07

4136 Words
  Ela caiu no sono depois que Charles desapareceu, sem dizer uma palavra. Ele sumiu, deixando em Anne a sensação daquele abraço completamente marcado, como uma queimadura, que mesmo depois de horas, ainda parecia arder exatamente como quando aconteceu. Quando ele envolveu os braços em torno das pernas femininas e a circundou em um silêncio sepulcral onde a escritora fora perfeitamente capaz de escutar a respiração forte e densa como uma nevoa, prestes a engoli-la. O cheiro de lavanda... O frio. Todas as memórias que ainda estavam frescas naquele início turbulento, fizeram com que se encolhesse, entre as cobertas, abraçando a si mesma em busca de um conforto único. O sonho que tivera fora estanho, mas sabia que aquilo sim era um fruto de sua imaginação. Charles não havia interferido, e ela ficou nadando durante quase toda a quimera, cansada, sem nunca ser capaz de chegar à praia.             O sol nasceu, mas continuou dormindo e já tinha passado da hora do almoço quando os olhos azuis enfim, se abriram lentamente; a visão ofuscada pela claridade que passava pelas grandes janelas de vidro. O silêncio era apenas quebrado pelos pássaros cantando lá fora, e o barulho dos cães que ainda estavam soltos. O corpo mole sentou na cama, e ela abraçou o travesseiro, sem a mínima vontade de sair de lá. Não queria levantar, não queria pisar no chão. Ela olhou o frasco sobre o criado-mudo e não pôde evitar um suspiro entristecido. Tinha dormido naquele sótão novamente. Dormido naquela cama.             Anne olhou para o piso ao lado da cama, envergando levemente o corpo para uma melhor visão. Estava desejando descaradamente ver Charles ali, sendo banhado pelos raios solares e com uma feição adormecida e tranquila... Mas já estava bem claro que isso era impossível, e a constatação a fez deitar de novo, se enrolar nas cobertas e fechar os olhos, se obrigando a dormir. Queria estar bem acordada naquela madrugada. Não ia perder nem um segundo. Queria falar com ele... queria... uma conversa sólida... algo que ditasse seu caminho a seguir... porque naquele momento, embrenhada nos edredons e travesseiros, Anne ainda se sentia perdida... Flutuando dentro das infinitas situações inescapáveis que assumir Charles em sua vida iriam ocasionar.             Mas não queria partir... não queria ir embora. Não queria deixar Charles naquela casa, fadado a condenar pessoas..., mas... se não o fizesse... isso queria dizer que estaria condenando a si mesma? Ainda fazia tão pouco tempo... E por mais que seus sentimentos fossem intensos, vibrando e florescendo em rápida velocidade... ainda assim tinha medo de ele carregar uma máscara... de que seus olhares, beijos, abraços e timbres fizessem parte de um plano frio para enlouquecê-la.             Se não quisesse que ela tivesse atirado no frasco bastava não o ter feito tremer. Nem fazer uma porção de barulhos para assustá-la. Se queria conhecê-la, por que tomava posse descaradamente de seu corpo em sonhos? Como esperava que olhasse para ele depois de sonhar aquelas coisas... Que inferno Charles estava pensando...? O que ele planejava...? O que ele queria de verdade...? Ela não conseguia parar de pensar nisso. Mas dormiu sem nem perceber quando aconteceu. Quando Anne sentiu a primeira respiração invadir seus pulmões, foi como se o ar fosse recheado de uma d***a que tirasse sua gravidade. O corpo feminino era franzino e pequeno, levitando a poucos centímetros daquele pasto verde e infinito. Os cabelos castanhos pareciam estar dentro da água, ondulando devagar. Havia um enorme céu azul o qual encarava agora. Um azul quase no mesmo tom que os olhos de Anne. Ela se perguntava se aquilo era Charles. O cenário. O som do vento passado pelas frestas do pasto. Ela usava um vestido que ia à altura do joelho. Simples, como os que gostava de usar para ficar em casa. Anne se lembrou de casa. Estava sonhando agora, mas o que estaria acontecendo? Não era como se tivesse algum controle ali, levitando em cima do pasto como se fosse apenas mais uma partícula daquele campo gravitacional. Seu coração palpitava em uma corrida sólida. Uma respiração rápida que não conseguia refrear e ficava cada vez mais clara. ― Você disse que não iria mais- ― Eu não estou interferindo, só invadindo, isso deve ser menos errado. ― A voz grossa e imponente estava baixa e suave, quase hesitante e Anne mordeu os lábios, vendo-o simplesmente aparecer bem ao seu lado, ombro com ombro. Por um momento, ficaram ali observando o céu azul que mais lembrava um ensolarado dia de verão. ― Quer dizer que estou sonhando com isso? Por que eu quero? ― Eu sou só um intruso aqui... ― Ele foi franco. ― Mas acho que você acabaria criando uma imagem minha. O pescoço delicado se inclinou levemente para encarar o perfil masculino. ― Talvez. ― Teve que ser honesta. ― Então você não é uma mera sabotagem da minha mente? ― Eu já assumi minha culpa. ― Charles virou o rosto também. Os orbes negros encontraram os azuis e os dois ficaram ali parados, com poucos centímetros separando suas faces enquanto levitavam em cima de um pasto tão verde quanto Anne nunca tinha visto na vida. ― Só queria ter certeza... ― Ela sussurrou, sem ter a mínima capacidade de desviar os olhos dos dele. Estava fadada a padecer àquele terrível feitiço que o olhar de Charles era. ― Você tem certeza agora. ― Mas o ruivo possuía um coração apertado. ― Por que deixou aquele bilhete, Anne? Ela ficou um pouco chocada com o quanto ele havia sido direto. Talvez fosse algo que estivesse enlouquecendo Charles nas outras horas. Ele parecia angustiado, com um desespero que tentava conter, mas disse tudo num tom profundo e rouco, com os orbes fincados aos dela como se nunca mais fossem sair daquele sonho. ― Porque agora eu sei de tudo. ― Isso era o que estava escrito. Acha que adorei o bilhete e fiz uma festa na casa durante o tempo que você desapareceu? ― Charles trincou os dentes, voltando os olhos para o céu. ― Desculpe.             ― Você não fez mesmo uma festa...? ― Anne sussurrou, contendo um sorriso e quase começou a rir quando ele a encarou novamente, dessa vez com um semblante nitidamente irritado. ― Estúpida... eu... ― O homem hesitou ali. Não queria demonstrar. Não queria envolvê-la ainda mais... não queria ter envolvido desde o início, mas continuou cometendo erros e mais erros e entrando em seus sonhos e criando maneiras de se conhecerem... não devia ter feito nada... não devia ter deixado Anne sequer saber sobre sua existência. Mas agora estavam ali, dentro da cabeça dela, em um sonho de sono profundo, difícil de sair, e o total controle estava nas mãos do subconsciente de Anne, que aos olhos de Charles, era algo absurdamente forte. ― Você o quê? ― Ela foi firme, sólida. Estava obstinada. ― Eu quase morri de preocupação, sua maldita mulher i*****l dos infernos... ― Escuta aqui seu fantasma e******o, rabugento e grosseiro, com quem acha que está falando? ― Anne levitou e o corpo girou, pendendo sobre o dele. Os olhos de Charles haviam se arregalado levemente. ― É melhor você morder a língua pra falar comigo... ― Vou morder a sua língua se não sair de cima. ― Sussurrou e ela omitiu um olhar surpreso. ― Não estou tocando você, Charles. ― Mas está perto. ― Ele trincou os dentes quando os olhos azuis se estreitaram e Anne desceu o corpo, pressionando os s***s contra o peito masculino. Charles nem sequer conseguiu respirar, sentindo a respiração da mulher contra o peito, o peso dela sobre o seu, completamente colada nele. O estômago do homem revirou. ― Mas não era isso... que você fazia comigo? Ficava perto... ― As mãos delicadas se esparramaram pelas laterais do corpo forte. Petrificado, tentando controlar a vontade de controlar, e aquilo era muito, muito difícil, principalmente quando tinha as mãos de Anne percorrendo seu peito e circundando seu pescoço até atingirem seus cabelos para puxá-los levemente. ― Ficava muito perto. ― Anne sussurrou, o hálito quente batendo contra a orelha masculina e Charles rangeu os dentes, sentindo cada músculo de seu corpo enrijecer. ― O que pensa que está... fazendo...? ― Ele engoliu em seco, levantando as mãos e segurando os braços femininos. Estava prestes a quebrar aquela antigravidade para jogar Anne no chão e tomar controle de seu sonho quando sentiu o corpo inteiro paralisar. Charles arregalou os olhos. Uma respiração grande e arfante foi dada enquanto Anne sorria. ― Estou dando o troco em você, Charles... ― A mulher sussurrou, roucamente, lentamente, enquanto colocava a ponta da língua para fora da boca, lambendo vagarosamente a orelha do ruivo, que só pôde fechar os olhos, completamente e******o, mas ao mesmo tempo, aterrorizado com a ideia de que mesmo tentando controlá-la, era ela que o fazia agora. Era como se invadir seus sonhos tivesse desenvolvido em Anne uma habilidade de exercer perfeitamente sonhos lúcidos e agora estava ali, incapaz de mover um músculo sequer, dentro da quimera dela, bem preso em suas mãos. E foi quando aconteceu. Quando a viu sorrir. Era algo diferente. Como se de repente, Anne tomasse conhecimento de tudo que podia fazer dentro daquele cenário e ela simplesmente voou. O peito masculino arfou quando a viu desaparecer no céu azul, límpido, e o vestido cair, assim como ele, no pasto verde.  Mas se a morena pensava que lidava com um reles qualquer, estava absolutamente enganada. Antes que o vestido pousasse naquela grama, Charles já se impulsionava com um raio, cortando os céus dos sonhos de Anne. Ele não estava para brincadeira enquanto um pouco mais à frente, a dona do mais belo sorriso que já vira, ria compulsivamente. Nunca tinha experimentado um sonho como àquele em toda a sua vida, era maravilhoso! Era isso que chamavam de sonho lúcido. Tinha plenos poderes de suas ações. Podia fazer qualquer coisa, porque aquilo tudo era um fruto de sua imaginação! Era como um parque de diversões particular, bem ali, ao alcance de um bom cochilo. E ela pensava justamente naquilo quando um vento reverso bagunçou seus cabelos e a virou, levitando. ― Parecemos dois super-heróis. ― Berrou aos risos e Charles arqueou as sobrancelhas. ― Voando desse jeito... ― Completou, girando o corpo no ar, lentamente, contemplando aquele cenário que ela mesma tinha criado. Charles não conseguia desviar os olhos da figura esguia. Era simplesmente incapaz. Ele notou-se dependente das próximas ações de Anne e aquilo o deixou atônito, apreensivo, unicamente porque não era capaz de ler os pensamentos dela. E dentro do mundo daqueles olhos azuis, era como um estranho indefeso. ― Eu posso até... ― Ela apontou para o homem, mas o que mudou foi o que Anne vestia, e Charles cerrou os punhos, flutuando logo a frente, contemplando um maravilhoso lingerie se materializar no corpo feminino, enquanto os cabelos dela levitavam, traçando-se sozinhos até formarem um penteado que destacava o olhar firme que mantinha naquele momento. Charles notou o espartilho preto, cobrindo os s***s fartos e acentuando a cintura fina e quadril avantajado. A calcinha de renda branca tinha se tingido de n***a, ligada à uma meia quase transparente. Ele respirou, quando uma capa surgiu nas costas de Anne. ― E agora... ― Ela estalou os dedos, começando a rir quando as vestes de Charles simplesmente evaporaram, e tudo que ele conseguiu fazer foi tentar se cobrir da maneira que pôde. ― Anne! Mas que infernos está acontecendo? O que... ― Antes que pudesse continuar, foi subitamente vestido por um smoking preto, sapatos lustrados e um... ― Machado? Mas a escritora continuou rindo. Apesar do ruivo nunca ter ido tão longe, nenhum dos dois ligava para limites. ― Vamos lutar, Charles?             ― O que? ― Ele franziu o cenho.             ― Eu sempre quis fazer isso... ― Anne sussurrou e esticando o braço esquerdo, abriu a mão, e uma enorme lança começou a se materializar até adquirir peso. ― Se sabe dançar tango, eu sei fazer isso também... ― Ela estreitou os olhos na direção dos orbes negros. ― Certo? ― Lutar? ― Charles quis se certificar. ― Você deve estar ficando maluca. ― Então eu vou te dar um propósito. ― Tentando não avançar, apontou a lança pesada em direção ao corpo do homem que levitava a dois metros de distância. ― Se você vencer... eu... ― Anne hesitou ali, olhando para os olhos negros. Sério, como se aquilo não fosse um sonho. Mas era o que era, e apesar de discordarem, o fato era imutável. ― Se você vencer, Charles... eu fico. Mas se perder... eu vou embora. Naquele segundo, Charles congelou. Paralisado pela surpresa. Eles ficaram se olhando por alguns segundos enquanto tentava, em vão, acalmar o próprio coração. ― Então é assim. Você tem tudo sobre controle... ― A voz masculina sussurrou, e seu tom havia mudado. ― Tenho. ― Anne afirmou, mas era uma mentira. ― E se você- As palavras simplesmente desapareceram quando ela o viu avançar e teve que pensar muito rápido para voar alto e escapar da eminente lambida do machado de Charles contra seu pescoço. Uma risada escapou pela boca feminina enquanto ela voava velozmente pelo céu. A sensação era maravilhosa. Absurdamente estonteante. A adrenalina, a perseguição, a sensação que sentiu ao ver a mudança nos orbes negros depois de ter tomado uma decisão. Ele parecia outra pessoa. Uma pessoa que não media esforços e quando olhou para trás, perdeu a respiração. A mão masculina segurou seu braço e eles giraram no ar como um carro capotando. O coração feminino estava desenfreado, batendo forte o suficiente para desestabilizá-la e precisou de uma respiração profunda para tomar novamente o controle e chutar o peito masculino. Anne tomou distância, ofegante, se virou para observá-lo chegar. Agora ambos viam a brincadeira como algo sério. Um propósito, e Charles queria vencer aquela luta tanto quanto ela, secretamente, queria perder. Mas não entregaria a batalha mental que ambos travavam num universo paralelo que nenhum cientista do mundo era capaz de identificar. Os braços se enrijeceram e ela segurou a lança firme. Não podia hesitar, assim como o ruivo não hesitava, porque ele queria vencer. Mas Anne não queria ganhar. Ela trincou os dentes e com o cenho franzido, partiu para o ataque, fingindo uma coragem indomável. Mas a lâmina do machado cortou a lança como se fosse um fio de cabelo, e o susto e o baque a fizeram largar o resto da arma, um pouco surpresa. Naquele milésimo de segundo, antes mesmo que pudesse sequer piscar, Charles jogou o machado longe e se impulsionou em direção ao corpo da mulher que, sem qualquer reação, foi abraçada enquanto ambos adquiriam peso e caíam em queda livre os cem metros que tinham voado em direção ao céu. Notou-se completamente inútil ali, caindo, perdendo todos os poderes que achava ter. Era como se tivesse voltado a ser uma reles humana prestes a ser estraçalhada no chão. Sentia os braços masculinos lhe envolverem e notou que era Charles que a levava para baixo. Ela segurou os ombros dele e o viu encará-la. Os cabelos vermelhos esvoaçavam, se misturavam com os longos castanhos de Anne naquele vento ensurdecedor que fazia seu coração pular sem parar. ― Eu venci! ― Ela leu os lábios masculinos antes que Charles tomasse seus lábios, num beijo desesperado que durou apenas um milésimo até atingirem o chão e Anne sentir seu corpo afundar na terra. Acordou soltando um grito. No peito, o coração batendo desenfreado. Passou as mãos pelos cabelos, suando, olhou para os lados. Estava em casa. Por todos os infernos, o que fora aquilo...? E então... Anne parou. Um pouco nervosa, ela percorreu com os olhos o cômodo inteiro vagarosamente até achar o relógio e foi como se aquele simples e inocente gesto fizesse o aparelho criar vida e começar a apitar enquanto o ponteiro se mexia para indicar três da manhã em ponto. Sentiu o ar desaparecer dos pulmões e precisou de dois segundos para esticar o braço e parar o despertador. Suas veias ainda pareciam bombear a adrenalina que sentira naquele sonho ao se sentar na cama, o silêncio percorrendo cada fibra de seu corpo. Os olhos azuis procurando no cômodo a figura alta e assombrosa que não lhe dava mais medo. Levantou-se da cama com os pés colados ao piso de madeira e estava prestes a sair do quarto quando a voz grossa lhe atravessou os tímpanos. ― Onde pensa que vai? ― Anne quase pulou, assustada, girando os calcanhares para encontrar Charles do lado de fora, sentado no telhado com a mãos apoiadas no parapeito da janela. ― Ia procurar você. ― Ela foi franca, começando a andar em direção à vidraça. ― Eu venci. ― Com algum bom humor escondido, ele sussurrou; havia um meio sorriso nos lábios. A barba vermelha deixava os traços ainda mais masculinos. Anne parou em frente à janela. ― Eu deixei você vencer. ― O corpo feminino se abaixou e ambos ficaram na mesma altura. Os olhos negros lhe encararam em dúvida. ― Não está falando sério. ― Tudo bem, não estou... ― Ela sussurrou, tentando conter um sorriso. No fundo, estava feliz, por estar ali, naquele exato momento, olhando aquela feição e escutando sua voz rouca. ― Mas você venceu... ― E você se divertiu... ― É o que supostamente devemos fazer em sonhos, não? ― Anne pulou para fora e deixou que o corpo caísse desajeitadamente nas telhas cheias de musgo. O céu estava estrelado como na noite anterior. Ela o viu deitar ao seu lado, exatamente como estavam deitados naquele sonho, levitando sobre o pasto. Anne continuou olhando as estrelas que brilhavam no manto n***o acima de suas cabeças. ― Eu sinto muito. ― Hm? ― Entortou um pouco a cabeça para observar melhor o homem que também olhava as estrelas. ― Eu estive sendo um ser terrível esse tempo todo... ― A confissão veio em um fio de voz. ― Estive sendo o pior dos demônios, o mais terrível dos fantasmas... aquele que todos devem ficar bem longe. E eu sempre adorei isso... Anne não pôde evitar em se virar completamente para ele, sentando-se no telhado. ― Tudo que fiz foi passar de um garoto rebelde para um homem mau... E foi quase como se eu nem pudesse sentir essa mudança... porque era o que me fazia sentir melhor... Os lábios femininos foram mordidos silenciosamente, enquanto ela observava o homem falar palavras com uma expressão tenebrosamente impassível. ― Direta ou indiretamente, fui o responsável por toda a desgraça que já aconteceu dentro dessa casa. Todo mundo que morreu, que ficou maluco. Pelos órfãos e todas as brigas. Eu fui o culpado. ― Eu sei. ― A voz feminina soou baixa. ― Eu sei que foi. ― E mesmo assim vai ficar? ― Ele a encarou, um semblante triste, e Anne respirou profundamente. ― Sim. ― Sorriu. ― Você vai me m***r? ― É claro que não. ― Vai me deixar maluca e fazer as pessoas me tirarem daqui em uma camisa de força? ― Não... ― Charles franziu o cenho. ― Então eu vou ficar... E sabe por quê? ― ... por quê...? ― O homem murmurou, seu coração batia forte, no estômago um furacão que estava tirando tudo do lugar. ― Porque isso me faz sentir melhor... Aquelas palavras fizeram cada músculo existente no corpo masculino enrijecer, repuxando cada fibra, e os olhos fincaram-se aos dela. ― Como... pode se sentir melhor? ― Você faz isso, ainda não percebeu? Não se faça de tonto... ― Não estou me- ― Então você sabe... ― Ela o interrompeu. Estava envergonhada. Anne abraçou os joelhos, desviando os olhos dos de Charles. ― Você sabe que... eu vou ficar. Mesmo que digam que você vai me m***r ou me deixar maluca... ― Eu não quero que isso aconteça..., mas eu... eu não sou humano, Anne... eu nem mesmo sei o que sou. Meus propósitos aqui. ― Ele sentou também, encarando a figura que fugia de seus olhos. ― Será que você consegue conviver com esse fato...? De um intruso habitar sua casa durante uma hora toda madrugada? ― Você não é um intruso, Charles... ― Anne o encarou, o rosto escorado levemente nos joelhos enquanto as mechas caiam pela face alva. ― Você é o verdadeiro dono... desse lugar. Ele se impressionava com a capacidade que Anne tinha de fazer aquilo. De causar uma verdadeira guerra de sentimentos dentro dele. Não queria que nada de m*l acontecesse com ela... não queria que ficasse maluca. Não queria que acabasse se matando enquanto estava longe demais de seu alcance. ― E como dono... ― Charles despertou com o toque doce da mão feminina pousando em seu ombro direito. ― Você pode começar de novo. Você... pode achar que não, Charles..., mas eu acho... que está se tornando alguém melhor... A cada noite que se passa- ― Desde que você chegou aqui. ― Ele a interrompeu. ― Sim... ― Eu suspeitei que talvez você não tivesse atração por monstros aterrorizantes... ― Então está assumindo que quis chamar minha atenção? ― Anne sorriu diante da expressão envergonhada, conforme ele silenciosamente, abraçava a mão feminina. ― Só não contava que você atirasse. ― Você provocou, admita... ― Ela riu, um pouco sem jeito. E a conversa daquela noite foi calma, e tão leve que ambos tiveram a sensação de que estavam dentro de algum sonho. Mas não. Os minutos continuaram passando rápido e com alguma ingenuidade, ambos passaram um bom tempo trocando olhares e confissões. Depois de algum tempo, um silêncio bom caiu sobre eles. Um tipo de pausa que oferecia apenas pensamentos e introversões positivas à mente. Mas sentindo o peso daqueles olhos sobre si, Anne não conseguiu ficar calada por muito tempo. ― Eu quase morri quando te vi pela primeira vez... ― Confessou, rindo da cara que ele fez. ― Tinha certeza que ia morrer... Foi algo tão incrível, inédito e inacreditável que pensei que fosse desmaiar ali e acordar para descobrir se Deus existe mesmo ou não... ― Anne olhava para os orbes negros com tranquilidade, mas seu coração batia acelerado, unicamente porque sabia que o tempo estava passando. ― Você parecia tão mau... E eu quis mesmo correr..., mas então me lembrei daquele sonho... E meus olhos caíram para as suas mãos e elas pareciam tão iguais... às que existiam... naquele sonho... ― Sua voz tinha ficado embargada, hesitante. Talvez a palavra certa fosse hesitante, de certo estava, tomada pelo súbito nervosismo que a lembrança das mãos masculinas percorrendo seu corpo causava. ― Eram mãos fortes... ― Anne sussurrou, segurando a mão de um silencioso, porém completamente atônito fantasma. ― Como as suas... Mas não era de ferro. Era quase tão humano quanto a morena. E Charles não conseguiu evitar: levantou a mesma mão que ela abraçava para acariciar o rosto feminino, lentamente, tentando fazer com que seus dedos rudes não machucassem a face delicada. Os olhos azuis caíram sobre ele como bombas atômicas e os pelos da nuca masculina se arrepiaram, sendo tomado por um calafrio que fez seu corpo se inclinar levemente em direção ao de Anne. ― Eu não quero ter que dormir para que me toque assim... ― As palavras que saíram da boca doce o fizeram apertar levemente o rosto dela enquanto levantava a outra mão e seu nariz tocava o delicado da morena. ― Eu não quero ter que invadir sua cabeça para fazer isso... ― Sussurrou de volta, antes de beijá-la. Um beijo calmo, mas que derrubou Anne em dois segundos, e logo estavam ali, num telhado cheio de musgos no meio da madrugada sentindo algo que nenhum dos dois havia experimentado antes. Quando se separaram, à procura de ar, Anne m*l pôde acreditar que Charles ainda não tinha desaparecido, foi como se Deus tivesse decidido atender seu pedido, finalmente, e parado o tempo. ― Charles... ― Chamou, ele estava sobre si, os braços fortes apoiavam o corpo que roçava o quadril ao de Anne. ― O que...? ― Se todas as noites forem assim... Não me importo... de ficar nessa casa para sempre. Charles sorriu, encostando a testa de ambos. ― De repente... ― Ele sussurrou, o hálito batendo contra o rosto dela. ― É como se existir realmente valha a pe- Mas como se feito de nada, Charles desapareceu, e sua palavra foi cortada no ar como se Deus tivesse o apagado da face da terra. Num piscar de olhos, como sempre, enquanto Anne não esperava, por mais que ficasse sempre aguardando aquele maldito momento. Teve vontade de chorar. Já sentia saudade. Queria abraçá-lo, queria dormir aninhada ao peito de pelos ruivos... ..., mas a única coisa que eu posso fazer agora... Anne pensou, enquanto se levantava, o coração batendo rápido conforme o cheiro de lavanda desaparecia. .... É sonhar...
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