Lia
O tempo não foi tão justo comigo.
Mas quando é que ele é nem?
Principalmente quando sou eu quem está tentando fazer alguma coisa dar certo.
Quer dizer… seria ótimo viver como aquelas pessoas que sempre acordam arrumadas, sempre dizem a coisa certa na hora certa, sempre recebem notícias boas e nunca tropeçam na própria sombra. Infelizmente, eu sou o oposto disso.
Eu tropeço, esbarro, me embaraço inteira e ainda sou obrigada a sorrir porque, bom, é assim que a vida funciona, e aparentemente o universo acha engraçado brincar com a minha cara.
Naquela manhã, eu só queria paz. Só isso. Uma manhã tranquila, sem drama, sem confusão, sem caos. Mas é óbvio que isso não aconteceu.
Eu estava sentada na minha cama, ainda de pijama, quando ouvi a campainha tocar. Não uma vez. Não duas. Mas três, como se a pessoa do outro lado quisesse derrubar a porta com o dedo, de tanto que batia nela.
— Já vai! — gritei, mais para a casa inteira do que para a porta.
Levantei correndo, bati o joelho na quina da escrivaninha, quase tropecei no tapete, e quando finalmente cheguei à porta… lá estava ele.
Noah Santiago.
Meu melhor amigo desde sempre.
O problema e a solução de metade dos meus dias.
E, no momento, o último rosto que eu queria ver.
Ele estava parado ali, ainda ofegante, como se ele tivesse corrido, e é claro que ele correu nem — Noah sempre aparece correndo, com o cabelo bagunçado e aquela expressão de “Lia, a gente precisa conversar”, que me dá ansiedade só de olhar para ele.
— Oi — ele disse.
E foi isso. Só um “oi”. Como se aquele “oi” não carregasse três dias de silêncio, uma discussão estúpida e um peso em meu peito que eu fingia não sentir.
Cruzei os braços, tentando parecer firme, mas minha voz saiu mais fraca do que eu pretendia:
— Oi. Respondi
Por um momento, ficamos só nos encarando, como se o ar entre nós tivesse ficado pesado.
Ele passou a mão no cabelo — um gesto típico dele quando estava nervoso — e deu um sorriso e suspirou longo.
— Precisamos conversar — ele disse finalmente.
— Sobre o quê exatamente? — respondi, embora soubesse exatamente sobre o quê.
Ele ergueu as sobrancelhas, meio indignado, meio cansado.
— Você sabe sobre o quê.
Eu sabia.
Claro que eu sabia.
Mas eu não ia facilitar para ele.
— Não faço ideia — menti descaradamente.
Ele deu aquele sorriso torto, o mesmo que me irrita e me derrete ao mesmo tempo.
— Lia… por favor.
E foi isso.
Um “por favor” e meu peito já estava doendo.
Porque desde que a gente discutiu — sem um motivo real, como sempre a casa parecia mais silenciosa, as coisas pareciam mais estranhas, e o mundo mais… desalinhado.
Como se uma parte de mim estivesse faltando.
Mas eu não podia dizer isso, então fiz o que eu sempre faço: fingi que estava tudo bem.
— Entra — murmurei, abrindo a porta.
Noah passou por mim e, como se fosse a coisa mais normal do mundo, caminhou pelo corredor da minha casa como se morasse ali.
O que, tecnicamente, não é mentira — ele cresceu aqui tanto quanto eu.
Ele parou na sala, virou para mim e cruzou os braços, estando na mesma postura de antes.
Ótimo. Dois idiotas orgulhosos frente a frente.
— Então… — ele começou.
— Então… — repeti.
Silêncio. Um daqueles silêncios que deixam tudo mais constrangedor do que deveria.
Noah respirou fundo e soltou de uma vez:
— Eu não gostei do que aconteceu.
— Nem eu — respondi. Isso era verdade.
— Você saiu no meio da conversa.
— Você começou a gritar!
— Eu não gritei!
— Gritou, sim! — devolvi, ficando mais irritada do que gostaria.
E então, pronto.
Estávamos discutindo de novo.
Pelo nada.
Por absolutamente nada.
— Você sempre leva tudo para o lado errado — Noah reclamou.
— E você sempre acha que sabe o que eu penso! — retruquei.
— Porque eu te conheço!
— Mas às vezes não conhece!
Ele parou.
Eu parei.
As palavras ficaram penduradas no ar, pesadas demais.
Noah engoliu em seco.
— Lia… — disse baixinho — eu só queria ajudar.
— Mas eu não te pedi ajuda — respondi, com a voz falhando.
Os olhos dele suavizaram, e por um segundo eu quase desabei.
Porque Noah era assim: ele falava pouco, mas quando falava daquele jeito… parecia que o mundo inteiro parava.
— Você nunca pede ajuda— disse ele, e eu senti o golpe direto no meu coração.
O silêncio voltou.
Mas dessa vez não era constrangedor.
Era dolorido.
Ele deu um passo na minha direção.
— Eu senti sua falta — disse, baixinho, quase num sussurro. — Esses três dias… foram horríveis.
Aquilo me pegou de jeito.
Meu peito apertou, minha garganta fechou, e tudo que eu queria fazer era me jogar nele e dizer “eu também senti sua falta”.
Mas eu não fiz isso.
Porque eu sou eu.
E eu tenho a capacidade emocional de uma pedra.
Então eu disse:
— Eu também. Quer dizer… um pouco.
Ele riu.
Aquele riso leve, suave, que sempre me desmonta.
— Um pouco, é? — provocou.
— Não se empolga — retruquei, mas meu sorriso já estava escapando.
Noah deu mais um passo, ficando perto demais, perto o suficiente para eu sentir o cheiro do perfume dele, aquele cheiro que me perseguia até nos meus sonhos mas loucos.
— A gente é i****a, né? — ele murmurou.
Eu soltei uma risada curta.
— Completamente.
E naquele instante, algo mudou.
A distância entre nós diminuiu, as emoções ficaram mais claras, e por um segundo eu acreditei que ele iria me abraçar.
Ou talvez…
Que eu fosse deixar.
Mas então, BAM!
O vaso em cima da estante caiu no chão, estilhaçando num barulho enorme.
Eu pulei para trás.
Ele arregalou os olhos.
— Eu não toquei em nada! — Noah se defendeu imediatamente.
— Aham, claro! — respondi, rindo pela primeira vez em dias.
E assim, entre cacos de porcelana, discussões idiotas e sorrisos involuntários, percebi que…
Mesmo quando tudo dá errado, mesmo quando a gente briga, mesmo quando o mundo parece um caos…
Noah sempre foi, e ainda era, o meu porto seguro.
Mesmo que eu fingisse que não, ele é a minha melhor parte do dia.