02
GIOVANNA NARRANDO
Acordei em um quarto desconhecido, mas vi uma moça tentando colocar algo no meu braço, que parecia uma medicação.
— ¡Por favor no me hagas daño! (Por favor, não me machuque!) — Falei, em espanhol. Eu estava apavorada.
— Calma, menina, eu sou médica. — Ela disse. — Você fala português?
Quando morava no Uruguai, na casa de Joel, a única pessoa que falava comigo e me tratava como pessoa era uma outra funcionária, que era brasileira. Então, eu aprendi português muito bem. Tenho meu sotaque uruguaio, mas falo bem.
— Falo.
— Querida, o Murilo te achou na rua, tem muito sangue nas suas pernas. Vou aproveitar que você acordou e te pedir pra ir tomar um banho e depois coloco a medicação, eu mesma te ajudo com isso. — Eu concordei. — Quem fez isso com você? Aliás, meu nome é Sofia, mas todo mundo me chama de Sofi.
— Obrigada. Meu nome é Giovanna. — Respondi.
Ela me ajudou a andar até o banheiro, eu fui com muita dor até lá e assim que cheguei, ela fechou a porta e me ajudou a tirar as roupas.
— Meu Deus... O que fizeram com você? Você tá toda roxa.
— Ele me bateu. Eu abortei, não abortei? — Ela fechou os olhos e negou com a cabeça.
— Poxa vida, você estava grávida? Eu sinto muito, minha querida. — Sorri de leve enquanto entrava no chuveiro. — Ele te bateu por isso, não foi?
— Foi. Ele me deixou pra morrer. — Eu voltei a chorar. — Estamos no Brasil, não estamos?
— Sim. Eu preciso fazer alguns exames lá embaixo em você, se é que me entende. Preciso ver se você não precisa fazer curetagem... Terminar de tirar o bebê, entende?
— Entendi. Tudo bem.
Aquilo parecia a droga de um pesadelo, mas depois do banho e do exame, ela me deixou vestir uma roupa limpa... Que era masculina, mas tudo bem. As roupas eram muito cheirosas, por sinal.
— Pronto, querida. Agora que trocamos a roupa de cama e você está limpa, fique aqui, tá? Relaxa um pouco enquanto a medicação desce na sua veia.
MURILO NARRANDO
Vi a Sofi sair do quarto, ela fechou a porta e eu a observei.
— E aí? Qual fita rolou com ela? — Perguntei.
— Ela sofreu um aborto. Um cara espancou ela... Mas ela é muito fechada, duvido que fale quem foi. E eu não acho que seja alguém do morro, sinceramente. Ela não parece daqui. Parece meio caipira, não sei. — Sofi disse e riu. — Esquisita, sabe? Olha, tá aí, cuidei da guria, agora me passa a grana que eu vou pra casa. O Paulão vai tirar os bagulho da veia dela quando acabar.
Entreguei o bolo de dinheiro pra ela, e ela saiu andando.
Sofi tem um rabão de dar inveja a qualquer uma.
Depois que ela foi embora, eu entrei no meu quarto arrancando a camiseta. Tá um calor da p***a. A guria que tava sentada na minha cama tomando medicação se encolheu como se eu fosse matar ela. Tava morrendo de medo.
— Ih, que foi, mulher?
— Desculpa. Eu... Eu não sei. Só me desculpa.
— Foi por que eu tirei a camiseta? — Questionei. Ela concordou com a cabeça.
— Eu pensei uma coisa... E acabei me assustando. Me desculpa.
— Não vou tocar em você. Não se preocupe. — Ela respirou aliviada. — O que fizeram com você? De onde você veio? Você não parece daqui não, menina.
— Eu sou do Uruguai. — Ergui as sobrancelhas.
— É, você tá meio longe da sua casa, hein? — Olhei para baixo. Ela parecia tão triste.
— Acho que sim, mas não importa, eu não quero voltar e nem tenho pra onde ir.
— Irmão! Por que você desligou a droga da internet? — Uma garota de talvez uns dez anos entrou no quarto, muito brava.
— Porque você não fez a p***a da lição de casa a semana toda e a diretora ligou comendo meu r**o. Você tem que dar exemplo pros outros, p***a! Aliás, por que caralhos você tá acordada, Luíza?
— Tanto faz, Murilo, tanto faz! — Ela berrou. — Que ódio de você! Seu chato!
— Cadê a sua babá?
— Aquela p*****a foi pro baile e me deixou sozinha como todas as outras! — Gritou de volta.
Eu ouvi a porta do quarto batendo, girei meus olhos e dei um soco na parede.
— Essa p***a dessa menina tá impossível! — Berrei.
— Talvez ela precise da mãe dela. — A garota na minha cama disse.
— Ah, jura? Vou buscar a mãe dela no centro. Ela virou a p***a de uma mendiga por causa de cachaça. Mas, como é minha irmã, eu tenho que cuidar.
— Desculpa... Eu não sabia. — Ela se encolheu um pouco na cama mais uma vez.
— Olha, desculpa. Eu não queria ser grosseiro com você, tá? É que a Luíza tá impossível, eu não acho ninguém decente pra cuidar dela, a galera quer entrar aqui por mim e não por ela, entendeu?
— O que tem de mais em você?
Agora ela me ofendeu. Mas aí, eu lembrei que essa garota não é daqui. E isso me deu uma boa ideia.
— É que eu tenho um pouco de dinheiro e sou bonitão. — Brinquei. E ela sorriu. — Você disse que não tem pra onde ir, não é, Giovanna? Você bem que podia ficar por aqui e cuidar da minha irmã. — Ela suspirou.
— Eu não sei... Eu... Eu vou poder sair daqui? Como vai funcionar isso?
— Um emprego, Giovanna. Você ganha um salário por fazer algo que outra pessoa não tem tempo de fazer. Eu sou meio ocupado. Meu trabalho exige muito de mim. E você pode dormir em um dos quartos da minha casa, seria bom pra você, não seria?
— É, eu... Eu acho que sim.
— Ótimo, então.
Paulão entrou no quarto, com uma bandeja.
— Vim tirar a medicação do bracinho da Gigi. — Ele disse. Paulão se aproximou da moça e em poucos segundos, trocou a agulha por um curativo. — Prontinho.
— Obrigada. — Ela sorriu e se levantou. — É melhor eu... Eu sair daqui, não é? — Disse, confusa.
— Vou te levar para um dos quartos vazios da minha casa. Vem. — Eu disse e ela me acompanhou.
Giovanna está muito assustada. Está vestindo minhas roupas, o que é engraçado. Eu acho que ela vai ter um grande problema em cuidar da praga da minha irmã, mas pelo menos vai ter um teto sobre a cabeça.
Preciso dormir. Amanhã descubro mais informações sobre essa menina, antes de tomar certas decisões.