05 - Yolanda

1038 Words
Yolanda Narrando Minha cabeça latejava tanto que parecia que ia explodir. Cada pulsar vinha como se alguém apertasse meu crânio por dentro. O quarto estava em silêncio, só o som da minha respiração ofegante. Eu me sentei na cama, tentando aliviar o peso, mas a dor vinha em ondas. Foi quando a porta se abriu devagar, e ele entrou. O homem que agora eu pertencia. Mesmo sem dizer nada, o ar ficou mais denso. Ele é alto, corpo forte, ombros largos e um rosto tão bonito que doía olhar por muito tempo. Mas havia algo nele, uma sombra, uma força silenciosa que me fazia prender o ar. Os olhos verdes, frios, intensos, calculistas, pareciam enxergar tudo o que eu tentava esconder. Mesmo quando falou baixo, a voz rouca soou como uma ordem. — Ainda não entendeu o lugar onde tá, mexicana. Aqui, tudo e todos têm dono. E saiu, deixando o mesmo rastro pesado que trouxe. Logo depois, apareceu outro homem. O mesmo que me mostrou o quarto no dia anterior. Ele sorriu de leve, um sorriso meio cansado, e se apresentou direito dessa vez. — Sou o Falante. Tinha um jeito simpático, mas ainda assim observador. Me estendeu uma camiseta grande, rosada meio gasta. — É do Hades — disse. — Seu dono. A palavra ficou martelando na minha cabeça. Dono. No meu país, a gente chama de amo, patrón, mas ainda assim soa errado. E aqui, no meio do nada, essa palavra parecia ainda mais crüel. Eu respirei fundo, engoli o incômodo e tirei o vestido apertado que eu usava desde a noite anterior. A camiseta ficou enorme, mas era macia e cheirava a sabonete e a perfume masculino. Caiu no meu corpo e cobriu tudo, menos as lembranças. A cabeça ainda latejava. Pensei que talvez, se eu bebesse água, melhorasse. Saí andando pelo corredor em silêncio, descalça, as pernas pesadas. Cada passo era um esforço. Desci as escadas com cuidado, me guiando pelo som de vozes vindas de algum cômodo. Segui até chegar na cozinha. Era linda. Toda preta, moderna, brilhando de tão limpa. Tudo aqui é grande, organizado, imponente como ele. As vozes cessaram quando apareci na porta. Senti todos os olhares sobre mim, e logo o dele me encontrou. Os olhos verdes vasculharam meu corpo inteiro. Um olhar intenso, demorado. E por mais estranho que pareça, não me senti mäl. Não era medo, não era vergonha. Era diferente. Algo quente no meio do frio. Ele se levantou, veio até mim e falou com aquele tom que não aceitava réplica: — Sente-se. Obedeci. Ele pegou um copo, colocou dois comprimidos e empurrou pra mim. — Toma. É pra dor. Peguei o copo com as mãos trêmulas, bebi e, antes que eu dissesse algo, uma mulher baixinha, a tia dele, acho, apareceu do nada no meu campo de visão e me olhou com pena. — Menina, espera um pouco. Eu vou preparar algo pra você comer. Não tive forças pra recusar. Ela fez um mingau quente, cheiroso, com canela e leite. O aroma me fez lembrar de casa, de quando minha mãe fazia o mesmo quando eu ficava doente. Senti um aperto no peito, mas dessa vez não era medo, era saudade. Quando terminei. — Me voy a acostar — falei baixinho. (Vou me deitar.) Ele apenas assentiu, com o olhar preso em mim. Me levantei, mas percebi que não sabia mais como voltar. Fiquei ali, parada, sem graça, e ele arqueou uma sobrancelha. — Tem algum problema? — Mi cabeza… todavía duele — murmurei. — Y mis pies también. Dei um passo, e minhas pernas falharam. Antes que eu caísse, ele me segurou com firmeza. O toque foi quente, forte. O coração disparou tão rápido que achei que ele pudesse ouvir. Ele me ergueu no colo com facilidade, como se eu não pesasse nada. — Quietinha — disse baixo, o tom rouco, quase um sussurro, mas soando como comando. Levantei o rosto devagar. Nossos olhos se encontraram. Por um instante, o tempo parou. Vi o olhar dele deslizar até minha boca, e o ar me faltou. Senti o calor subir pelo corpo, sem entender direito o porquê. A vergonha me venceu, e escondi o rosto contra o peito dele. Era largo, firme, e o som do coração dele estava ali, batendo calmo, constante, diferente do meu. E, pela primeira vez desde que cheguei naquele inferno dourado, senti algo que me confundiu ainda mais que o medo. Meu amo me levou pro quarto em silêncio. Não disse nada, só me guiou com aquele olhar firme que não dá espaço pra recusa. O quarto era grande, bonito, diferente de tudo que já vi. O ar cheirava a limpeza e perfume caro. Ele me fez sentar na beira da cama e depois, com calma, me deitou. O colchão era tão macio que meu corpo afundou como se pedisse descanso. Me Cobriu com um cobertor quentinho, ajustou o ar-condicionado e deixou a cortina meio aberta, deixando entrar só um pouco de luz. Eu não sabia o que esperar. Meu coração batia rápido, o medo se misturava com o som leve do vento lá fora. Ele ficou parado um instante me observando, mas não disse nada. Só falou baixo, com aquela voz rouca que parece comandar o mundo: — Descansa. E saiu, fechando a porta devagar. Fiquei ali, sem me mexer, tentando entender o que estava acontecendo. Em momento nenhum ele falou sobre sexo, nem me tocou, nem me desrespeitou. Isso me confundiu. Na minha cabeça, eu só conseguia pensar que talvez ele esperasse eu dormir pra vir me cobrar o que comprou. Essa ideia ficou martelando, me deixando tensa. Minha mãe sempre teve medo que alguém me fizesse mäl. E agora esse medo era meu também, me abraçava forte. Mas, no meio desse medo, algo estranho começou a crescer dentro de mim. Um sentimento leve, quase bom. Talvez fosse alívio. Talvez fosse o cansaço. Deitei de lado, abraçada no cobertor macio. Fechei os olhos, mas a imagem dele, alto, de olhar frio e dono de uma presença pesada, não saía da minha cabeça. Mesmo assim, aos poucos, o sono foi vencendo. Adormeci com o coração acelerado, misturando medo, dúvida e uma paz silenciosa que eu não sabia explicar.
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