A alegria instalara-se no palácio e no reino com o nascimento da próxima herdeira do trono. Melody era um bebé sorridente, fazendo as delícias dos adultos que a rodeavam, parecendo livrar todos das suas preocupações. O caso onde isso mais se verificava era o de Laila, que sorria sem parar enquanto embalava a pequenina.
Eu não havia tido mais de dez minutos a sós com a minha filha, já que as suas avós pareciam nunca sair de perto do berço desde que lhe tinham posto a vista em cima. Laila também não se ausentava do quarto de Melody por muito tempo, mostrando-se sorridente a toda a hora, o que nos deixava extremamente felizes.
Conforme o esperado, não tardou a que surgissem as questões relativas às tradições de Cyon. A primeira era relativa ao prometido da minha filha, a qual eu não respondi porque era um assunto que já havia discutido com Emily e estávamos de acordo que seria ela a fazer a escolha. Obviamente ninguém gostou da minha reacção, acusando-me de estar a quebrar uma tradição com mais de mil anos.
A segunda coisa que me foi perguntada era sobre a apresentação de Melody ao reino, que fora marcada para o dia em que ela fizesse seis meses, obrigando-me a pedir a Laila que me ajudasse na tarefa. Enquanto eu recebia os convidados a prima da minha esposa tomava conta da pequena endiabrada, tentando mante-la entretida. Quando a cerimónia acabou a única pessoa que não estava cansada era a minha filha, que adorara toda a atenção que recebera ao longo do dia.
O tempo continuou a passar e, com o aproximar do aniversário de Melody, uma última tradição era discutida entre mim e Aurora.
- Eu percebo que queiras recuperar esse costume, mas não me sinto bem a fazer isso sem a Emily.
- Também não era o que eu pretendia Eliot, mas gostava de voltar a ver os retractos da família real a ser pintados e era bom iniciar com um no dia em que a Melody completasse um ano. Nunca falei nisso antes porque os gémeos ainda eram uma ameaça e com tudo o que aconteceu depois achei que era melhor não tocar no assunto.
- Mas porquê agora? No dia que a Emily acordar podemos fazer isso, afinal essa tradição já não é utilizada há anos.
- A minha filha está em coma há um ano e oito meses, e pode continuar infinitamente – respondeu Aurora com um ar abatido. – Ninguém sabe quando ela vai acordar, ou mesmo se acordará. Eu gostava que pelo menos a minha neta vivesse uma vida normal e que isso ficasse registado para que um dia quando a Emily acorde possa ver como a filha era.
- Talvez eu tenha outra solução – comentei enquanto me servia de uma xicara de café. – A Emily falou-me numa coisa chamada máquina fotográfica, que ela tinha antes de vir para Cyon, que fazia com que conseguíssemos um retracto apertando apenas um botão. Eu poderia contactar a Mirela e o Michael e pedir-lhes que enviassem uma com as devidas instruções.
- E quanto às pinturas?
- Faríamos isso quando ela acordar – conclui.
Michael foi rápido na resposta, trazendo-me o requerido logo no dia seguinte. Ele e a esposa aproveitaram para passar uns dias connosco, ficando derretidos com a minha filha, tal como acontecia com todos.
- Ela já anda?
- Ainda não – retorquiu Laila. Mirela embalava Melody nos braços, hipnotizada.
- Então deve gatinhar por todo o castelo – continuou, rindo-se.
- Ela também não gatinha.
- Como assim Eliot? Ela vai fazer um ano…
- O pediatra examinou-a mas não encontrou nada de anormal. – Laila pegou na pequena e colocou-a no berço, voltando a reunir-se a nós no sofá. – Pelos vistos é uma questão de esperarmos que ela queira andar.
- Ela deixa-nos estafados sem andar, quando o fizer não sei como aguentaremos – referiu Laila rindo.
- Com muita paciência e amor – respondeu Mirela carinhosamente.
As semanas foram passando e Melody crescendo. O seu aniversário aproximava-se e todos queriam dar o seu parecer sobre o acontecimento, deixando-me zonzo. Enquanto Aurora queria uma grande festa a minha mãe era da opinião que devia-mos organizar apenas um chá para as pessoas mais chegadas, Laila e Jennifer achavam que uma pequena celebração chegava pois Melody anda não tinha idade para se recordar de nada e Holly afirmava que deveríamos fazer um baile como era costume nos aniversários da família real.
- Chega – gritei em um certo momento. Estávamos todos reunidos na sala do trono, assim como Richard e Eric, e eu já não aguentava mais. – Será que ainda ninguém percebeu que é a minha função tratar da minha filha?
- O que te deu Eliot? Só estamos a tentar ajudar.
- Mas não o estão a fazer Holly. A Melody é pequena demais para se lembrar do seu aniversário, tal como a Laila e a Jennifer disseram. Não vejo porquê tanta discussão acerca de uma festa que, a ser feita, será pequena.
- O Eliot tem razão querida – adiantou Eric, enlaçando a esposa pela cintura. – Não há razão para se realizar um baile para uma menina com um ano. Ela não poderia sequer estar na festa, haveria demasiado barulho.
- Além disso deve ser ele a organizar isso. – Laila olhou para mim, como se estivesse a medir o meu nível de irritação. – Nós todos gostamos da Mel mas ele é o pai, a decisão é dele.
- Obrigado Laila, e é por isso que quero que sejas tu a ajudar-me. Não haverá baile nem uma festa com centenas de convidados, apenas um lanche para todos os que vivem no castelo. Deste modo não será cansativo para a Melody e celebraremos o seu aniversário com uma festa.
O dia da celebração chegou assim como milhares de cartas de todo o reino, felicitando a pequena princesa. Melody brincava alegremente enquanto todos se reuniam num pequeno lanche que Laila organizara. A máquina fotográfica tornara-se um sucesso e rapidamente ficou lotada com fotos da minha filha acompanhada por todos os presentes.
Embora já tivesse completado um ano Melody não andava, apesar de o pediatra dizer que não havia nada de errado com ela. As semanas continuaram a passar mas nada se alterava, o que nos levava a crer que teríamos de esperar que ela o quisesse fazer.
Junho chegou e com ele um calor abrasador. Apesar de todo o trabalho que tinha para fazer ficar fechado no palácio não era uma ideia que me agradasse, assim como à pequenina que brincava aos meus pés. Pequei na Melody ao colo e fui procurar a minha mãe, que se encontrava, como sempre, com Aurora numa das salas de estar.
- Estão muito descansadas – comentei ao entrar na sala. Melody estendeu os braços para as avós, pelo que a sentei no meio delas.
- Também merecemos um dia de descanso – respondeu a minha mãe enquanto fazia cócegas na neta. – Estávamos a pensar em ir até ao lago nadar.
- Vinha sugerir um piquenique no lago, já que também não me apetece ficar cá dentro hoje. – Sentei-me chão em frente a Melody que ria sem parar. – A diabinha também não pára de apontar para a janela.
- Então que seja um piquenique e uma tarde de natação – adiantou Aurora. – Vou tratar da comida, vocês preparam o sítio. – Assenti, enquanto me levantava.
Enquanto saía da sala acompanhado da minha mãe, que levava Melody ao colo, encontrei Laila, Jennifer e Holly muito animadas.
- Ia agora mesmo à vossa procura.
- Aqui estamos Eileen – respondeu Laila a rir. – No que podemos ser úteis?
- Vamos passar uma tarde tranquila no lago, querem vir? – Melody esticou-se em direcção à prima, que logo lhe pegou.
- Como posso dizer que não quando a Mel se atira assim a mim.
- É uma boa ideia – disse Holly enquanto Jennifer assentiu.
Encaminhámo-nos para o jardim, onde o calor se fazia sentir mais intensamente. Protegi Melody com um feitiço para que a temperatura não a atingisse, enquanto a minha mãe estendia uma grande toalha debaixo de uma árvore. Aurora apareceu pouco tempo depois carregando um autêntico banquete, que todos comemos com prazer. A minha filha acabou por adormecer, permitindo-nos um pouco de sossego.
- Agora que a Mel dormiu tenho uma coisa a anunciar – começou Holly.
- Também gostaria de dizer algo – acrescentou Jennifer com um grande sorriso.
- Tantos anúncios… Não me digam que estão grávidas?
- Como adivinhas-te Laila? – A resposta simultânea das duas apanhou todos de surpresa, até Laila que se limitara a brincar.
- Tu também Jen?
- Estamos as duas grávidas? – A gargalhada foi geral, ao que as duas amigas se uniram. Melody abriu os olhos, mas voltou a adormecer em seguida. – De quanto tempo estás?
- Três semanas. Não me digas que tu…
- Três semanas – concluiu Jennifer, rindo ainda mais. – Que grande coincidência.
- Muitos parabéns! – Laila abraçou as amigas ao mesmo tempo, enquanto eu me levantava para fazer o mesmo.
A noite chegara antes que dessemos por ela. Eric e Richard haviam-se reunido a nós ao final da tarde, felizes com a notícia e apanhados de surpresa por Jennifer e Holly esperarem ao mesmo tempo os seus filhos. A celebração durou bastante mais do que eu previra, o que me fez ter de levar Melody para o quarto, já que a pequena adormecera após o jantar, demasiado cansada pela brincadeira da tarde.
O verão foi passando, Melody crescendo, e a felicidade no reino aumentando. Tudo o que os gémeos haviam destruído estava finalmente arranjado, as pessoas felizes e em paz, as crianças brincavam nas ruas sem a preocupação constante dos pais que passavam os seus tempos livres a relaxar, e eu trabalhava incansavelmente para que esse espirito continuasse o máximo possível.
Com o mudar das estações fui ficando apreensivo em r*****o ao comportamento da minha filha. Já estávamos em Dezembro e Melody, com um ano e sete meses, não andava nem falava, embora continuasse a não existir razão para isso.
- Não é normal – afirmava pela sétima vez naquele dia. – Tem de haver algo de errado com a Mel.
- Já lhe fizemos todos os exames possíveis Eliot, ela está saudável.
- Deve existir alguma coisa que possamos tentar Eric.
- Sabemos que estás preocupado Eliot, mas nós também estamos. O Eric dedicou os últimos meses exclusivamente à saúde da Melody, não há mais nada que possa fazer.
- A Laila tem razão. Pelo que sabemos a condição da Melody pode estar relacionada com o coma da Emily, mas até que ela acorde não podemos ter a certeza disso.
- Pensei que a esta altura ela já tivesse despertado, nunca esperei que demorasse tanto. – Derrotado, sentei-me num cadeirão. A porta da sala de estar abriu-se nesse momento, revelando-me a minha mãe e a minha sogra.
- Finalmente adormeceu – comentou a minha mãe ao sentar-se a meu lado. – É cada vez mais difícil fazê-la dormir.
- E a Emily?
- Na mesma. O médico não encontrou nenhuma alteração. – Depois de se servir de um pouco de chá, Aurora sentou-se no sofá ao lado da prima, que a abraçou.
Levantei-me pouco tempo depois, dirigindo-me ao quarto. A esperança de que tudo se resolveria começava a abandonar-me novamente, mas eu não podia dar-me ao luxo de a deixar vencer-me. Esperando que o novo dia me trouxesse alguma paz de espirito enfiei-me na cama, caindo num sono intranquilo.
O tempo continuava frio em Março, fazendo-me acender a lareira da biblioteca. Melody entretinha-se com as histórias que Laila lhe lia e que eu interpretava com fantoches, apontando para outro livro assim que o conto acabava.
- Mas eu já li este Mel. – A minha filha apontou novamente para o livro que a prima pegara, tornando obvio que era aquele que ela queria. – Está bem, mas pode ser o papá a ler desta vez?
- Já estás cansada Laila? – Agarrei no livro ao mesmo tempo que lhe passava os bonecos, perante o aceno afirmativo da pequenina. – Sabes que isto ainda vai durar várias horas.
- Por isso mesmo podemos ir revezando.
- Muito bem, vamos lá continuar… Melody? – Deslizando pelo sofá, a minha filha pôs-se de pé e andou até à porta, perante o nosso olhar incrédulo. – Ela andou?
- Mamã – disse ela para a porta enquanto sorria. – Mamã.
- Será que isto quer dizer…
- Não sei, mas vou descobrir. Ficas com a Mel? – Perante a resposta de Laila, que prontamente pegou em Melody, saí da biblioteca, correndo o máximo que podia, em direcção ao quarto de Emily.