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Guardiões do Amanhã

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intro-logo
Blurb

Amelie Avennor sempre soube o que era viver à sombra da solidão. Abandonada pelos pais ainda criança, cresceu em uma pequena casa nos arredores de Londres, cuidando da avó cega que se tornou seu único porto seguro. Seu maior sonho era escapar da rotina e viver uma aventura que desse sentido à sua vida. O que ela nunca imaginou é que essa aventura viria de forma sombria, violenta e irresistível.Numa noite enevoada, um homem invade sua casa. Não era um ladrão comum - seus olhos negros carregavam séculos de histórias, sua presença era ameaçadora e sedutora ao mesmo tempo. Zael Crowhurst não era humano. Condenado à imortalidade, ele pertence a uma comunidade secreta encarregada de proteger os humanos daquilo que eles jamais poderiam compreender. Uma missão que ele nunca escolheu, mas que o aprisiona a cada instante.Entre eles nasce uma ligação perigosa, proibida e inevitável. Amelie se vê dividida entre o medo e o fascínio, enquanto Zael luta contra sua própria maldição para mantê-la viva. Mas a paixão entre os dois pode custar caro: a perseguição de uma comunidade que não perdoa traições, segredos do passado que vêm à tona e escolhas que mudarão não apenas o presente, mas o futuro.No limiar entre a luz e a escuridão, Amelie e Zael descobrirão que alguns destinos não podem ser negados. E que amar, às vezes, significa desafiar até o próprio amanhã.

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Capítulo 1 - A casa na névoa
Eu acordo antes do sino da igreja e antes do barulho do ônibus na curva da rua. A chaleira velha leva exatos quatro minutos para chiar; aprendi a medir o tempo pelos sons porque, na nossa casa, o relógio é mais de toque do que de ponteiros. A primeira coisa que faço é checar se a janela da cozinha continua emperrando no mesmo ponto — o vidro range, o fecho agarra, eu empurro com o quadril e penso que um dia ainda vou consertar tudo isso. Depois acendo a luz amarela, que não espanta o frio, mas desenha um círculo morno no tampo de madeira gasto. O vapor do chá sobe devagar, e eu gosto de passar os dedos por dentro dele e sentir a pele úmida, como se o corpo lembrasse sozinho que existe calor no mundo. "Amelie?" A voz da minha avó, Agnes, vem do quarto, macia e tateante, como quem pisa no escuro com os olhos. "Tô aqui, vó." Eu respondo baixo, porque a manhã me pede silêncio, e porque a casa escuta quando a gente fala alto demais. "Fiz chá. Com mel, do jeito que você gosta." O piso reclama sob meus pés — devo ter herdado essa mania de pedir desculpas às coisas, porque sempre que uma tábua range eu digo "desculpa" para o assoalho, como se a casa também fosse gente. A avó sorri quando me escuta pedindo perdão ao mundo. Diz que é um jeito bonito de não ficar sozinha. Ajudo-a a sentar; as mãos dela procuram as minhas com a precisão de quem já desenhou esse caminho mil vezes. Os olhos, brancos de catarata antiga, ficam imóveis, mas eu sinto quando ela me "vê" de outro jeito — pelos cheiros, pelos passos, pela respiração. Coloco a caneca nas mãos dela e espero aquele primeiro suspiro de satisfação, que sempre vem, mesmo nos dias em que os ossos doem mais do que o frio. "Amanhã chove," ela diz, como quem adivinha. "Os corvos já baixaram pro telhado, ouviu?" Ouvi. Sempre ouço. Os corvos gostam do aparador do telhado, como se soubessem que nossa casa pequena, encostada no fim da rua, é um lugar de espera. Em Londres, a névoa molda as bordas das coisas: placas, silhuetas, memórias. Às vezes, quando volto tarde da universidade, a névoa é tão grossa que engole as pontas dos meus dedos, e eu preciso falar em voz alta para me certificar de que continuo inteira. "Estou aqui", digo, e parece que a rua escuta e devolve o som em sopros. Depois do chá, organizo os remédios da avó na caixinha com divisórias. Segunda de manhã, segunda à noite. Terça de manhã, terça à noite. Gosto da ordem que as pílulas forçam no caos. Minha rotina cabe nesses quadradinhos, e talvez por isso eu as encare com ternura — como se fossem pequenas promessas de continuidade. A avó gosta que eu leia jornal para ela, mesmo que as notícias sejam mais pesadas que as janelas. Eu escolho as menos cortantes: a história do gato que voltou pra casa depois de um ano, o casamento de um casal de vizinhos de infância, a criança que ganhou a feira de ciências com um vulcão de bicarbonato. Ela ri com os dentes de porcelana que não casam direito, e eu guardo esse som para os dias em que o mundo pesa demais. Saio para a universidade com a mochila atravessada no peito, o caderno contra as costelas, o cabelo preso apressado e as sardas mais visíveis que nunca porque o frio me acende o rosto. Eu estudo porque acredito que o estudo é um tipo de partida. Não sei de onde nem para onde, mas é. Meus colegas falam sobre estágios e viagens; eu penso na chaleira, no vidro da janela, nos passos da avó no corredor, e é como se cada página virada fosse uma corda puxando duas margens que nunca se encostam. Entre uma aula e outra, escrevo listas do que preciso comprar no mercado: pão, leite, fósforos, lâmpada para o corredor. E, ao lado de cada item, rabisco pequenas setas que se transformam em asas — tenho feito isso desde criança, quando desenhar era a única forma de dizer que eu queria ir. Nas bibliotecas, o silêncio é um teto de vidro onde a gente vê o mundo mas não chega a tocar. Eu gosto de sentar perto da janela e ver a cidade flutuar no branco do dia. Gosto de imaginar que, do lado de fora, alguém me olha de volta. Não que eu queira ser vista; quero ser escolhida. Por algo. Por um caminho. Por uma aventura que me roube sem pedir permissão e me devolva inteira num lugar que faça sentido. Eu rio de mim mesma às vezes — a garota que sonha com aventuras enquanto compra lâmpadas e separa remédios. É um riso que não machuca. No caminho de volta, o vento levanta meu casaco e impõe pressa ao meu passo. O ônibus demora; eu conto os postes. Numa das paradas, um homem deixa cair uma moeda e ela rola até o meu pé. Quando me abaixo para pegá-la, vejo uma coisa estranha: um risco no chão, fino, retilíneo, brilhando sob a película de água, como se fosse um fio de prata costurando a calçada. Toco com a ponta do dedo — não é nada, apenas uma f***a no cimento que engoliu uma lâmina de luz. Guardo o gesto na memória com a mesma delicadeza de quem dobra uma carta antiga. Eu aprendi a reconhecer quando o mundo me oferece prenúncios, mesmo que eu não entenda de quê. A casa cheira a pão quando empurro a porta. A avó ouviu o meu passo na rua e já deixou a toalha de mesa aberta, o prato e a faca, a manteiga esperando. "Você demorou, menina," ela diz, como quem espanta um susto antigo. "O ônibus veio cheio," explico, e o barulho de bolsas e casacos ainda parece grudado em mim. "Trouxe lâmpadas. Hoje arrumo a do corredor." Sento com ela e conto coisas que não importam para o mundo, mas importam para nós duas: a professora nova que fala rápido demais, o colega que sempre dorme na segunda fila, a moça do café que me chama de "love" e sorri com a boca toda. A avó me escuta como quem junta migalhas para fazer um pão inteiro. Quando termino, ela toca meu rosto com as pontas dos dedos e diz: "Você tem cheiro de chuva. E de rua. E de amanhã." Eu gosto de quando ela fala "amanhã" como se fosse uma coisa palpável, uma fruta na fruteira, um tecido para vestir. Guardo as compras, lavo a louça, troco a lâmpada do corredor, e a noite chega com a falta de cerimônia de sempre. Em Londres, a noite não cai; ela brota de dentro das coisas. Envolve a pia, infiltra-se na gaveta dos talheres, apaga a marca do meu passo no corredor. Quando a avó dorme, eu abro o caderno e escrevo sem rumo: listas, palavras soltas, lembranças. Às vezes começo frases que não têm destino e fico ali, segurando o começo como quem segura um balão pelo barbante. Minha caligrafia muda conforme a coragem; nos dias bons, as letras são firmes, nos ruins, parecem que pedem desculpa por existirem. Há coisas da minha história que eu conto de olhos fechados, porque contar de olhos abertos dói. Fui deixada com a avó quando tinha seis anos. Não foi uma despedida, foi um sumiço. Lembro da porta fechando e do vestido azul da minha mãe desaparecendo pelo corredor como um peixe no fundo escuro. Lembro de um bilhete com uma promessa que não fazia sentido para uma criança: "Voltamos quando der." Nunca deu. Meu pai eu quase não lembro; lembro das mãos grandes e de uma risada que rimava com chuva. A avó, quando pergunto, diz que às vezes a vida é um mapa sem legenda — a gente entende o desenho, mas não sabe o nome das ruas. Ela nunca fala m*l deles, e isso é uma espécie de bondade que me desconcerta. O abandono é uma sala onde ainda mora uma mesa posta. Eu cresci com a sensação persistente de que faltava alguém na moldura das fotos. Nas que não existem, principalmente. Para não me perder, inventei rotas e regras: contar até quarenta antes de sair pela porta, tocar duas vezes no corrimão, alinhar as canecas pela altura, guardar o pão sempre com o miolo virado para dentro. Eu sei que tudo isso é cabide para pendurar o medo. E, mesmo assim, obedeço. No pátio estreito atrás de casa, as latas de tinta vazias guardam chuva. Quando estou nervosa, eu organizo as latas por tamanho e fico observando os círculos que a água desenha quando o vento mexe. O vizinho do número onze fuma olhando para o nada e às vezes me cumprimenta com a cabeça — um gesto que me diz "eu existo" e "você existe", e é o suficiente. No fio de roupa, penduro mais do que peças: penduro humores. Hoje pendurei um suéter e, junto, a vontade de não chorar sem motivo. Depois do jantar, a avó pede que eu leia um trecho do livro velho que mora no criado-mudo. A capa está solta e a lombada rachada — gosto da honestidade dos livros que já foram muito tocados. Leio devagar, interrompendo quando ela pergunta como era a cor daquela paisagem, ou o som daquela rua, e eu invento cores e sons como quem pinta a parede com a voz. Às vezes, no meio da leitura, ela inclina a cabeça, como se grudasse a orelha numa música que eu não estou ouvindo. "Tem alguém lá fora," diz. Eu paro. A casa prende a respiração. No mesmo instante, um corvo bate as asas perto da calha e o telhado responde com um estampido oco. Sorrio, tentando emprestar leveza ao momento. "Os seus corvos de sempre, vó." "Não." A palavra dela vem estreita. "Passos." Fico em pé e caminho até a janela. A rua é um corredor de sombra cortado por duas ou três lâmpadas que falham. O vidro devolve meu rosto e, por um segundo, parece que há outra pessoa ao meu lado, uma sombra mais alta, mais densa. Pisco. Só vejo minha própria hesitação. O coração dispara com pressa e vergonha — é ridículo sentir medo de um reflexo. Ainda assim, puxo a cortina até o fim, como quem fecha um assunto. "Não tem ninguém," eu minto. Eu quase nunca minto, mas às vezes a verdade arranha a pele mais do que a ficção. Deito a avó, ajeito os travesseiros, fico escutando o barulho miúdo do sono dela, que é como uma maré calma batendo em pedra. Quando volto para a cozinha, a lâmpada nova do corredor faz um zumbido fino, como um inseto encurralado. Eu desligo e ligo de novo. O zumbido permanece. Cruzo os braços — penso que amanhã compro outra, resmungo com a lâmpada e rio de mim mesma por brigar com objetos. Arrumo a mesa para o café da manhã do dia seguinte, porque gosto de deixar o futuro com a cara arrumada. Duas canecas, duas fatias de pão já num prato, o pote de mel quase no fim. Faço um bilhete para mim mesma: comprar mel. Escrevo "mel" com letra miúda, e sem querer deixo a caneta escorregar para um risco longo e reto, como aquele fio de luz na calçada. Quando ergo a cabeça, sou tomada pela certeza verdadeira, quase física, de que tem algo se aproximando. Não de mim exatamente, mas da minha vida. É como a súbita mudança de pressão antes da tempestade — você não vê, mas os ossos sabem. Vou até a porta dos fundos e testo o trinco. Ele fecha. Testo a janela da sala. Fecha. Desligo a chaleira da tomada. Passo a mão pelo encosto da cadeira e sinto uma aspereza nova, um arranhão que não estava ali de manhã. Paro. Aproximo o rosto e toco com a unha. É um sulco fino, vertical, que vai de cima até quase a metade do encosto, como se uma lâmina tivesse descido alinhada, sem pressa, sem tremer. Sinto o cheiro de madeira recém-ferida, aquela mistura sutil de poeira e seiva. Eu não fiz isso. A avó não teria como. O que, então? Levo a cadeira até a luz e o sulco brilha por um instante, como se guardasse dentro dele um fiapo de luar. Eu poderia rir, dizer que é meu cansaço, que eu mesma arranhei quando puxei a cadeira apressada. E talvez seja. Coloco a cadeira de volta, devagar, como se reconciliasse duas pessoas que brigaram. No meu quarto, a janela dá para o beco estreito onde os corvos às vezes pousam no corrimão enferrujado. Eu puxo a cortina pela metade, deixo uma fresta para espionar a madrugada, e me sento na beira da cama com o casaco ainda nos ombros, como se estivesse de passagem. O espelho na parede me devolve uma Amelie de bochechas rosadas e sardas acesas, os cabelos livres numa bagunça que não pede desculpa. Eu encaro meus próprios olhos e pergunto se algum dia vou ser lembrada por alguém que não precise de mim. É um pensamento f**o, eu sei, porque a avó me precisa e eu a amo por isso. Mas existe em mim um vazio com janela para fora. Quando apago a luz, a casa muda de rosto. Os sons respiram diferente — o cano suspira, a madeira estala, a chaleira, mesmo desligada, ainda murmura o calor que guardou. Eu me viro para o lado, tento pensar nas tarefas de amanhã, em qualquer coisa que não alimente o medo antigo. É aí que eu escuto. Não é o corvo. Não é o cano. Não é a lâmpada nova pedindo para morrer. É algo entre o dentro e o fora, como um passo que aprende a caminhar sobre a linha exata da soleira. Um peso medido, um movimento contido, a certeza de que o ar acabou de ser substituído por outro ar. Meu corpo inteiro gela e, antes que eu tenha coragem de me sentar, uma faixa de luz muito fina, branca e improvável, atravessa a fresta da cortina e risca o escuro até o chão — não é o farol da rua, não é reflexo de nada. É uma luz que não pertence a lugar nenhum que eu conheça. Eu seguro a respiração e, por um instante que dura mais do que deveria, sinto que a casa, a rua, a cidade, o mundo, tudo se inclina um grau para um lado, como se estivesse se acomodando para receber o que vem. E eu, que passei a vida inteira desejando que algo me escolhesse, descubro que ser escolhida dá medo. Muito. Ainda assim, não chamo a avó. Não acendo a luz. Não corro para a porta. Eu só fico. Porque alguma coisa, do lado de lá da fresta, ficou também. E espera. Como se soubesse meu nome. Como se desde sempre soubesse.

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