Por Pedro
Eu não queria pensar nisso. Mas não dava para evitar.
Eu estava ali, parado no carro, sentindo a dor se apertar no peito mais uma vez, e tudo o que eu conseguia ver era o passado.
Há três anos, a minha vida era um pesadelo sem fim.
Meus pais morreram em um acidente de carro. Eu tinha 20 anos e, de repente, a vida que eu conhecia desapareceu em um piscar de olhos. A perda deles foi um golpe tão forte que não consegui me recuperar. Eu sabia que tinha que ser forte por causa da minha irmã, Sofia, mas eu não sabia o que fazer. Não sabia como lidar com a dor, a raiva, o vazio que invadia meu peito.
Sofia tinha apenas 2 anos, e eu não podia deixá-la sozinha. Mas não tinha onde morar. Não tinha trabalho. Estava na rua, dormindo em albergues ou, quando a situação piorava, pedindo comida nas praças. E, para piorar, a vergonha de ser n***o e órfão me atingia cada vez mais. As pessoas olhavam para mim como se eu fosse invisível. Eu sabia que elas não viam em mim uma pessoa. Viam apenas o estigma do que eu era: um homem sem nada, sem futuro.
Eu senti esse peso todas as manhãs quando acordava em um lugar diferente, sem saber se ia conseguir comida, sem saber o que fazer com minha irmã. Sofia, minha única família, ficou com a vizinha por um tempo. Eu não queria, mas não tinha escolha. Não podia dar a ela o que ela precisava. Ela merecia um lar. E eu não podia ser o lar dela naquele momento.
Eu olhava para ela, sempre com os olhos grandes e cheios de curiosidade, e dizia que ia voltar para ficar com ela. Mas eu sabia que não podia. Eu estava perdido.
Foi aí que Bianca entrou na minha vida. Eu ainda lembro da noite. Era tarde da noite, e eu estava andando pela rua, mais uma vez sem saber onde dormir, quando ouvi um grito. Fui até lá e vi Bianca sendo cercada por alguns homens. Eles queriam fazer algo com ela. Eu sabia o que ia acontecer se eu não a ajudasse. Então, sem pensar, me joguei na frente dela, lutei, a defendi. E, no fim, ela conseguiu fugir.
Foi nesse momento que a vida dela e a minha se cruzaram.
Ela me viu. Me viu como eu era. Não me olhou com desprezo, como as outras pessoas. Ela viu em mim alguém que estava perdido, alguém que precisava de ajuda. E foi ela quem me ajudou.
Ela me ofereceu um emprego na loja dela. Me ofereceu o que ninguém mais tinha me dado: uma chance. E, com essa chance, eu pude reconstruir minha vida. Consegui um lugar para morar, consegui ficar com a Sofia. E, depois de algum tempo, consegui me formar e seguir meu sonho de ser policial.
Mas mesmo com tudo o que Bianca fez por mim, o peso do que eu vivi ainda estava ali. Eu nunca consegui deixar de sentir aquele olhar de julgamento das pessoas. O fato de ser n***o, órfão, e de ter sido rejeitado por tantos, ainda me machucava. Eu tentei esconder tudo isso, tentei ser forte, mas, às vezes, a dor aparecia. A culpa de não ter sido o irmão que Sofia merecia, de ter deixado ela com a vizinha, ainda me consumia.
A Bianca me ajudou a me reerguer. Ela foi minha salvação, meu apoio. Ela me deu mais do que um emprego. Ela me deu uma nova chance. E, mesmo assim, eu estava ali, em silêncio, esperando que ela me visse de outra forma. Que ela visse o que eu sentia.
Mas agora, olhando para a situação, vendo ela com Marcos, eu me pergunto: será que ela já me viu assim? Será que ela sabia que eu a amava? Ou será que, para ela, eu sempre fui só o amigo que a salvou uma vez?
Eu não sei. Mas uma coisa eu sei: eu estava pronto para lutar por ela, como lutei pela minha vida. E agora, a pergunta que me martelava era: ela me escolheria, ou escolheria o caminho mais fácil? O caminho de alguém que já conhecia, mas que nunca soubera o que é lutar por ela de verdade.