Acordei totalmente restabelecida, perguntando-me quantos dias havia dormido. Sentei-me na cama ao mesmo tempo que a porta do meu quarto se abria e Mia entrava, distraída. Assim que fechou a porta e olhou na minha direcção deixou cair o cesto que carregava, espalhando o seu conteúdo pelo chão.
- Vossa Alteza! Como se sente?
- Óptima Mia. Podes dizer-me quanto tempo estive a dormir?
- Não sei se sou a pessoa indicada para isso, majestade.
-Porque não? – Antes de Mia ter tempo de responder a porta voltou a abrir-se e Eliot correu ao meu encontro, começando a chorar mesmo antes de me abraçar. – O que se passa Eliot? O que aconteceu? Estão todos bem?
- Agora sim – respondeu com um grande sorriso no rosto. – Tinha tantas saudades de te ouvir Emily.
- Por quanto tempo fiquei desmaiada?
- Mia podes avisar as nossas mães e as meninas? – A aia acenou afirmativamente. – A Laila está com a Melody na biblioteca. Pede-lhe que não venha enquanto eu não a chamar. – Ficámos a sós e eu encarei o meu marido, esperando uma explicação.
- Vais responder-me ou não? Vejo que passou algum tempo, já que a Laila está cá.
- Pode ser um pouco chocante para ti, meu amor. – Vendo-me perder a paciência, Eliot acrescentou: - estiveste em coma dois anos e meio Emily.
- Em coma?
- Era um efeito do feitiço que utilizas-te…
- Eu sei disso Eliot. Nunca pensei que os gémeos passassem o seu poder para alguém…
- Mas foi isso que aconteceu, entre outras coisas.
- O que aconteceu na batalha? E depois dela?
- Ganhámos, mas depois ficaste em coma e tudo se complicou.
- Porquê?
- Bem… Como hei de te explicar… - Nesse momento oiço uma voz familiar ecoar pelo corredor.
- Melody anda cá!
- Quem é a Melody e porque está a Laila a gritar? – Uma menina de cabelos castanhos e olhos azuis entrou a correr nos meus aposentos, correndo para Eliot e tentando alcançar a cama, esticando em seguida os seus braços para mim.
- Mamã!
- Esta é a Melody, a nossa filha. – O meu espanto era tão grande como o sorriso do meu marido, que me passou a bebé para os braços enquanto Laila entrava.
- Desculpa Eliot, distrai-me um segundo e ela fugiu. – Ao ver-me sentada a minha prima abriu, também ela, um grande sorriso. – Emily! Finalmente acordaste.
- Parece que a Mel tinha razão. – Vendo o meu ar confuso, Eliot explicou: - A Melody, ao contrário do que possas pensar, começou a andar e a falar há poucos minutos.
- Como assim? – Eu não estava a entender nada da situação, mas estava deliciada com a minha filha nos braços.
- O médico não sabe o que se passou, pois ela nunca conseguiu andar, só que hoje ela levantou-se e andou até à porta da biblioteca e começou a chamar por ti. Tanto eu como a Laila achámos que podias estar a acordar, por isso corri para cá.
- Mas como é que tudo aconteceu?
- Já estavas grávida quando enfrentaste os gémeos. – Ouvi com atenção o relato sobre a minha gravidez, enquanto acariciava os cabelos de Melody e a embalava pela primeira vez nos meus braços. A petiza adormeceu em menos de nada, deixando-me emocionada com aquela visão.
- Nunca pensei que o feitiço não resultasse – desabafei. – Não fazem ideia do quanto me está a custar saber que perdi os primeiros anos de vida da minha filha. – Olhei para o rosto doce adormecido nos meus braços, deixando esmorecer o sorriso. – Se eu entrei em coma – acrescentei ao lembrar-me do conteúdo do livro, - quer dizer que há alguém que ficou com o poder dos gémeos e que deve ter acordado no mesmo instante que eu.
- Emily, quanto a isso…
- Temos de descobrir quem é!
- Nós já sabemos – retorquiu Laila, quebrando o seu silêncio. Antes que ela pudesse responder, o meu quarto foi invadido por mais quatro mulheres.
- Finalmente querida – começou a minha mãe enquanto me beijava a testa, tentando não acordar a neta. – Não fazes ideia do quanto nos preocupaste.
- É muito bom ver-te acordada de novo Emily. – Virando-se para o filho, Eileen inquiriu: - já chamas-te o médico Eliot? – Assim que o meu marido negou, a minha sogra saiu apressada.
- Passou-se imenso tempo, não foi – disse apontando para as barrigas das minhas amigas.
- Muito mesmo – replicou Jennifer.
- Sentimos a tua falta. – Holly abraçou-me o mais que o seu ventre deixou.
A conversa continuou durante algum tempo. Eileen voltou a reunir-se a nós, trazendo o berço de Melody que depositou o mais perto possível de mim. Assim que o médico chegou todos, à excepção de Eliot, deixaram o aposento. Horas depois, já com autorização do médico, levantei-me e arranjei-me. Eliot tinha saído para informar o reino do meu despertar, deixando-me a sós com a nossa filha que acordava do seu sono.
- Estás com fome pequenina? – Peguei Melody ao colo e dirigi-me para o salão de refeições, encontrando Eliot no caminho.
- Vinha à tua procura. Estão todos reunidos no salão.
- É esquisito – comentei. – Para todos vocês passaram mais de dois anos e para mim apenas um instante. – Olhei para a criança sorridente nos meus braços, sentindo um misto de emoções. – Nunca irei recuperar esse tempo.
- Eu não sei o que te dizer Emily. Não consigo ter ideia do quão difícil é a tua situação.
- Não digas nada, conta-me apenas o que eu perdi. – Beijei-o e sorri.
- Conto-te tudo o que quiseres, mas após o jantar. Estão todos ansiosos por te ver.
Ao contrário do que eu estava habituada no dia-a-dia, a refeição estendeu-se por horas e o salão enchera-se com todos aqueles que lá viviam e trabalhavam. A minha mãe fora obrigada a levar a neta para que repousasse, pois todos queriam falar comigo e contar-me o que tinham feito enquanto eu estivera em coma.
Eliot acabou por não me contar nada nessa noite, tantas eram as saudades que sentia, apenas tagarelando sobre a nossa filha. O pai babado não sabia a inveja que me estava a fazer, mas não deixei que a tristeza que me assolava sempre que ele me revelava algum novo pormenor sobre Melody se manifestasse no meu rosto.
Acordei pouco depois das dez, achando estranho o facto de ninguém o ter feito antes. Eliot ainda dormia quando saí do banho, pelo que me vesti e encaminhei-me para o quarto da minha filha, que ficava ao lado do meu. Melody brincava a um canto, rodeada de bonecas e almofadas. O quarto dela era uma réplica do meu no dia que chegara a Cyon, diferenciando-se apenas por conter um berço, dois sofás e ser todo cor-de-rosa. Assim que me viu, a minha princesinha correu para os meus braços, deixando-me novamente emocionada.
- Agora que tens a mamã já não queres saber de mim? – Laila riu, enquanto entrava com uma bandeja. – Trouxe o pequeno-almoço para as duas.
- Como sabias que eu estava aqui?
- Não sabia. – A minha prima encolheu os ombros e depositou a bandeja numa mesa de apoio. – Calculei que assim que acordasses virias aqui.
- Costumas tomar conta dela? – Pus a minha filha no chão e ela voltou para as bonecas, enquanto eu me sentava a observar.
- Quando não estou ocupada, o que tem sido frequente. O Eliot tem muito que fazer e a Aurora tem o ajudado. Eu e a Eileen temos dividido a tarefa de cuidar da diabinha.
- Estás por cá há muito tempo Laila?
- É uma história complicada – respondeu com ar abatido.
- Acho que consigo acompanhar. – Depois de me contar todos os pormenores eu não arranjava palavras para dizer. – Eu sabia que não podia confiar no Dylan e que tu te arriscavas demais no dia que tomaste a decisão de ir com ele, mas nunca pensei que ele fizesse tal coisa.
- Agora que acordaste, e ele também, prevejo que virão tempos difíceis para todos nós.
- Têm alguma coisa em mente?
- Pensámos muito sobre isso, e todos concordamos que o melhor seria nos deslocarmos até ao esconderijo, mas não sabemos se ele não sairá de lá rapidamente. Além disso, tanto a Jennifer como a Holly fazem questão de ir connosco, o que no momento n******e acontecer, e ainda temos a Melody que n******e ficar desprotegida.
- E não fazes ideia do tamanho do poder que o Dylan detém neste momento?
- Não. – Laila suspirou. – Apenas sei que ele era mais poderoso do que aquilo que nos fazia acreditar.
- E com o poder que acumulou ficou, possivelmente, mais forte do que os gémeos eram. – Ela acenou afirmativamente, deixando-me com calafrios. – Ele não consegue entrar no reino – comentei.
- Tens a certeza absoluta disso?
- Usei um feitiço real para o manter longe. Pelo que me contaste ele não os sabe. – Laila ficou pensativa. – Mesmo que ele consiga passar a minha barreira ainda irá demorar, e eu saberei se ele o fizer.
- Tornaste-te uma pessoa muito calma Emily. – Eu ri e Melody correu até mim, esticando os seus bracinhos para que a pegasse no colo. – Mudas-te muito nestes seis anos.
- Tu também Laila, muito mais do que pensas. – Levantei-me, ainda com a minha filha nos meus braços, e saí do quarto, sendo seguida pela minha prima. – Sinto-me estúpida por perguntar isto mas o Eliot não me disse. – Corei sobre o olhar interrogativo da minha amiga. – Quando é o aniversário da Melody?
- No dia vinte e nove de Maio. – A tristeza trespassou-me o olhar, levando-a a continuar. - Tínhamos planeado uma festa pequena, mas agora que recuperaste talvez queiras organizar outra coisa.
- Acho que não. – Encontrei Eileen a sair de uma sala, acompanhada pelo filho. Ambos falavam sobre Melody, apesar de eu não perceber qual o tema que debatiam. – Passa-se alguma coisa?
- Estávamos a falar sobre quem será o prometido da Melody. O Eliot andou a adiar essa decisão até agora, mas já que acordaste poderemos resolvê-la.
- Com certeza. – O meu marido sorriu para mim, bastante ciente da minha escolha. – Ela não terá prometido algum.
- Como assim? É tradição Emily!
- Eu sei, e detestei-a desde o momento em que a ouvi. – Entreguei a minha filha ao pai, e comecei a caminhar pelo corredor, acompanhada por Eileen. Eliot e Laila seguiam-nos, brincando com Melody, enquanto ouviam o diálogo. – Se não fosse essa tradição não estaríamos com problemas com o Dylan, além de que eu não quero que a minha filha passe pela agonia que eu senti ao ver-se presa a uma pessoa.
- Ela tem a opção de escolher outra pessoa Emily, tu sabes disso.
- A Melody escolherá por ela própria quando chegar a altura. Neste momento temos assuntos mais sérios do que o casamento da minha filha que, aliás, eu só conheci ontem.
- A tua mãe não vai gostar disso – comentou Eileen.
- Ela não tem nada a ver com este assunto. A Melody é minha filha, assim como do Eliot. Ele concorda comigo e é o que importa.
- Estás mesmo de acordo com isto?
- Esta tradição não faz sentido mãe, nunca fez – retorquiu Eliot. – E agora temos a prova que pode ser perigosa.
- A Melody subirá ao trono quando a altura chegar, mas até lá deve viver feliz e sem compromissos. – Voltei a pegar na minha filha, que se aninhou nos meus braços. – Agora que já cuidámos do futuro da Mel penso que alguém preparou uma festa para esta noite.
- E estamos atrasados nos preparativos – relembrou Laila animada. – Mas não se preocupem com isso, eu trato de tudo. Vocês os três precisam de uns momentos a sós.
- Obrigado Laila. – Eliot deu-me a mão e levou-me para uma sala que mais parecia um parque de diversões. – O que é tudo isto?
- Tivemos de arranjar um lugar para a Melody brincar como se estivesse no exterior. Este inverno esteve demasiado frio para que a pudéssemos levar para o jardim. – A petiza saltou-me dos braços, correndo para o baloiço.
- Ela é sempre assim tão cheia de vida?
- Sim. Não há um dia que não nos deixe a todos cansados. – Eliot reparou no meu ar abatido enquanto observava a nossa filha, e abraçou-me. – Tenho uma coisa para ti. – Retirou do bolso uma pequena câmara fotográfica e entregou-ma. – A Aurora queria voltar a pintar a família real, mas eu achei que isso seria uma melhor forma para te mostrar o crescimento da Mel.
- Onde é que conseguiste isto?
- Lembrei-me de me contares sobre as fotografias e pedi aos teus pais para me mandarem uma.
- Obrigado. – Abracei Eliot e comecei a ver as imagens, enquanto ele me contava histórias sobre cada uma delas. Melody continuava a brincar no seu parque improvisado, vindo por vezes ao nosso encontro.
- Acho que está na hora de irmos – disse o meu marido algum tempo depois. – Está no hora da Mel comer e nós temos de nos arranjar para o baile.
- De quem foi a ideia de uma festa esta noite?
- Da tua mãe – respondeu enquanto se levantava. – Mas o entusiasmo de teres acordado foi tanto e como todos no reino têm estado preocupados contigo nem pensei em te perguntar se concordavas antes de lhe dizer para avançar com os preparativos.
- Acho que não tem m*l – afirmei a sorrir. – Só que eu queria passar mais tempo contigo e com a Melody.
- Não me parece que levem a m*l se sairmos mais cedo do baile – replicou Eliot.
Caminhámos de volta ao quarto para trocar de roupa. Assim que fiquei pronta apressei-me a vestir a minha filha, que também iria ficar um pouco comigo durante a celebração. Laila veio ao meu encontro assim que Eliot desceu para receber os convidados, pondo-me a par do alinhamento da festa e pegando em Melody que brincava com um dos laços do seu vestido.
- Pára com isso Mel – repetia incessantemente a minha prima. – Não há uma só festa que eu consiga que ela chegue impecável ao hall.
- Já é costume ela ir aos bailes?
- Não, mas tem havido outro tipo de celebrações. Ela foi apresentada ao reino com seis meses e a partir daí tem aparecido por pouco tempo nos aniversários da família. Toda a gente a adora e ela adora a atenção.
- Já nós as duas dávamos tudo para não termos de ir – comentei alegremente, pelo que Laila riu. – Já está na hora?
- Sim. Ainda te lembras como descer uma escadaria?
- Ainda consigo sentir aquele maldito livro na minha cabeça – respondi a rir. – Vamos, não os podemos fazer esperar mais.