LIA
Se existe uma palavra que descreve perfeitamente a minha vida, essa palavra é: caos.
Mas não um caos normal.
É o tipo de caos que vem com nome, e sorriso torto: Noah Fraga da Silva.
Eu acordei no dia seguinte, ainda achando que podia evitar olhar para ele até recuperar um mínimo de dignidade, até lembrar que estudamos na mesma escola, temos o mesmo grupo de amigos e, claro, ele aparece na minha casa como se fosse morador fixo.
E pior: hoje era dia de reunião do trabalho de biologia. Adivinha quem é meu parceiro?
Pois é. Noah
Chego na escola e já começo passando vergonha
Eu juro que estava andando normalmente, com a minha garrafa de água na mão, quando a Lari me chamou.
— Lia! — ela acenou da porta da sala.
Eu virei rápido demais.
A garrafa voou da minha mão como um foguete espacial.
Ploft.
No chão.
E rolou até parar … na frente do Noah.
Ele olhou para a garrafa. Depois para mim.
E o sorriso dele apareceu devagar, como se estivesse dizendo: “Juro que não vou rir” — enquanto os olhos gritavam “ESTOU RINDO MUITO”.
— Isso é um pedido de paz? — ele perguntou, pegando a garrafa e trazendo até mim.
— Isso é um… acidente — respondi, tentando parecer madura.
— Você não me parece muito convencida disso, Lia.
— E você me parece muito convencido de que é engraçado.
— E não é? — ele levantou a sobrancelha.
Sério, Deus. Por que meu melhor amigo é tão insuportável e tão… bonito?
Quando Noah me entregou a garrafa, nossos dedos se encostaram.
Só um toque rápido.
Mas foi o suficiente para o meu cérebro finalmente acordar e gritar:
Perigo. Emoções demais. Recuar imediatamente.
Eu puxei a garrafa depressa.
Ele riu.
Óbvio.
A sala inteira percebe “o clima” que eu juro que não existe
Assim que entramos na sala, as pessoas olharam pra gente como se estivéssemos entrando de mãos dadas.
— Vocês brigaram? — perguntou o Gustavo.
— A gente sempre briga — Noah respondeu antes que eu pudesse falar.
— Então estão normais — ele concluiu.
Sim. Exato.
Nós somos tão nós que até o caos virou rotina.
A aula passou devagar, mas quando o sinal bateu para o recreio, eu sabia exatamente o que estava vindo: Noah e sua lista infame.
A Lista Oficial dos Meus Erros— edição biologia
Eu estava sentada perto da quadra quando ele apareceu com duas coxinhas e um suco.
— Não quero — falei.
— Eu sei — ele deu de ombros e colocou na minha mão de qualquer jeito. — Você sempre fala que não quer. Aí come a minha também.
Meu Deus.
Meu melhor amigo me conhece mais do que minha própria mãe.
— Temos que fazer a primeira parte do trabalho hoje — ele avisou, sentando do meu lado.
— Eu sei.
— E antes que você invente desculpas, eu fiz uma lista.
E foi aí que ele sacou um papel amassado do bolso.
Eu já comecei a suar frio.
— Noah, não.
— Noah, sim.
Ele abriu o papel e pigarreou como se fosse apresentar um relatório para a ONU.
— Motivos pelos quais Lia Mendes é proibida de mexer nos microscópios da escola.
— Eu não— ...
— Número 1: ela confundiu a lâmina de cebola com lâmina de… sujeira. Sim, sujeira, Lia.
— Era parecido!
— Número 2: colocou café dentro da cuba de coloração —
— Eu estava com sono!
— Número 3: derrubou o microscópio da professora Carla.
— O chão é escorregadio!
— A sala inteira tem piso fosco, Lia.
— ISSO É UM DETALHE!
A essa altura, eu já estava com a cara tão quente que poderia esquentar o lanche de alguém.
Mas o pior ainda estava por vir.
Noah guardou o papel devagar, como se tivesse acabado de mostrar sua obra-prima.
— Conclusão — ele declarou. — Hoje você só observa. Eu faço.
Eu abri a boca, indignada.
— Eu não sou tão desastrada assim!
— Lia — ele se inclinou, aproximando o rosto do meu. — Você tropeçou no ar ontem.
Meu coração esqueceu de bater por um segundo.
Ele percebeu.
Eu sei que percebeu.
Porque o sorriso dele diminuiu, só um pouco, e ele desviou o olhar rápido demais.
A tensão esquisita que eu finjo não sentir
Voltamos pra sala para usar o laboratório à tarde.
E como sempre, Noah assumiu o microscópio.
Eu fiquei do lado dele, observando as mãos grandes, seguras, delicadas nos movimentos.
Por que isso me deixou nervosa?
Eu não sei.
Talvez eu saiba.
Mas vou negar até o fim.
— Olha — ele chamou. — Vem ver.
Ele se afastou só o suficiente para eu encostar no microscópio.
E foi aí que tudo deu errado.
Novidade.
Sem querer, eu encostei no braço dele quando abaixei para olhar.
Nossos ombros se tocaram.
Nosso calor se misturou.
E de repente…
Eu esqueci completamente do que tinha que observar.
Levantei rápido demais e bati a cabeça na lente.
— Ai! — eu reclamei.
— Jesus, Lia! — ele segurou minha testa, rindo. — Eu falei que você não pode chegar muito perto dessas coisas.
— Eu tô bem — murmurei.
Mas quando ele continuou segurando minha testa, o polegar acariciando meu cabelo…
Eu congelei.
Eu não deveria gostar disso.
Mas eu gostei.
Mais do que deveria.
Ele percebeu.
Outra vez.
Porque afastou a mão rapidamente, respirando fundo.
— Vamos… continuar — ele disse, tentando parecer normal.
Eu tentei também.
Falhei miseravelmente.
O pai do Noah me dá carona, e isso sempre gera boatos
Quando saímos, já estava escuro.
O pai dele parou o carro na frente da escola e abaixou o vidro.
— Oi, Lia! Entra aí, eu te deixo em casa.
Claro.
Porque minha vida NUNCA facilita.
Eu entrei no banco de trás e Noah no da frente.
A conversa estava tranquila, mas a cada vez que ele olhava pelo retrovisor e nossos olhares se encontravam…
Meu estômago virava uma maratona.
Chegamos à minha casa e eu desci.
— Até amanhã — falei.
— Até — ele respondeu… com aquele meio sorriso que sempre me desarma.
Eu fechei a porta e respirei fundo.
Pesado.
Muito pesado.
Porque tinha uma coisa que eu não queria admitir.
Nem pra mim mesma.
-Eu estava começando a sentir falta dele… mesmo quando ele estava comigo.
E isso sempre significa problema.
Sempre.