10.1

4709 Words
Quando deu por si, a velocidade do carro diminuía e pôde ver ao longe o carro atolado.             ― Nossa... ― Anne murmurou, parando a caminhonete em frente à van, que tinha caído em uma grande valeta coberta de água. Olhando a cena, pensou se ia de fato conseguir desatolar o automóvel. Não tinha falado à Peter, mas era sua primeira vez desempenhando aquele ‘trabalho’.             Ela abriu a porta do carro e pulou para fora. As botas afundaram completamente na lama enquanto se pendurava na carroceria para pegar a enorme corrente. O repórter ainda ficou dentro do carro, vendo Anne aparecer em frente aos faróis, engatando a corrente no engate da caminhonete. Ainda não conseguia acreditar que a aclamada Anne Walch era a mulher lá fora prestes a desatolar seu carro. Do lado de fora, a morena andou até a lateral da van, afundando até quase a cintura no buraco que a van tinha atolado e com dificuldade, passando pela valeta que era quase uma piscina, chegou até a porta do motorista, que imediatamente abriu a janela.             ― Anne! ― Mary estava surpresa. ― Você vai ficar doente!             ― Oi Mary, Lucia! ― Sorriu para as duas garotas que se debruçavam no banco do motorista. ― Boa noite. ― Ela cumprimentou o homem rechonchudo. ― Pode engatar a marcha ré e soltar o freio de mão?             ― Boa noite. ― O homem acenou. ― Certo.             ― O motor está ligando?             ― Ainda não tentei.             ― Certo... quando eu buzinar, tente. Se ele ligar, enfie o pé no acelerador e não tire.             ― Ok.             A verdade é que só estava seguindo a lógica. Não tinha experiência de campo, tampouco fizera algum laboratório. Já passava das dez quando voltou até a corrente e engatou a outra ponta no engate traseiro da van mergulhada na lama.             Anne pulou para dentro da caminhonete de novo, enlameada até a cintura, e só então Peter se deu conta de que nem sequer tinha saído do lugar. Estava até agora paralisado com o fato de que, de todas as pessoas ali, a “famosa” era a mais útil. E era estarrecedoramente linda daquele jeito. Molhada, enlameada, com os cabelos castanhos caindo encharcados enquanto girava a chave na ignição. O motor da caminhonete rugiu em meio ao temporal e Anne olhou para o câmbio do 4x4, engatando a ré. Rapidamente, ela olhou para Peter.             ― Eu nunca fiz isso antes. ― Confessou e o homem arregalou os olhos. ― Então pode ser que não funcione.              ― Mesmo nunca tendo feito algo do tipo você parece a mais preparada aqui. Se não der certo, só vou poder te agradecer muito por ter tentado ajudar. ― Estava atônito quando aquele rosto antes delicado o encarou com mais firmeza, as sobrancelhas dela se franziram levemente para baixo e então a mão de Anne bateu na buzina, que saiu alta e vibrante como a de um navio. Imediatamente, ela viu a van que era iluminada por seus faróis ligar os lanternas de ré enquanto bolhas e mais bolhas saiam da água lamacenta.             ― Se segura. ― Foi só o que pôde dizer antes de pisar no acelerador e soltar a embreagem.             A caminhonete deu uma guinada enquanto a corrente se esticava e os pneus da van giravam rapidamente, levantando uma chuva de lama que começava a voar no vidro da frente. Anne comprimiu os lábios em uma linha reta de nervosismo, percebendo que até mesmo os seus pneus lameiros estavam começando a cavar buracos profundos. Girou o volante, tentando sair do atoleiro que ela mesmo estava formando, mas depois de cinco segundos resolveu parar.             ― Talvez se você for devagar... ― Peter aconselhou, vendo que quanto mais rápido as rodas giravam, mais profundo ficava o buraco em que estavam se enfiando.             ― Certo. ― Ela começou a acelerar de novo, dessa vez bem devagar. A ré engatada fazendo a caminhonete querer ir para trás, mas a van estava em um buraco grande que se formara graças à chuva torrencial caindo sobre as árvores que cobriam a estrada e causando grossas gotas que vinham das folhagens.             Depois de dois minutos, Anne e Peter perceberam que a caminhonete não ia conseguir tirar a van dali e o homem suspirou.             ― Não vai adiantar. ― A morena ainda encarava a estrada, irritada, porque agora eles estavam presos ali, perto de mais do conforto de sua casa.             ― Tudo bem... se puder nos levar para algum hotel...             ― Como eu vou passar? Essa estrada é estreita, e a van está na frente. Ela tinha razão. Isso queria dizer que só haviam duas alternativas. ― Podemos dormir no carro. ― Cogitou, desejando que a escritora lhe dessa a segunda alternativa, assim não precisaria pedir. ― Mary e Lucia podem dormir na minha casa. ― E quanto a mim e o Juarez? ― Vocês podem dormir no carro. ― Está brincando? ― Ele estava incrédulo, ouvindo uma bufada irritada da mulher. Anne ponderou por longos segundos antes de sussurrar: ― Tudo bem... vocês podem se abrigar lá. ― Deu-se por vencida, contrariada, querendo chutar Peter para fora do carro e voltar para casa. Mas havia as duas novas amigas que tinha feito naquela tarde e não queria ninguém pensando que ela uma monstra sem coração. Bufou de novo, voltando-se ao repórter. ― Vá chamar todo mundo. Dessa vez, Peter sorriu, pronto para saltar para fora do carro. ― E desengate a corrente. ― Pediu quando o repórter ia saindo. ― Certo, certo. (...)             Quinze minutos depois, estavam todos dentro da caminhonete vermelha quatro portas que tinha sofrido para sair do atoleiro. Anne conversava com as outras duas enquanto Juarez e Peter preferiam o silêncio. Dirigindo de volta para a casa cujo já podia ver as luzes saindo pelas janelas.             Parou o carro o mais perto possível da área coberta e todos pularam para fora correndo até lá. O pensamento de Anne foi que precisava, urgentemente, fazer uma garagem coberta.             ― Esperem aqui, eu vou pegar toalhas para não molhar tanto a casa. ― Tirou os coturnos e a capa de chuva, subindo as escadas, fazendo um rastro de água lamacenta e pegou uma porção de toalhas, voltando ao quarto apenas para olhar o relógio. Onze da noite.  Estava nervosa. Estranhos na casa nunca eram bem-vindos pelos olhos negros. Precisava avisá-lo de que eram boa gente. Desceu as escadas cogitando seriamente a hipótese de ligar novamente para o guincho Joe e insistir no assunto. Mas o que fez foi arranjar roupas secas para as duas mulheres, voltando a descer as escadas para encarar dois homens trêmulos ainda ao pé da escada, enrolados às toalhas que tinha fornecido.             ― Não tenho roupas masculinas. ― Anne estava se cansando do insistente olhar de Peter. ― Mas tenho uma secadora. É na porta ao lado da cozinha, vocês podem ficar lá até que elas sequem de novo.             ― Certo, obrigado. ― Tratou de agradecer, mas seu coração estava batendo descompassado. Ela sabia ser rígida, doce, engraçada, e fria como gelo. E não parecia ter dificuldades em ser nenhuma daquelas faces.             ― Estaremos na cozinha, mas, por favor, saíam da lavanderia apenas quando estiverem secos e vestidos novamente.             ― Pode deixar, obrigado, Sra. Walch. ― Juarez tinha um sotaque mexicano típico e ela apenas concordou com a cabeça, batendo os olhos em Peter antes de se virar e entrar na cozinha, de onde vinham as vozes animadas de Lucia e Mary falando algo sobre uma noite do pijama.             A mulher de olhos azuis voltou para a cozinha e avisou que ia se trocar. O que não levou nem dez minutos. Tirou a roupa suja e vestiu uma calça jeans escura com uma blusa verde musgo solta no corpo. Desceu as escadas constatando que os dois homens ainda estavam na lavanderia, e na cozinha ela continuou conversando com as gêmeas ruivas que eram tão simpáticas e amigáveis. Em pouco tempo tinham começado a fazer comida e logo conversavam sobre todo tipo de assunto, cortando cebola, molho de tomate fervendo no fogão e já era quase meia noite.  Ela estava contanto cada minuto, mas estranhamente, eles não se arrastavam como nas outras noites. Isso era por que Mary e Lucia estavam lá, batendo papo tão felizes que nem parecia haver uma van atolada a um quilometro dali.             ― Já vou pôr a carne. ― Lucia avisou enquanto Mary voltava a contar a história de uma das fotografias mais malucas que já tinha tirado. E de repente, em um verdadeiro piscar de olhos, já no fim daquela trama, o trio punha a mesa que nunca tinha usado desde que chegara ali. Peter e Juarez preferiam aguardar em silêncio, sentados em suas respectivas cadeiras enquanto as três mulheres iam e vinham da cozinha, conversando como gralhas e colocando a comida na mesa.             Ele não queria falar nada. Peter gostava de observar. Principalmente quando tinha a chance de fazê-lo com uma mulher tão misteriosa como Anne Walch. Ela parecia uma bruxa, atraindo silenciosamente e sem nem perceber, aparentava estar prestes a cair como um patinho naquele feitiço. Mas a verdade é que Peter sabia que Anne não estava nem aí para ele. Havia uma segunda xícara de café na mesa mais cedo e tinha certeza que seja lá quem fosse, era o motivo da frieza de Anne.             Diferente do que pensou, todos comeram em silêncio. Quando deu por si, limpava o molho do canto da boca com o guardanapo enquanto Anne e Lucia se levantavam para tirar os pratos já limpos. Os olhos castanhos caíram para o relógio de pulso ainda um pouco embaçado. Já era uma da manhã e mesmo bem alimentado, não sentia qualquer vestígio de exaustão. Talvez estivesse cansado, mas a adrenalina de estar ali não lhe deixava pensar com clareza, tampouco sentir alguma coisa além de uma súbita e quase ininterrupta euforia que tentava esconder desde que botara os olhos naquela mulher. ― Podemos ir para a biblioteca! ― Era a voz de Lucia, enquanto o trio de mulheres passava pela sala de jantar sem sequer olhar a dupla que ainda continuava ali, sentados nas mesmas cadeiras de antes. Peter ainda apertava o guardanapo na mão direita quando elas sumiram de vista, indo para a biblioteca. Não tinha um gravador ou bloco de notas sequer. Tudo estava na van e agora era obrigado a ficar ali, parado como uma estátua, cheio de pensamentos que queria guardar, mas sabia que logo desapareceriam. Massageou as têmporas pelos próximos cinquenta e oito minutos até as duas da manhã e quando ela chegou, decidiu levantar daquela cadeira. Os joelhos doíam e precisava de um café ou de uma cama, tinha que escolher. Ele andou até a biblioteca tendo que encarar três mulheres parando de falar assim que passou pelo batente. Os três pares de olhos caíram sobre seus ombros e ele se sentiu em uma toca de loas. Um pouco intimidado, enfiou as mãos nos bolsos e fez um aceno com a cabeça. ― Com soninho, Pit? ― Mary riu da cara que ele fez. ― Eu vou pegar umas cobertas. Você pode se acomodar em qualquer lugar por aqui. Eu não tenho quarto de hospedes. ― Ela se adiantou. Não queria que nenhum homem além de Charles subisse aquelas escadas. Quanto mais dormisse em algum de seus quartos. ― Posso fazer um café? ― Indagou, um pouco inquieto com os cabelos castanhos soltos rodeando o rosto de Anne e tornando-a ainda mais parecida como uma face pintada por sua imaginação. ― Claro. A cafeteira está na cozinha. ― A anfitriã sorriu polidamente e não demorou em voltar a atenção para as gêmeas. Peter suspirou e girou os calcanhares, caminhando até a cozinha e pegando uma das capsulas de café extraforte, ele ficou em silêncio enquanto o líquido começava a cair na xícara e continuou calado até que já tivesse bebido todo o café, sem açúcar. Um bom tempo tinha passado quando olhou mais uma vez para o relógio, pensando que faltavam longas horas até o amanhecer, e se encostando ao balcão de madeira, o repórter se perdeu em pensamentos. Enquanto isso, Anne começava a sentir uma terrível ansiosidade conforme os minutos passavam. Faltavam apenas meia hora e as garotas não davam sinais de sono. Mary continuava tirando fotos com o celular e Lucia ainda falava qual maquiagem era boa para a pele da morena. Seu coração iniciava um descompasso esmagador quando a imagem de Charles lhe vinha à cabeça. ― Anne? ― Ela acordou de novo para a realidade com a voz de Mary soando perto. Piscou duas ou três vezes, tentando espantar os olhos negros da mente. Charles deveria estar pensando nos motivos que vinham mantendo-a acordada em vez de estar dormindo e sonhando com ele. ― Hm? ― Foi intuitivo. ― Preocupada com alguma coisa? ― Mary tinha um olhar curioso. ― Com a van de vocês..., mas não, nada... ― Entendi. E a van te deixa com o rosto vermelho? ― O que? ― Anne ficou levemente paralisada quando ouviu aquilo, e Lucia começou a rir junto com a irmã. ― Você tá vermelhinha! ― Lucia gargalhava. ― Eu não estou! ― Ah, você está! ― Mary insistiu, aparentemente em uma crise de riso. ― Parem com isso! ― A escritora apontou o dedo acusador na direção das gêmeas. ― Nós não estamos fazendo nada! Agora responda no que está pensando, heim? ― Desculpe, não sei do que vocês estão falando. ― Ela fez um bico. ― Acho que vou pegar alguns cobertores. ― Tentou desconversar. ― Eu ia sugerir uma garrafa de vinho, mas tudo bem. ― Lucia deu de ombros, fazendo a escritora começar a rir conforme se levantava. A verdade é que estava tão nervosa que o vinho não era má ideia. ― Vamos fazer assim: Eu pego as roupas de cama para Juarez e Peter e vocês duas pegam o vinho. ― É um ótimo acordo! ― As duas pularam do sofá. ― Acho que devo ter uma ou duas garrafas no fundo do armário embaixo da pia. ― Ok! ― Mary puxou a irmã para a cozinha e Anne fez seu caminho de volta ao andar de cima, abrindo o armário para separar fronhas, travesseiros e cobertores grossos. Ela colocou tudo em cima da cama e levou as mãos aos cabelos, armando um coque improvisado enquanto um suspiro cansado escapava pela garganta. Passou pelo menos dez minutos ali, parada, olhando para aquelas duas pequenas montanhazinhas de roupas de cama. ― Srta- ― Ah! ― Anne pulou de susto, virando-se para a porta e encontrando um homem alarmado. ― Sr. Donavan! ― Eu pensei que fosse precisar de ajuda com as cobertas e- ― Eu pretendia fazer duas viagens. ― Não queria ser indelicada, mas ele havia sido primeiro, ao subir ali sem ser convidado ou autorizado. ― Nós estamos causando o transtorno então acho justo ajudar. ― Peter deu de ombros, mas estava nervoso com o olhar que lhe era oferecido com frieza quase palpável. Estava escrito na testa de Anne Walch que ela não queria ele ali nem por um decreto. ― Tudo bem. ― A morena pegou as cobertas e as entregou para o indivíduo petrificado que só se moveu quando a viu passar, segurando os travesseiros e afins restantes. Chegaram ao térreo, Mary e Lucia passavam pelo hall em direção à biblioteca conversando animadamente sobre o ano do vinho que a mais velha carregava. A morena apenas suspirou, mais uma vez, desejando que aquele vinho estivesse logo fermentando em seu estômago quando dois gritos femininos fizeram todos pararem conforme os passos apressados das gêmeas chegavam aos seus ouvidos. Estava congelada, com os olhos procurando qualquer relógio possível, mas ela sabia... ― Que raios aconteceu? ― Peter parecia preocupado e antes mesmo de poder piscar, a figura alta de madeixas vermelhas surgia macabramente atrás de Mary e Lucia. O coração de Anne quase saiu pela boca. ― Charles! ― Exclamou, largando os travesseiros e correndo pelo cômodo para abraçá-lo diante de três pares de olhos assustados. Talvez o mais apavorado de todos ali fosse Peter, que nunca, em toda sua vida, havia se sentido tão ameaçado assim por uma simples presença. ― O que está acontecendo? O repórter encolheu os ombros quando escutou a voz do homem de cabelos vermelhos. Era grave e profunda, conforme as mãos grandes abraçavam a cintura fina de Anne. Então é ele o dono da xícara, foi o pensamento conforme fazia de tudo para convencer a si mesmo de que ficar com medo daquela figura sombria era algo completamente natural, a julgar pela aparência demoníaca. ― Eles são da revista que eu tinha falado. ― Secretamente, estava adorando ter aquele braço forte em seu lombar. A mão grande abraçando a curva quadril feminino enquanto ela passava os braços em volta do abdômen definido de Charles, abraçando-o de volta. ― O carro deles atolou. Tentei puxar com a caminhonete, mas não consegui. Então Charles tirou os olhos de Anne pela primeira vez desde que adentrara o cômodo para encarar o outro homem ali. Pegou-o olhando fixamente para a morena e suas sobrancelhas se arquearam sutis, mas ameaçadoramente. Anne notou aquilo e apertou os dedos na pele dele. ― Quer que eu faça isso? ― Charles sibilou, e seus olhos estavam cravados na figura do repórter, embora a palavra não estivesse sendo direcionada a ele e todos os presentes soubessem disso. O coração de Anne batia no começo da garganta quando ela o apertou de novo. ― Não precisa, está chovendo. ― Tentou ser gentil. ― Eu não ligo. ― Ele foi cru. ― Charles... ― Anne se separou levemente daquele abraço, o bastante para observar a maneira que ele olhava para Peter. Seus olhos caíram para as figuras assustadas de Mary e Lucia e só então suspirou, aborrecida com o comportamento do homem de olhos negros. ― Charles. ― Chamou novamente, dessa vez em um tom mais firme, recuperando a atenção do fantasma que deveria estar tendo o autocontrole testado naquele momento. ― Me deixa apresentar todo mundo... essa é a Mary, a fotógrafa. Mary, esse é o Charles. ― Um curto aceno de cabeça foi dado por parte dela e Charles apenas retribuiu gelidamente. ― E essa é a Lucia, maquiadora, irmã da Mary. Lucia, Charles. ― Anne deu mais um suspiro diante dos semblantes amedrontados das pessoas ali. ― E esse é o Sr. Donavan, o repórter. ― Esperem aqui. ― Foi o que Charles disse. ― Eu vou- ― Eu disse que não precisa, eles vão vir amanhã de manhã e... ― Mas Anne parou de falar quando os olhos negros lhe encararam, flamejantes. ― Posso falar com você? ― Ele sussurrou e a morena engoliu em seco, balançando a cabeça num aceno ameno com a cabeça enquanto sentia a mão forte circundar a sua e começar a puxá-la para fora da sala. Juarez ainda dormia na sala de jantar quando passaram por ela, rumando pelas escadas até o andar de cima. Charles entrou no quarto e fechou a porta assim que Anne passou, mas ela não teve tempo de dar o segundo passo já que o homem a empurrou contra a porta que tinha acabado de bater. ― O que está acontecendo? Por que está com essa cara? ― Ela estava nervosa, apreensiva com aquele olhar sobre si. Mas era Charles, e precisava aprender a domar o medo sorrateiro que às vezes se esgueirava em sua alma quando ele estava por perto. ― Me conte absolutamente tudo que aconteceu desde que aquele cara chegou aqui. ― Charles murmurou entredentes e Anne arqueou as sobrancelhas, surpresa. ― O que? Por que voc- ― Eu precisei de meio segundo para não gostar do jeito que ele olha pra você. ― Ele a cortou, seco, firme, e Anne ficou arrepiada. ― Do que você está falan- ― Do que acha que eu estou falando? Estou falando daquele cara na sua sala encarando você como se fosse capaz de te comer com os olhos. É disso que estou falando... ― Ele não estava fazendo nada disso... Sr. Donavan é um pro- ― O Sr. Donavan deve se arrepiar toda vez que te ouve dizer o nome dele desse jeito. ― Charles prensou o corpo de Anne na porta, colando seus quadris e ficando tão perto que para ela, era completamente impossível pensar com coerência. ― Charles, para com isso... Ele é um repórter..., e as garotas são da equipe também, todos ficaram presos aqui por causa da chuva. A culpa foi minha que dormi e não atendi a porta no horário marcado. ― Ela tentou, sentindo a respiração ficar cada vez mais pesada. Aqueles olhos começavam a perfurar sua alma. ― Eu vou tirar o carro do atoleiro e você vai mandar ele embora daqui. ― É claro que não vou fazer isso! ― Ali Walch franziu o cenho. ― Seria falta de educação! E mesmo que ele esteja interessado em alguma coisa, eu não estou! ― Acha que ele se importa com o que você quer? ― Pare de di- ― Ele já deve ter imaginado você pelada, beijando ele de todas as maneiras possíveis... deve ter ficado encarando sua b***a enquanto você subia as escadas agora mesmo, quando viemos pra cá, pensando quão deliciosa você seria na cama d- ― Charles! ― Ela o interrompeu, perplexa, o coração batendo rápido. Tinha certeza que seu rosto estava vermelho porque queimava como o inferno. ― Por acaso está se mordendo de ciúmes? ― Eu detesto a maneira como fala o nome dele... E detesto o fato que esteja na sua sala agora, provavelmente fantasiando alguma coisa com você... ― O hálito dele bateu contra o rosto de Anne, que simplesmente não podia respirar. ― Estou com ciúme, sim... mas se eu estivesse me mordendo, aquele repórterzinho de m***a já estaria morto... ― Não faça besteira. ― Murmurou de volta, os lábios comprimidos em uma linha reta. ― Você está tentando ser uma pessoa boa ou não? Eu já disse que ele não quer nada... é só uma pessoa que veio aqui à trabalho, só isso... eu estou fazendo o que você me disse pra fazer: Tentar viver além da hora que você está aqui. O que tem de errado? Não confia em mim? Não confia quando digo que não existe nenhum problema?             Naquele momento, Charles mordeu a língua.             ― Desculpe. ― Ele bufou, irritado. ― Não tem nada de errado. É só que... eu sei o que ele está pensando... ― Não ligo pro que ele pensa. E depois de ter visto você me abraçando daquele jeito... tenho certeza que ele vai pensar duas vezes antes de fazer alguma coisa, Charlie. E então o ruivo parou, arqueando as sobrancelhas. ― Charlie? ― Repetiu, sentindo as mãos espalmadas de Anne começarem a escorregar por seu abdômen, chegando a seu peito como se fossem duas brasas. ― Não gostou? Eu posso voltar a- ― Eu gostei. ― Charles se adiantou, piscando uma vez e internamente Anne ria pela maneira como conseguira quebrá-lo com um simples apelido. ― Mas não tente desviar do assunto. ― Ele estreitou os olhos quando viu que parecia ser exatamente esse o objetivo ali. ― Não estou desviando... eu já disse. Eles iam dormir na sala. As meninas iam ficar nesse quarto... E eu no sótão. ― Eu acho que vi duas mulheres rindo com uma garrafa de vinho. ― Você viu, mas Peter não ia participar disso. ― Pensei que fosse Sr. Donavan para você... ― Anne engoliu em seco, sendo cada vez mais prensada contra a porta. ― Você disse que não gosta que eu fale assim. ― Não gosto que fale de jeito nenhum, ele nem deveria estar aqui. ― Ia deixar ele onde? ― No canil. ― Ele foi seco e a morena começou a gargalhar, as mãos rodeando o pescoço masculino. ― Não seja idiota... será que não é obvio... que eu não ligo pra onde ele olha e sim pra onde você olha...? ― Os orbes azuis cintilaram quando viu o meio sorriso surgir no rosto masculino. Charles a puxou para longe da porta e envolveu seu quadril, trazendo a morena para perto e colando seus corpos de novo. ― Não estou duvidando de você. É nele em quem eu não confio. Dentro dessa casa. Depois que eu for embora. ― As frases mais pareciam marteladas, ditas entre dentes. ― Como pode odiar tanto uma pessoa tendo visto ele por dois segundos? ― Anne sorriu, abraçando o corpo quente, sentindo o cheiro de lavanda e o frio que ele trazia. ― É como se eu pudesse sentir a atração que ele sente por você, acho que não está me entendendo... ― Para com isso, Charles... Esqueça ele, esqueça o repórter, ele é só um cara da revista... Ciumento... você precisa mudar essa possessividade. ― Pelo menos me deixa tirar o carro... ― Tudo bem... se é isso que você quer... ― Anne murmurou, colando um pouco mais o corpo ao dele, na ponta dos pés para chegar mais perto do pescoço masculino. ― Mas acho que deveria ficar aqui comigo... ― Seu hálito bateu contra a pele dele e Charles sentiu cada poro de seu corpo ficar protuberante. ― .... Como espera que eu tenha algum argumento...? ― Porque nem conseguia respirar, vendo o quanto ela estava tentando se esticar para chegar ao seu pescoço. Engoliu em seco, apertando seus quadris e com absoluta facilidade, levantou o corpo de Anne, que não pensou duas vezes antes de enlaçar as pernas em volta da cintura do homem e abraçá-lo, os lábios roçando em seu lóbulo direito. ― Não tenha... ― O sussurro foi rouco, trêmulo e as mãos que a circundavam deslizaram para os quadris delgados, segurando-a, enquanto andava em direção a cama. ― Você não deveria ser capaz de me persuadir desse jeito... ― Envergava o corpo para colocá-la na cama quando as batidas na porta fizeram o casal parar para se entreolharem. O cenho de Charles estava franzido. ― Quem é? ― Rugiu e o silêncio se fez, seguido de passos que desciam as escadas. Os olhos negros voltaram aos azuis em dúvida. ― Devem estar com medo. ― Foi o que Anne pôde dizer. ― E olha que não sabem o que você é... Vamos descer, explicar tudo e voltar pra cima, pode ser? Como um cara normal faria. ― Sim..., mas o que quer dizer com explicar tudo? ― Eu não vou dizer nada demais, não se preocupe..., mas precisamos dar um motivo para de repente um homem de cabelos vermelhos, com quase dois metros de altura aparecer como verdadeira mágica na minha casa. ― O motivo pode ser que... você é minha esposa... Anne se viu ali, sendo segurada a poucos centímetros do colchão como se aquela posição não cansasse os braços masculinos. Ela o olhou dentro do silêncio, tentando achar algum vestígio de maldade naqueles orbes negros..., mas não havia... não quando Charles olhava para ela. ― Não temos aliança. ― Não ligamos para isso. ― Ele rebateu. ― Não? ― Anne engoliu em seco. ― Não. Nós ligamos... para o que sentimos. ― Charles tentava controlar o coração e a absurda vontade de jogar Anne na cama e cobri-la de beijos. ― Depois de ter me visto apenas uma hora por noite durante onze noites... Charles... é tão..., difícil acreditar... ― De repente, observava o semblante do homem mudando nitidamente, e era quase como arrancar sua coragem. ― Acreditar no quê? ― Ele foi frio. ― Acreditar que... ― Os olhos azuis se fecharam, Anne sentiu o corpo cair no colchão e as pernas de Charles separarem as suas até que seus quadris estivessem colados. ― Que.... que... ― Mas não ia conseguir completar aquela frase, porque ele estava perto demais. ― Está duvidando... do que eu sinto por você... ― O sussurro foi implacavelmente triste. Sua respiração batendo contra o rosto feminino. ― Eu... eu só... acho... que.... Isso... ― Ela respirou fundo. Não conseguia dizer sequer uma frase. Por mais que os olhos estivessem fechados, podia sentir o peso dos orbes negros sobre si como se fosse uma gravidade diferente, comprimindo seu corpo inteiro e esmagando sua coragem. ― É impossível...? 
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