O salão parecia um quadro em movimento.
Lustres de cristal refletiam luz dourada sobre taças e joias, criando pequenos universos cintilantes no ar.
Conversas se misturavam a risadas controladas, o tilintar do cristal ao som distante da orquestra.
Nathan, claro, já dominava o espaço como se fosse anfitrião.
Eu, como sempre, observava.
— Está vendo? — ele disse, inclinando-se na minha direção. — Elegância, música, bebida… e um monte de gente fingindo altruísmo. É praticamente um zoológico social.
Sorri de canto.
— Você veio pelos animais ou pelo vinho?
— Pelos dois. Mas confesso que o habitat é bonito. — Ele ergueu o copo. — Olha em volta, Leo. Esse é o tipo de lugar que me faz acreditar que o mundo ainda tem estilo.
Deixei o olhar vagar pelo salão sem real interesse, até que a porta principal se abriu.
O murmúrio das conversas diminuiu, sutil, como se o ambiente tivesse reconhecido algo diferente antes mesmo de perceber o motivo.
Ela entrou.
Não havia nada de extravagante nela, e talvez por isso fosse impossível não notar.
Um vestido vermelho de tecido leve que parecia moldar o corpo apenas pelo movimento, sem esforço.
Cabelos loiros presos num coque solto, fios escapando de propósito.
A pele dourada sob a luz.
Os olhos — não soube definir a cor de imediato — tinham o brilho calmo de quem está acostumada a ser observada e a não precisar provar nada.
Por um instante, o ar pareceu mudar de temperatura.
O som do piano voltou, mas distante.
Tudo o que restava era aquela figura cruzando o salão com passos firmes, cumprimentando algumas pessoas, sorrindo com elegância ensaiada.
Nathan, claro, notou antes que eu disfarçasse.
— Santo Deus… — murmurou, com o tom de quem avista uma obra de arte. — Aquela mulher acabou de redefinir o conceito de entrada triunfal.
Fingi desinteresse, mas meu olhar já havia se fixado nela.
— É apenas uma convidada.
— Uma convidada que está olhando pra cá — ele rebateu, divertido. — E não é pra mim, o que é decepcionante.
Balancei a cabeça, tentando conter um sorriso.
— Você vê olhares onde não existem.
— Não, meu caro. Eu vejo quando alguém tenta disfarçar que existe. É diferente.
Ela se aproximou do grupo de médicos ao lado do palco, cumprimentando o diretor do hospital.
O som da voz dela chegou até mim em fragmentos, grave e suave ao mesmo tempo, como se cada palavra tivesse sido escolhida antes de nascer.
Não era o tipo de beleza que se impunha; era o tipo que dominava o ambiente apenas por estar ali.
Nathan continuava me observando com aquela expressão de quem acabara de me flagrar em um crime.
— Você está encarando.
— Estou observando.
— Sinônimos, dependendo do contexto.
Respirei fundo.
— Pare de ser inconveniente.
— Estou apenas sendo realista. — Ele se recostou, divertido. — Aposto um mês de plantões que, até o fim da noite, ela vai vir falar com você.
Revirei os olhos.
— E eu aposto que você vai inventar mais teorias absurdas.
Mas, mesmo enquanto dizia isso, percebi que minha atenção voltava pra ela involuntariamente.
Era como se o resto da festa tivesse perdido definição, e tudo o que permanecia nítido fosse o movimento do vestido vermelho entre as luzes.
A cada vez que ela sorria para alguém, havia algo de contido no gesto — como se conhecesse o valor de manter certa distância.
E, de alguma forma, reconheci aquele gesto.
A máscara da compostura.
O mesmo instinto de quem já foi ferido e aprendeu a parecer intacto.
Nathan interrompeu meu pensamento com o som do copo pousando na mesa.
— Se você não vai, eu vou.
— Vai fazer o quê?
— Descobrir o nome dela.
— Nathan…
Mas ele já estava de pé, ajeitando a camisa e caminhando na direção dela com o charme irresponsável de sempre.
Fiquei observando, entre divertido e resignado, enquanto ele se aproximava e dizia algo que a fez rir.
O riso dela foi breve, educado, e terminou com um aceno elegante antes de ela se afastar.
Nathan voltou triunfante, como se tivesse vencido uma guerra.
— O nome dela é Manuela Vasconcelos, empresária do ramo de moda. — Ele se sentou, satisfeito. — E, adivinha? Viúva.
— Parabéns pela eficiência. — Bebi um gole do vinho. — Faltou só perguntar o tipo sanguíneo.
— Eu estava chegando lá, mas ela é rápida. — Ele sorriu. — E você continua teimoso ao negar interesse.
— É só curiosidade social, Nathan.
— Claro que é. — Ele deu uma risada curta. — E eu sou um monge franciscano.
Fiquei em silêncio, observando Manuela agora do outro lado do salão.
Ela conversava com um grupo de investidores, gesticulando pouco, mas cada movimento dela parecia calculado.
A luz refletia nos ombros descobertos, no brilho discreto do anel.
Havia uma harmonia estranha entre força e doçura ali.
Nathan me cutucou.
— Ela olhou de novo.
— Está olhando para o palco.
— Está olhando através do palco, e você está no caminho.
Respirei fundo, forçando o olhar para outro ponto qualquer.
— Chega disso.
— Tudo bem, doutor Controle — ele respondeu, rindo. — Mas aviso: o universo adora ironias.
A noite prosseguiu.
Brindes, aplausos, discursos.
Mas, de tempos em tempos, meus olhos a encontravam entre as pessoas.
E, por mais que eu tentasse racionalizar aquilo, havia algo na presença dela que atravessava todas as defesas que construí.
Ainda não havia troca de palavras, apenas o reconhecimento silencioso de dois mundos que, de algum modo, pareciam já se conhecer.
Nathan falava de vinhos, de investimentos, de qualquer coisa — e eu assentia sem realmente ouvir.
O som da voz dela, quando se misturava ao burburinho do salão, era o único detalhe que permanecia nítido.
Aquela noite ainda estava longe de terminar.
E, sem perceber, eu já estava esperando o momento em que nossos caminhos finalmente se cruzariam.