O Perdão Vira Entrega

1737 Words
O silêncio que se instalou depois daquelas palavras não era vazio. Era cheio. Cheio de tudo que ainda não tinha sido dito, de tudo que estava prestes a ser vivido. Manuela ainda estava perto demais. Tão perto que eu sentia o calor do corpo dela atravessar o tecido da roupa. O perfume suave que já tinha se tornado familiar misturava-se ao ar do quarto, e por um momento, tudo pareceu suspenso. Levantei a mão devagar e toquei o rosto dela. — Olha pra mim… — pedi, baixo. Ela levantou o olhar, insegura, como alguém que se expôs demais e agora espera o impacto. — Eu fiquei machucado — repeti, com calma. — Mas eu entendo você. Ela franziu a testa, como se não tivesse certeza se tinha ouvido certo. — Entende…? — Entendo o medo. Entendo o silêncio. Entendo até o erro. — Acariciei a bochecha dela com o polegar. — O que eu não consigo é ir embora. Os olhos dela brilharam de um jeito diferente. Não era só emoção. Era alívio. — Eu não quero que você vá embora — disse, quase num sussurro. — Eu quero você aqui. Comigo. Não respondi com palavras. Me inclinei e a beijei. Não foi um beijo apressado. Foi lento. Profundo. Um beijo que não precisava provar nada, apenas confirmar. As mãos dela subiram para minha nuca, me puxando para mais perto, como se quisesse apagar qualquer distância que ainda existisse entre nós. O beijo foi ficando mais intenso, mais quente, mais entregue. Cada movimento carregava tudo que tínhamos guardado: o desejo, o perdão, a vontade de continuar. Quando nos afastamos minimamente para respirar, apoiei minha testa na dela. — Vem… — murmurei. Ela assentiu. Deitamos juntos, sem pressa, sem urgência. As luzes suaves do quarto criavam sombras delicadas sobre o corpo dela, e por um instante eu apenas observei, como se quisesse gravar aquele momento inteiro na memória. Manuela me tocava com carinho, com necessidade, como quem diz “fica”. E eu ficava. Cada gesto nosso era uma conversa silenciosa. Cada beijo pelo caminho era uma promessa não dita. Não havia pressa, não havia ansiedade. Só a certeza de que aquilo era real. Quando nossos corpos finalmente se encontraram de verdade, foi como se o mundo tivesse desaparecido de vez. Eu estava ali, com ela, completamente presente. Aproximei meus lábios do ouvido dela, enquanto a envolvia, enquanto nossos movimentos se encaixavam com uma i********e que parecia antiga. — Eu te perdoo… — sussurrei. — Porque eu quero você. Inteira. Com tudo. Ela soltou um suspiro profundo, quase um soluço emocionado. — Eu te amo… — respondeu, com a voz embargada. Continuei ali, por cima dela, sustentando o olhar, sentindo o corpo dela responder ao meu, cada vez mais intensa, mais entregue. E então, sem planejar, sem ensaiar, deixei escapar aquilo que já estava claro dentro de mim desde muito antes. — Eu também quero casar com você. O efeito foi imediato. Manuela arquejou, os olhos se abriram em surpresa, depois se encheram de lágrimas. Ela segurou meu rosto com força, como se tivesse medo de que eu desaparecesse. — Diz isso de novo… — pediu. Encostei minha testa na dela. — Eu quero casar com você. Quero acordar do seu lado. Quero construir. Quero tentar. Quero errar e acertar com você. Ela me beijou com uma intensidade nova, quase desesperada, como se aquelas palavras tivessem libertado algo dentro dela. O jeito como ela me acolheu naquela noite foi diferente de tudo. Mais profundo. Mais verdadeiro. Como se cada toque dissesse “fica”, “é você”, “não vai embora”. E eu fiquei. Aquela noite não foi só sobre desejo. Foi sobre escolha. Foi sobre duas pessoas que já tinham vivido perdas, erros, silêncios… decidindo, conscientemente, ficar. Quando adormecemos juntos, horas depois, Manuela estava aninhada em mim, respirando tranquila, como alguém que finalmente encontrou descanso. E eu fiquei ali, acordado por alguns minutos a mais, olhando para o teto, com um sorriso que eu nem lembrava como era. Porque, pela primeira vez em muito tempo, eu não estava com medo do futuro. Eu estava esperando por ele. Acordei antes dela. Não por hábito, mas por aquele tipo de vigília silenciosa que acontece quando a felicidade ainda parece nova demais para ser real. A luz da manhã atravessava as cortinas leves do quarto do resort, desenhando linhas douradas no lençol branco que cobria o corpo de Manuela. Ela dormia de lado, voltada para mim, o rosto sereno, os cabelos espalhados pelo travesseiro como se tivessem sido cuidadosamente posicionados ali. Fiquei observando. O jeito como os cílios dela projetavam sombras suaves sobre a pele, a respiração calma, o leve franzir da testa quando ela mudava de posição. Era um rosto que não carregava tensão naquele momento. Nenhuma defesa. Nenhum receio. Sorri sozinho. A noite anterior ainda estava viva em mim. Não apenas pelo que vivemos, mas pelo que foi dito. Pela escolha que fizemos um pelo outro. Aquilo não tinha sido só paixão — tinha sido decisão. Ela se mexeu devagar, abriu os olhos aos poucos e, quando me viu, sorriu daquele jeito que parece acontecer antes mesmo de a pessoa pensar. — Bom dia… — murmurou, com a voz ainda embalada pelo sono. — Bom dia — respondi, inclinando-me para beijar sua testa. Ela se aproximou mais, como se o corpo dela tivesse aprendido o caminho até o meu em poucas horas. — Dormiu bem? — perguntei. — Como não dormia há muito tempo — respondeu, sincera. — E você? — Melhor impossível. Ela riu baixo e me beijou, um beijo lento, preguiçoso, que não tinha urgência alguma. Um beijo de quem acorda em paz. Ficamos ali por alguns minutos, sem falar, apenas sentindo o dia nascer ao nosso redor. O resort ainda estava silencioso, aquele silêncio elegante de lugares que acordam devagar, respeitando o tempo. — Vamos tomar café? — ela sugeriu, finalmente. — Vamos. Nos arrumamos sem pressa. Manuela escolheu um vestido leve, claro, que se movia com o corpo dela como se tivesse sido feito para aquele lugar. Eu vesti algo simples, confortável, mas ainda alinhado ao ambiente. Quando saímos do quarto, de mãos dadas, senti algo que não sentia há muito tempo: pertencimento. O restaurante do café da manhã era aberto, de frente para o mar. O cheiro de pão fresco, café passado na hora e frutas cortadas se misturava à brisa salgada que vinha da praia. Escolhemos uma mesa mais afastada, com vista direta para o azul infinito. Manuela parecia particularmente feliz. Falava com leveza, ria com facilidade, tocava minha mão enquanto comentava coisas banais — o croissant perfeito, o café forte demais, a vista absurda. — Parece um sonho — ela disse, olhando ao redor. — Parece mesmo. — Mas é real — completou, apertando minha mão. Estávamos assim, nesse clima quase suspenso, quando ouvi uma voz atrás de nós. — Bom dia. Levantei o olhar primeiro. Rafael. Ele parecia diferente da noite anterior. Menos arrogante, menos tenso. Vestia roupas claras, óculos escuros pendurados na gola da camisa, o semblante sério demais para aquele horário. Manuela franziu levemente a testa. — Bom dia… — respondeu, educada, mas claramente surpresa. Ele respirou fundo, como alguém que ensaiou aquelas palavras antes de dizê-las. — Eu… queria pedir desculpas pelo que aconteceu ontem à noite. O silêncio se instalou por alguns segundos. — Eu bebi demais — continuou. — Fui inconveniente, desrespeitoso. Não foi justo com nenhum de vocês. Manuela cruzou os braços, ainda desconfiada. — Você me constrangeu, Rafael — disse, sem elevar a voz. — E constrangeu o Leonardo. Ele assentiu. — Eu sei. E me arrependo. — Olhou para mim. — Não tenho justificativa. Só queria dizer isso pessoalmente. Observei-o por alguns instantes. Não havia ironia na voz dele. Parecia, de fato, constrangido. — Eu aceito suas desculpas — respondi, com calma. — Ontem foi desagradável, mas não precisa se repetir. Ele pareceu aliviado. — Obrigado. Manuela ainda hesitou, mas então suspirou. — Tudo bem — disse. — Vamos deixar isso no passado. — É o que eu espero — respondeu ele. — Bom café pra vocês. Quando ele se afastou, Manuela ficou alguns segundos em silêncio. — Estranho… — comentou. — Um pouco — concordei. — Mas talvez ele tenha refletido. Ela assentiu, ainda pensativa, mas logo voltou a sorrir, como se não quisesse permitir que aquilo contaminasse o dia. — Hoje o dia é nosso — disse, decidida. E foi. Depois do café, caminhamos pela praia. A areia ainda estava fresca, o mar calmo, refletindo o céu limpo daquela manhã. Tiramos os sapatos e caminhamos descalços, sentindo a água gelada tocar os pés de vez em quando. Manuela segurava minha mão com naturalidade, como se aquilo fosse o gesto mais óbvio do mundo. Conversávamos sobre coisas simples: viagens, músicas, pequenos hábitos bobos que começávamos a descobrir um no outro. Em certo momento, ela parou, virou-se para mim e me abraçou, encostando o rosto no meu peito. — Eu estou muito feliz — disse. — Eu também. — Não só pela viagem. Por você. Por nós. Beijei o topo da cabeça dela. Passamos o restante da manhã entre mergulhos no mar, risadas, beijos roubados quando ninguém parecia olhar. Almoçamos em um restaurante à beira da praia, comida leve, vinho gelado, conversa solta. À tarde, deitamos em espreguiçadeiras sob um guarda-sol. O sol aquecia a pele, o som do mar embalava o tempo. Manuela apoiou a cabeça no meu ombro, e fiquei ali, passando os dedos lentamente pelo braço dela, sentindo aquela tranquilidade rara. — Sabe o que eu mais gosto? — ela perguntou. — O quê? — Que com você tudo parece fácil. Sem jogos. Sem tensão. Sorri. — Talvez seja porque eu já cansei de complicar o que pode ser simples. Ela levantou o rosto e me beijou, um beijo doce, demorado, daqueles que não precisam de plateia. O dia passou assim, leve, quase etéreo. Como se o mundo tivesse decidido nos dar uma trégua. Quando o sol começou a se pôr, voltamos para o quarto, cansados no melhor sentido possível. Não era exaustão — era plenitude. Enquanto Manuela tomava banho, fiquei olhando pela janela, observando o céu mudar de cor, pensando em como, poucas semanas antes, eu jamais imaginaria estar ali. Com ela. E, pela primeira vez em muito tempo, não senti medo do que vinha depois. Só curiosidade. E vontade de continuar
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