O começo

1629 Words
Depois que meus pais faleceram num acidente de carro, eu confesso que muitas vezes me sinto sozinho, eu não tenho proximidade com outros familiares, para falar a verdade, pra mim eles não significam muita coisa, eu me lembro de todas as vezes ser comparado com meus primos "mais ricos" e sempre sair como o zero à esquerda, o filho dos classe média. A gente não era rico, mas também não éramos pobres, eu estudei em escolas particulares, mas o fato é que nunca eram melhores do que a deles, era uma competição sem fim, eu não competia, mas sempre perdia. Engraçado né? Como funciona o ego de algumas pessoas, meus pais sempre foram motivos de piada nas festas de família, porque eles não seguiram os padrões das suas famílias de empresários ricos, que não trabalham, só mandam seus funcionários fazerem. Mas sabe que pra mim foi muito bom ter visto meus pais trabalhando duro? Meu pai veio de uma família empreendedora, estamos falando de uma rede gigantesca de lojas, todas com o sobrenome deles, o mesmo que eu carrego. Mas ele não queria ser conhecido como o "filho do dono", ele tinha gostos peculiares, enquanto meus avós eram o rei e rainha das tintas, mais tarde evoluindo para reis da imobiliária, o meu pai queria ser simples, ele tinha um amor muito grande pelos animais, especialmente cavalos, quando isso chegou ao ouvido do meu avô, ele não gostou nada, foi então que meu pai foi deserdado e a única coisa que restou pra ele foram as economias que ele ganhava trabalhando na loja do meu avô, que no fim, era uma pequena fortuna que se tornou em nada, em menos de 5 dias. Ele comprou um cavalo por um valor exorbitante, eu diria, ficou 2 anos trabalhando como peão em uma fazenda local, que o dono permitiu abrigar meu pai e seu cavalo, que não era muito bonito, ele era magro, seus pelos eram desbotados, qualquer pessoa teria rido do valor pago por aquele cavalo, mas meu pai viu potencial nele e cuidou do cavalo, que em pouco tempo se tornou um cavalo incrível, ele era veloz como um foguete, nem parecia mais o mesmo capenga que ele havia comprado, meu pai havia descoberto uma joia rara. Mais tarde, depois de treinado pelo meu pai, aquele cavalo se tornaria campeão mais de 50x nas corridas mais caras, e foi assim, que com o dinheiro das vitórias, meu pai foi investindo em cavalos de raça, pagando barato e vendendo pelo dobro do preço, em pouco tempo, ele tinha sua própria fazenda. Até que um dia, um cavalo se assustou e deu um coice no meu pai, que fraturou alguns ossos e foi parar no hospital, lá, ele conheceu a médica mais linda do hospital, minha mãe, e olha, que bom que eu puxei a genética de olhos claros e cabelos loiros dela, porque aquela mulher era muito linda. Eu sinto muita falta deles. Enfim, têm momentos que eu sento na sacada do meu apartamento e meus pensamentos voam longe, mas, é bom. Sobre ser delegado, confesso que é bom demais prender gente que não presta, mas as vezes acho que é um pouco de hipocrisia da minha parte, eu não sou exemplo de nada, eu já cometi erros graves na vida, que carrego comigo em forma de segredo, mas sei que algumas atitudes que tomamos, são por reação aos nossos impulsos. Eu sei que matar faz parte da minha profissão, mas é que tem vezes que eu não fiz isso por causa do trabalho, eu só... Matei, por raiva, por instinto, é como se eu fosse um leão, que não consegue se controlar em atacar. Mas eu entendo, que eu não sou r**m por isso, eu jamais fiz isso com um inocente, minhas motivações são boas, eu não vou deixar uma pessoa indefesa sofrer na mão de pessoas más, eu acabo com o sofrimento de gente boa, porque se os bons morrem e os bons ficam, eu acho que precisamos mudar essa dinâmica. Eu sinceramente acho que não posso me aproximar tanto de alguém, porque eu não sei lidar com meus sentimentos, eu realmente não sei como cuidar de alguém, além de mim. Eu sou filho único, cresci fazendo tudo sozinho, ouço muito sobre o amor, mas eu não sei muito sobre ele, eu já namorei algumas vezes, mas nada que fizesse o coração disparar, como todos dizem que acontece, na verdade eu não sei se sou um cara que sabe amar, alguém que seria capaz de amar alguém. Mas, eu sei que sou um homem de fibra, eu jamais seria injusto com minha parceira, mas também não sei se eu saberia como agir com outra pessoa, tipo... Dormir e acordar com a mesma pessoa, ir na casa dela jantas, essas coisa, parece demais pra mim, por isso, já não me envolvo, porque sei que eu não conseguiria suprir as necessidades da outra pessoa, não conseguiria ser um namorado/marido normal, porque eu acho que não sou muito normal. O som da máquina de café na delegacia era quase um consolo para mim. Eu me recosto na cadeira, observando a movimentação frenética ao seu redor. Os outros policiais riem e trocam histórias, alheios à seriedade que paira no peito. Ali, no ambiente de trabalho, eu sou um líder respeitado, alguém que entende como a delegacia funciona. Todo mundo parece confiar em mim. Mas ninguém sabe o que eu realmente fazia quando as luzes se apagavam, quando a porta do apartamento se fechava atrás de mim e o peso da noite me envolvia. Eu ainda carregava algumas sombras — e talvez fosse isso o que me fazia tão bom em lidar com os outros: a capacidade de entender a escuridão que eles traziam consigo. Olho para os papéis à minha frente, as investigações ainda em aberto, sem respostas. Eu precisava de um respiro, mas a rotina da delegacia não me dava muito espaço para isso. E, como sempre, o sorriso de Bryan na porta da sala fez com que meus olhos se voltassem rapidamente. O novato estava parado ali, olhando desconfiado, como se estivesse esperando permissão para entrar. - Não precisa de permissão para entrar, Bryan. Aqui é a delegacia, não uma galeria de arte. Eu disse, sorrindo ligeiramente, mas o tom ainda carregado de seriedade. Bryan, um pouco magro, com os ombros curvados de quem ainda não havia encontrado o seu lugar, soltou uma risada nervosa e entrou. Henry notou como os outros policiais o ignoravam, zombando de suas gafes. Era claro que Bryan ainda estava se ajustando, mas eu via algo que os outros não viam — o potencial de um bom policial. Ele simplesmente me entregou algumas fichas que havia pedido à ele, o barulho dos papéis sendo atirados na mesa parecia ainda mais intenso naquele dia, mas Bryan estava sempre em seu canto, sozinho, tentando passar despercebido pelas piadas e olhares debochados que os outros policiais faziam. Eu percebo, claro. A delegacia era uma selva e os mais fracos eram sempre os alvos. Em silêncio Bryan já caminhava para porta, foi aí que eu disse: - Ei, Bryan, vamos fazer uma ronda? Preciso de alguém com os olhos abertos, Bryan se levantou rapidamente, sentindo um calor subir à sua face. Ele sabia que era bom no que fazia, mas o respeito dos colegas ainda estava longe. Ao menos eu, o delegado, sempre o tratava com dignidade. Para Bryan, isso já era mais do que o suficiente. "Já vai começar a brincadeira, hein?" um dos policiais mais velhos falou com um sorriso zombeteiro. "Cuidado, Bryan, ele vai te colocar para fazer trabalho de verdade!" Sem olhar para trás, retruquei com calma: "Se vocês se concentrassem no trabalho, talvez o mundo fosse um lugar menos caótico. Agora, se me dão licença, vou cuidar de algo importante, alguém precisa trabalhar nesse lugar." Era claro para todos na sala que eu acabara de defender Bryan, mas eu fiz isso de uma maneira que ninguém ousaria questionar. O respeito que eu tinha na delegacia fazia com que até os mais corajosos engolissem qualquer palavra. Eu não era só o delegado — era a voz da autoridade, e isso deixava a todos em silêncio. "Você leu sobre o caso da semana passada?". Perguntei, no carro, na tentativa de puxar algum assunto. "Sim, parece interessante. Mas você acha que eles vão realmente conseguir solucionar? Esse tipo de coisa nunca tem um final feliz, né?" Bryan respondeu, sem olhar para mim. Sua postura normalmente era reservada, mas comigo parecia que ele se sentia mais à vontade para expressar suas opiniões. Dei uma risada baixa. "Você tem razão. Mas veja, Bryan, é exatamente por isso que a gente continua — não porque achamos que vai ser fácil, mas porque existe uma verdade que precisa vir à tona." Bryan olhou para mim, um pouco surpreso com a profundidade na resposta. "Nunca imaginei que você fosse tão filosófico. No trabalho, você é praticamente o homem de ação." Eu sorri. "No trabalho, a gente finge que sabe o que está fazendo. Fora dele... bem, a gente é só quem realmente somos." Era nesse tipo de conversa que Bryan começava a perceber que havia mais em mim do que o simples delegado sábio que todos respeitavam. Ele via o homem por trás do uniforme, alguém que tinha seus próprios demônios e que, talvez, quisesse um parceiro em suas batalhas silenciosas. E, sem perceber, a gente estava formando uma aliança. Em pouco tempo, a gente era inseparável, e o respeito dos outros policiais foi acontecendo, forçadamente, mas sim, eles o respeitavam mais, ele era o cara que me ouvia por horas, seja falando sobre a vida ou trabalho, a gente era parceiro nos casos e ele me ajudava muito a solucionar todos.
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