, nem sei por quê, mas arrisquei… e não deixo você pra trás, não deixo mesmo, você é minha mulher agora.
Ela não respondeu,Só respirou fundo, e se permitiu fechar os olhos, dormiu na segurança dos braços dele.