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960 Words
**Capítulo 6** *Marielle narrando* Eu não conseguia me mover. Meu corpo estava paralisado, tremendo de forma incontrolável. O som do meu celular cortou o silêncio, e ao olhar a tela, percebi que já passava das 17h30. — Marielle? — a voz de uma mulher ecoou do outro lado. — Quem é? — perguntei, quase sem voz, a garganta apertada. — Aqui é da creche da sua irmã. Já passou da hora, e você ainda não veio buscar ela. Aconteceu alguma coisa? — A pergunta me fez acordar para a realidade. — Eu vou, eu vou — respondi, a ansiedade tomando conta. — Eu só... eu só preciso... — Precisa do quê? Está tudo bem? — ela insistiu. — Eu estou indo. — Disse, tentando acalmar a voz, mesmo que a angústia me sufocasse. Foi só então que percebi que tinha esquecido de Isa. Em um impulso, fui até o banheiro, tomei um banho rápido, me troquei e peguei minha bolsa. Coloquei o celular dentro e saí de casa. O ar frio me atingiu, e um sentimento de desesperança me invadiu. Cada passo parecia pesado, como se estivesse carregando o peso do mundo nos ombros. Era como se todo o meu ser estivesse destruído. Eu passava pelas pessoas e, na minha cabeça, todos sabiam o que tinha acontecido. Todos sabiam que eu havia sido forçada a perder minha virgindade com aquele monstro. O olhar das pessoas parecia gelar minha espinha, e eu me sentia exposta, vulnerável. — Mana! — Isabela gritou ao me ver se aproximando, correndo em minha direção. — Você demorou. — Desculpa, eu tive um problema — respondi, tentando esconder o medo que me consumia. — Sem problemas — a professora disse, acenando. — Tchau, Isa. — Tchau! — Isabela respondeu animada. Peguei na mão dela, e começamos a andar de volta para casa. Ela, como sempre, tagarelava sobre o que acontecera na escola. Mas minha mente estava longe, distante de tudo. — As moças querem um sorvete? — Willian perguntou, parado na esquina. Eu o encarei. — Eu quero — Isabela disse, sorrindo. — Oi, Marielle — Willian me olhou com um sorriso que parecia disfarçar uma preocupação. — Está tudo bem? — Oi — tentei sorrir, mas era forçado, um disfarce frágil diante do pânico que eu sentia. — Sim, e você? — Tudo bem — ele respondeu, pegando os sorvetes. — Aqui está o seu de chocolate e o de morango para a Isa. Eu olhei para o sorvete, mas não tinha fome, apenas uma sensação de vazio. — Não vou querer, obrigada — murmurei. — Nossa... Mas você adora sorvete de morango. — Willian parecia surpreso. — Hoje não estou afim — respondi, tentando soar natural. — Está tudo bem mesmo? — ele insistiu, os olhos fixos em mim. — Sim — respondi, mais uma vez tentando disfarçar. — Nós vamos subir. Isa precisa tomar banho. Isabela acenou para ele com um sorriso. — Tchau, tio. — Tchau, meninas. — Ele sorriu de volta, e me despedi. — Até mais, Willian. Fui embora, sem cabeça para falar com ninguém. Em casa, limpei o sofá, onde restavam manchas de sangue, e preparei algo para Isabela comer. Ela ficou na frente da TV, distraída com desenhos, enquanto minha mãe finalmente aparecia na sala. — A janta está pronta? — ela perguntou, com a voz arrastada, como se tivesse acabado de acordar. O ódio cresceu dentro de mim, uma raiva imensa que quase me fez explodir. Eu queria gritar, quebrar tudo ao redor. Mas a única coisa que eu sentia era um nojo profundo de mim mesma, de tudo. Como a vida poderia seguir depois do que eu tinha vivido? — Não — respondi, com a voz tensa. — Dormi demais — ela disse, sentando na mesa e ignorando a situação. Isabela, como se fosse a única coisa boa do mundo, pegou um desenho que fez na escola e veio me mostrar. — Mamãe, você quer ver o desenho que eu fiz? — ela perguntou, com os olhos brilhando de orgulho. — Não quero ver desenho — minha mãe respondeu de forma ríspida. Eu sorri para Isabela. — Eu quero ver — falei, pegando o desenho nas mãos dela. — Olha, é lindo! — disse, e ela sorriu, contente. Minha mãe olhou para o desenho, com um olhar desdenhoso. — É só um monte de rabisco. Eu encarei minha mãe com raiva. — Você não consegue sequer dizer que é lindo? É sua filha! Uma criança! Você precisa começar a se importar com ela! Ela levantou os olhos para mim, irritada. — Chega de besteira — ela disse, sua voz cortante. — Vai até o bar do Dante e traz uma cerveja para mim, Marielle, agora. Eu estou mandando. Eu não tinha dinheiro, nem forças para enfrentar mais uma briga. — Não tenho dinheiro — falei, já exausta. — Compra na sua conta — ela respondeu, indiferente. — Não tenho mais conta, não paguei o Dante — disse, sentindo a frustração apertar o peito. Ela me olhou com desdém. — E o seu trabalho? — ela perguntou, com tom de desprezo. — Fui mandada embora — respondi, a raiva misturada com tristeza. — Por causa de quê? — ela perguntou, sem interesse. — Aquele homem machista, das minhas tatuagens — respondi, a revolta dominando a voz. — Essas tatuagens ridículas... Você parece uma p**a — ela falou, me desdenhando. Eu a encarei, sem palavras. — O que você disse? — perguntei, tentando controlar minha raiva. — Vou pegar uma cerveja — ela falou, se levantando da mesa. — Acho bom Dante me vender na sua conta. E foi assim que o peso da realidade caiu sobre mim, mais uma vez, e eu sabia que nada ia mudar.
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