Capítulo 2 — A Universidade - Narrado por Lara

918 Words
Entrar na universidade com o Theo ao meu lado foi como respirar fundo depois de segurar o ar por muito tempo. Por mais que nossas vidas estivessem começando a tomar rumos diferentes, só de saber que ele estaria por perto, o mundo parecia menos assustador. Eu entrei em Administração de Empresas. Sempre gostei de organização, de planejamento, de criar ordem onde havia bagunça. Theo, por outro lado, se jogou de cabeça no curso de Desenvolvimento de Software. Ele era o tipo de pessoa que amava entender como as coisas funcionavam por trás das cortinas — sistemas, códigos, linguagens que só ele parecia decifrar. No começo, tudo correu como sempre. Nossas rotinas eram diferentes, é verdade, mas ele continuava aparecendo no portão do meu dormitório com aquele jeito despreocupado de sempre, com um energético na mão e os fones pendurados no pescoço. — Vamos? — ele dizia, me oferecendo o energético. — Sei que você teve aula com aquele professor que fala como se estivesse narrando um velório. Eu ria. Ele me conhecia demais. Theo era popular sem esforço. Inteligente, engraçado, com aquele charme despretensioso que fazia as pessoas quererem estar perto dele. As meninas notaram, claro. Comentavam no refeitório, nos corredores, nas festas. Eu fingia que não ouvia. Mas ouvia. Sempre ouvia. Mesmo assim, ele continuava sendo o meu Theo. Aquele que largava tudo para revisar uma apresentação comigo às três da manhã. Que comprava batata frita quando eu dizia que estava de TPM. Que me olhava nos olhos quando eu dizia que estava bem — e sabia que era mentira. A gente tinha uma rotina. Almoçávamos juntos ao menos duas vezes por semana. Mandávamos memes no meio da aula. E, de vez em quando, nos sentávamos no jardim da biblioteca para conversar sobre tudo e nada. Até que veio a notícia da bolsa. Era uma tarde quente de outono. Estávamos sentados em um banco de pedra, à sombra de uma árvore que soltava folhas douradas, e Theo parecia nervoso — o que era raro. — Preciso te contar uma coisa — ele disse, os olhos fixos no chão. — Fala logo. Você tá me assustando. Ele passou a mão pelos cabelos, um gesto que fazia sempre que estava tentando organizar pensamentos difíceis. — Me ofereceram uma bolsa pra estudar fora. Nos Estados Unidos. Em Seattle. É um programa de intercâmbio pra desenvolvedores. Projeto real com uma startup gigante. Um ano. Fiquei em silêncio por alguns segundos. Senti o mundo se afastar um pouco. Como se, de repente, tudo estivesse em câmera lenta. — Uau… — murmurei, forçando um sorriso. — Isso é… incrível, Theo. Ele me olhou, procurando algo no meu rosto. Não sei o quê. Talvez aprovação. Talvez medo. — Eu ainda não dei a resposta. Mas é uma oportunidade absurda, Lara. Tipo... pode mudar tudo pra mim. Engoli em seco. “Tudo”, ele disse. E eu me perguntei se esse “tudo” me incluía. — Claro que você tem que ir. Você é brilhante. E sabe disso. Ele assentiu devagar, mas havia uma sombra nos olhos dele. — Você vai sentir minha falta? — Muito — respondi, sem hesitar. Por dentro, eu queria dizer mais. Dizer que o mundo ia perder o sentido sem ele aqui. Que eu não sabia quem eu era sem ele por perto. Mas calei. De novo. A despedida foi difícil. Mais difícil do que eu imaginei. Nossos pais organizaram um jantar simples, com velas e piadas constrangedoras. Theo me abraçou mais de uma vez naquela noite. E eu chorei no ombro da minha mãe quando cheguei em casa. O primeiro mês sem ele foi um vácuo. Eu andava pelos corredores com os fones nos ouvidos, como se a música pudesse preencher o espaço vazio que ele deixou. Mandava mensagens. Ele respondia, no começo. Às vezes com fotos de Seattle, dos prédios altos, dos cafés lotados. Outras vezes, só com emojis. As chamadas de vídeo começaram a rarear. Os horários nunca batiam. As conversas ficavam cada vez mais breves, mecânicas. Como se algo estivesse se perdendo. Ou já tivesse se perdido. Até que veio o golpe. Era uma noite qualquer. Eu estava deitada na cama, rolando o feed do i********:, quando vi a publicação. Ela estava no colo dele, rindo com a cabeça encostada no pescoço dele. A legenda dizia:
"Meu gênio favorito. 💻❤" O perfil dela estava cheio de outras fotos: ela e Theo tomando café, ela e Theo no parque, ela e Theo em um festival de música. Ela e Theo. Ela. E. Theo. O mundo parou por alguns segundos. Não porque ele tinha uma namorada. Mas porque ele não me contou. Fechei o aplicativo e joguei o celular de lado. Me sentei na cama, abraçando um travesseiro. O quarto estava escuro, só a luz do abajur acesa, lançando sombras nas paredes. As batidas do meu coração pareciam vir dos ouvidos. Abri o celular de novo. Escrevi uma mensagem. Apaguei. Escrevi outra. Apaguei de novo. Finalmente, digitei algo seco, direto. "Você tá namorando?" A resposta não veio naquela noite. Nem no dia seguinte. Quando veio, dois dias depois, foi curta. "Sim. Queria te contar antes, mas achei que seria estranho." Estranho? Não. O estranho era saber por uma publicação. O estranho era ver aquele sorriso dele — o sorriso que tantas vezes foi só meu — em uma foto com outra pessoa. O estranho era perceber que, talvez, ele tivesse seguido em frente. E que eu... ainda estava aqui. Com o coração nas mãos.
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