A semana passou diferente.
Não mais rápida, não mais lenta — apenas diferente. Como se cada dia tivesse ganhado uma camada nova, invisível, mas impossível de ignorar. Eu acordava cedo, trabalhava como sempre, tomava decisões importantes, atendia pacientes, resolvia problemas… mas havia algo constante atravessando tudo isso: Manuela.
Mensagens curtas durante o dia. Áudios rápidos no meio de reuniões. Fotos casuais — um café, um sapato novo, um detalhe qualquer que ela fazia questão de dividir comigo. Não por necessidade, mas por escolha. E isso mudava tudo.
Na quinta-feira à noite, ela apareceu no meu apartamento como se já fosse parte dele.
Cheguei do trabalho e encontrei a porta destrancada. Não senti estranhamento. Apenas sorri.
— Manuela? — chamei, largando a chave sobre o aparador.
— No quarto — respondeu, com a voz preguiçosa.
Caminhei pelo corredor e a cena me fez parar na porta.
Ela estava deitada na minha cama, atravessada no colchão, coberta apenas por um lençol branco que m*l cumpria sua função. O cabelo solto espalhado pelo travesseiro, a pele à mostra de forma despretensiosa, uma perna dobrada, a outra estendida, como se o corpo tivesse se rendido completamente ao conforto daquele espaço — e, talvez, à ideia de que ali também era dela.
— Você chegou cedo — disse, me olhando por cima do ombro.
— Eu sempre chego cedo — respondi. — Você é que costuma bagunçar minha rotina.
Ela riu baixo.
— Culpa minha se você deixou?
Aproximei-me da cama, mas não toquei nela. Ainda. Fiquei observando, tentando entender como alguém podia ocupar um espaço com tanta naturalidade em tão pouco tempo.
— Está confortável demais pra alguém que não mora aqui.
— Estou testando — respondeu. — Avaliando se aprovo.
— E o veredito?
— Ainda em análise.
Sorri. Abri o armário e puxei a mala grande, colocando-a aberta sobre a poltrona.
— Preciso começar a organizar isso — disse. — Antes que deixe tudo pra última hora.
Manuela se virou de lado, apoiando a cabeça na mão, interessada.
— Então vem cá. Mostra.
Peguei a primeira camisa e levantei.
— Essa ou essa?
— Essa é muito você — disse, apontando. — A outra parece que foi comprada por alguém tentando parecer jovem.
— Ofensa pessoal?
— Crítica construtiva.
Continuei tirando roupas do armário. Camisas, camisetas, calças, roupas leves. A cada peça, ela comentava. Às vezes com seriedade, às vezes apenas para provocar.
— Essa não — disse, franzindo o nariz.
— Por quê?
— Porque eu não quero dividir você com outras pessoas olhando demais.
Levantei uma sobrancelha.
— Ciúme?
— Preferência — corrigiu. — Gosto de você exclusivo.
O lençol escorregou um pouco mais enquanto ela se mexia, revelando o ombro, parte do colo. Não era intencional. Ou talvez fosse. Em Manuela, as duas coisas coexistiam com perfeição.
— Você está me desconcentrando — falei.
— Ótimo. — Sorriu. — Já que a viagem é pra isso mesmo.
Continuei dobrando as roupas, mas minha atenção estava dividida. Cada comentário dela, cada olhar prolongado, cada silêncio compartilhado carregava algo maior do que simples expectativa por uma viagem.
Havia i********e ali. Conforto. Uma proximidade que não se construiu à base de urgência, mas de presença.
— Você sempre foi assim organizado? — ela perguntou.
— Não. — Fechei a mala por um instante. — Fiquei assim depois que perdi o controle de tudo.
Ela ficou em silêncio por alguns segundos. Depois se sentou, puxando o lençol para mais perto do corpo.
— E agora? — perguntou, com cuidado.
— Agora estou reaprendendo a não controlar tanto.
Manuela se levantou da cama e veio até mim. O lençol acompanhando seus passos como um segredo m*l guardado. Parou à minha frente.
— Comigo?
— Com você — confirmei.
Ela colocou a mão no meu peito, sentindo minha respiração.
— Isso me deixa feliz.
Ficamos ali por alguns segundos. Sem pressa. Sem necessidade de avançar. Apenas sentindo.
Depois ela se afastou, voltou para a cama e se jogou novamente, como se o momento tivesse sido suficiente.
— Continua — disse. — Quero ver o resto.
Peguei uma camiseta e levantei.
— Essa?
— Essa eu aprovo. — Pausa. — Mas só se você prometer que vai tirar depois.
Balancei a cabeça, rindo.
— Você é impossível.
— E você gosta.
Gostava. Muito.
Enquanto a mala ia se enchendo, eu percebia que aquela viagem não era apenas sobre o resort, o mar ou os dias longe da rotina. Era sobre nós. Sobre testar como era existir juntos fora dos encontros pontuais, fora dos espaços neutros.
— Uma semana — ela disse, pensativa. — Parece pouco e muito ao mesmo tempo.
— Concordo.
— Acho que vai ser suficiente pra confirmar algumas coisas.
— Ou complicar outras.
Ela me olhou, séria.
— Nada que vale a pena vem sem risco.
Essa frase ficou comigo.
Terminei de fechar a mala. Sentei na beira da cama, ao lado dela. Manuela deitou a cabeça na minha perna, tranquila, como se aquele gesto fosse antigo.
— Você está feliz? — perguntou.
— Estou — respondi sem hesitar. — E isso ainda me assusta um pouco.
— Não precisa. — Ela segurou minha mão. — Eu também estou. E também tenho medo.
— Bom sinal.
— Ótimo sinal.
Ficamos ali, conversando sobre detalhes da viagem, horários, coisas banais. Mas o que importava não estava sendo dito. Estava sendo sentido.
A semana seguia.
A mala estava quase pronta.
E eu sabia, com uma certeza silenciosa, que aquela viagem marcaria um antes e um depois.
Porque algumas coisas a gente leva na bagagem.
Outras… a gente traz de volta no peito.