PT. IV Tenho que te contar

2790 Words
Ficamos vislumbrado com a situação o suficiente para esquecer a discussão. O bar há alguns minutos estava cheio, embora melancólico. A rua estava ficando coberta com uma neblina misteriosa e as luzes ficaram com uma coloração estranha. O local aos poucos mudava, conforme buscássemos algum encontro com o mundo que estávamos, mais distante ficávamos. A neblina aumentava e tudo envolta ficava ainda mais imperceptível, só podíamos contar um com o outro. Nos apertávamos ainda mais até aquilo se dissipar ou diminuir o suficiente para enxergarmos. A neblina ficou rapidamente intensa, mas brevemente permaneceu no local que nos cercava, da mesma forma que sua aparição misteriosa entrelaçou-se entre vossos pensamentos com o medo, ela sumiu e nos deixou alerta. O local estava ainda mais diferente: o bar, as casas e até rua estavam envelhecidos. As luzes com sua coloração amarelada, o céu sem estrela alguma e sem lua e a sensação estranha que eu sentia. Cecília atônita, apenas sondava interminavelmente todo a rua, entrou no restaurante e olhou da outra esquina, mas tudo estava vazio e sombrio. Ela engolia a seco como se aquilo fosse novidade, o que irritava mais Caio. Após analisar e encarar o fato com muita dificuldade, Cecília diz quase inaudível: - Seteálem... - Pode ser mais clara? – pergunta Caio impacientemente e aborrecido, como se não tivesse escutado suas palavras. - Seteálem é um universo paralelo. Ele fez isso... - Você faz o que faz e isso ainda lhe impressiona? Uau! - Acontece que é a primeira vez que sou arrastada até aqui. Isso é culpa de vocês! - É fácil, é só irmos para sua casa. Pelo visto... – Caio rumou em direção da casa de Cecília e prosseguiu: você não é tão boa no que faz. Sua casa não tem selos ou sei lá o quê? Estaremos protegidos. E bebemos chá. - Você não é tão inteligente, pelo visto – retrucou Cecília enquanto procurava algo em sua pequena bolsa. - Vamos até lá, qual é o medo? - Nada, mas se o selo do chá não serviu, significa que é fraco contra o que estamos lidando. - Tá aí algo que devo concordar. – Retrucou sarcasticamente. - Poupe-me de sua idiotice! Tomei dianteira, me aproximei dos dois a fim de apaziguar a situação: - Gente, agora realmente não é hora. Cecília, vamos ao menos tentar. É pertinho..., por favor. Cecília ficou titubeante, mas após uma breve reflexão, consentiu. Antes de partirmos, advertiu: - A casa pode ter sumido, mas vamos. Por isso não quero e acho que será perca de tempo. - Disse que o selo que estávamos era fraco, podemos descobrir se o selo que usa na sua casa é forte assim. – retrucou Caio todo repleto de graciosidade e sarcasmo. - Claro que o de casa é forte, isso é que nem você presentear o melhor para seu amigo e ficar com o pior. Casa é casa, rua é rua. Não posso me desgastar como imagina, todos os dias, sabendo que posso sempre voltar ao meu lar. - Talvez eu não possa mais... – retruquei veementemente triste por causa da situação incerta, cabisbaixo, fadigado a ponto de desistir de tudo. Cecília se aproximou de mim domada por sua fúria e indignada pela minha atitude de desânimo e tentou me encorajar do seu jeito: - Não vai terminar sua história sem ao menos deixar na metade, certo? Veio me procurar e estamos aqui pelo mesmo motivo. Se ele fez isso, significa que podemos fazer algo maior do que ele imagina..., algo que deve estar distante do mundo em que vivemos. Algo que notei quando comentou sobre Seteálem – Cecília caminhou a frente enquanto falava, com a mão no queixo; rumo à sua casa – ele sempre tenta afastar você do mundo que estava como se quisesse cortar vínculos e dar vantagem a ele, já que esse mundo ele conhece. Não somente isso: ele pode controlar os espíritos que estão aqui. - Acha que somos especiais? - Acho que você tem alguma coisa além da vida alegre que você tem, só não sabe. - Então sou especial? Cecília só bufou e bradou: - Só vamos até minha casa! Ao chagarmos no destino, casa sumiu sem deixar rastros, como se nunca estivesse ali. Todas as residências do bairro estavam ali, exceto a casa de Cecília e o restante de seus pertences que ela mencionou no percurso que iria precisar para lidar com o local. Sua expressão mudou repentinamente para algo mais preocupado que ainda tentava afugentar-se no autocontrole de tudo. Cecília apenas nos fitou. Quando estava prestes a falar, escutamos um barulho de algo rastejando em nossa direção. Todos paramos e encaramos o local escuro, cautelosos e amedrontados esperando pelo pior e se preparando. O barulho fica mais alto e outros sons vinham, como cochichos e até alguns risos. Olhávamos envolta em busca de saída além do caminho de volta, mas não havia muitas opções. Quando eu e Caio gritamos “VAMOS SAIR DAQUI”, Cecília gritou para esperarmos e completou um pouco preocupada, como se soubesse quem realmente é: - Não é quem estão pensando que é..., - Não quero pagar pra ver! - Calma! É mais um espírito aprisionada por Victor. Deve ter sido condenado a rastejar por aí com algum artifício para torturá-lo. Ficamos alerta e prontos para correr, Caio ainda dizia “vamos logo, estamos ficando sem tempo”, mas Cecília dava de ombros e apenas esperou a criatura entrar na luz amarelada para enxergarmos ela. Quando finalmente chegou, pudemos ver ela acorrentada arrastando-se de joelhos, com sua boca costurada e chorando sangue com seus olhos negros. Ela parecia implorar por algo, mas era inaudível. Caio gritou “p**a m***a, MATEM ELE”, mas Cecília o repreendeu enquanto se aproximava da criatura: - E se fosse você no lugar?! Não enxerga alguém desesperado por ajuda, não é? - De repente eu vejo todos os dias algo assim, não é? Além disso, por que ele veio do nada até nós? - Porque somos os únicos que podem ajudar. Cecília se aproximou do indigente acorrentado aterrado em sôfrego, clamando em grunhidos por sua liberdade. Ela tocava seus lábios costurados, suas correntes e olhava para o restante de suas úlceras. Após olhar tudo, ela nos chamou para ajudá-lo sentar-se, enquanto descosturava sua boca com uma pequena faca que tinha na bolsa. Quando finalmente tirou todas as costuras, a criatura apenas olhou para cima em busca de alguma coisa pelo céu apático. Seu olhar para lá era tão curioso e misterioso que logo ganhou nossa atenção. Era proporcionalmente profundo, como se buscasse respostas ou estivesse lendo algo que ninguém mais podia enxergar. Continuamos a cuidar dele como podíamos enquanto ele encarava o céu. Não demorou muito para Caio se incomodar e questionar Cecília sobre o caso: - Por que ele está olhando para cima? - Não sei..., mas ele está aliviado. - Fizemos a coisa certa então? - Deguste a sensação, se possível em silêncio. – Retrucou rispidamente Cecília enquanto mantinha sua concentração. A criatura, ou o espírito de seja lá quem for, logo fez uma expressão diferente: ele sorriu exibindo seus dentes pontiagudos, ainda com suas lágrimas ensanguentadas despencando de seus olhos, e disse solenemente com suas palavras misteriosamente fantasmagóricas e perturbadores: - Esses olhos continuarão mortos mesmo livres, continuarão em profunda agonia e desespero porque se arrependeram mais que viveram. Quem dera pudesse vislumbrar tudo mais uma vez... antes de tudo..., antes que ele viesse, pelo menos. – Entrando em prantos por relembrar onde estava e o que tinha acontecido. A criatura ficava ainda mais inquieta, trêmula como se estivesse com frio. Aos poucos nos afastávamos enquanto a criatura começara vomitar sangue com uma coloração ainda mais escura, acompanhado de outras coisas que não podíamos distinguir. Encarávamos Cecília em busca de respostas quanto aquilo, mas estava tão perplexa quanto nós. A criatura soltou um grito tão estridente que fez com que tapássemos nossos ouvidos rapidamente, mas ainda podíamos escutar e o som ecoava interminavelmente. Ela levantava forçando seus braços contra a corrente a fim de rompê-las, causando ainda mais ferimento. As correntes apertavam ainda mais seus braços e seu corpo, a ponto que começara adentrá-lo. Cecília recuou um pouco mais até onde estávamos e disse horrorizada: - Eu senti..., ele, mas ele..., estava em agonia, estava sendo honesto... Caio pegou no ombro de Cecília e disse precisamente: - Não temos tempo para perguntar agora, temos que sair daqui imediatamente. Quando estávamos prestes a sair do local, escutamos um assobio calmo se alastrar, juntamente com passos calmo. O assobio cessou, os passos se aproximaram mais com a sensação familiar de do que estava por vir. A voz penetrante e pomposa soou por todo lugar, mencionando primeiramente nossos nomes: - Cecília, Caio e..., Marcos. Admito que não esperava vê-la aqui, tão próxima de mim. Inúmeras vezes tentei contactá-la, Fabrício contou – Seus passos cessaram e seu rosto ficou visível para todos nós. Era ele... Victor. - Vocês cantarolam tanto como sabiá, mas agora suas vozes dissiparam-se com o nevoeiro que estava aqui. Imaginei que fossem mais fortes, mas são só uns cachorrinhos que latem sem parar, sendo ainda mais irritante – Victor andava envolta da Criatura, que só choramingava e dizia “por favor” repetidamente. De forma impaciente, Victor segurou a cabeça da criatura com as duas mãos e bradou quase salivando: - CALA A BOCA E PARA DE CHORAR! – e o arremessou contra o chão. - Você soltou a boca desse chorão que só serviu para trazer-me até aqui. Essas... – Victor foi em direção a cabeça da criatura e recostou seu pé: eles só servem pra se lamentarem, chorar e sonhar. São mais fúteis que vocês, TODOS vocês. Aliás..., você me deu dor de cabeça, Marcos. Seu amigo está bagunçando tudo por aí. Não é simples quando – enquanto falava, mais pressionava a cabeça da criatura, que só choramingava mais – todos devem simplesmente aceitar e seguir em frente?! NÃO! Todos têm que complicar tudo, tudo e tudo – Victor pressionou tanto que logo seus olhos soltaram e a cabeça da criatura explodiu, emitindo um som estridente que ecoava pelo lugar inteiro, um som similar a um grunhido de porco. Logo, Victor prosseguiu: Talvez transforme todos em Atormentados e condene todos a chorar por aí e implorar por um vislumbre de liberdade, de vida..., o que acham? De qualquer forma... – Victor preencheu seus olhos com a mesma cor preta da criatura, pressionou seus punhos enquanto olhava para cima e respirou fundo, tentando absorver algo além da própria atmosfera ou que não podíamos enxergar e exclamou: - Decidi para de brincar. Daqui não sairão mais e darei um fim nessa desordem que estão causando. Victor nos fitou profundamente, expondo suas palmas e sinalizando para outras coisas virem até onde estava. Em seguida, enquanto as outras criaturas com olhos negros e bocas costuradas se aproximavam emitindo sons de agonia, enquanto algumas proclamavam “LIBERDADE”, Victor preparava-se para avançar para atacar-nos sou arrastada até aqui. Isso é culpa de vocês! - É fácil, é só irmos para sua casa. Pelo visto... – Caio rumou em direção da casa de Cecília e prosseguiu: você não é tão boa no que faz. Sua casa não tem selos ou sei lá o quê? Estaremos protegidos. E bebemos chá. - Você não é tão inteligente, pelo visto – retrucou Cecília enquanto procurava algo em sua pequena bolsa. - Vamos até lá, qual é o medo? - Nada, mas se o selo do chá não serviu, significa que é fraco contra o que estamos lidando. - Tá aí algo que devo concordar. – Retrucou sarcasticamente. - Poupe-me de sua idiotice! Tomei dianteira, me aproximei dos dois a fim de apaziguar a situação: - Gente, agora realmente não é hora. Cecília, vamos ao menos tentar. É pertinho..., por favor. Cecília ficou titubeante, mas após uma breve reflexão, consentiu. Antes de partirmos, advertiu: - A casa pode ter sumido, mas vamos. Por isso não quero e acho que será perca de tempo. - Disse que o selo que estávamos era fraco, podemos descobrir se o selo que usa na sua casa é forte assim. – retrucou Caio todo repleto de graciosidade e sarcasmo. - Claro que o de casa é forte, isso é que nem você presentear o melhor para seu amigo e ficar com o pior. Casa é casa, rua é rua. Não posso me desgastar como imagina, todos os dias, sabendo que posso sempre voltar ao meu lar. - Talvez eu não possa mais... – retruquei veementemente triste por causa da situação incerta, cabisbaixo, fadigado a ponto de desistir de tudo. Cecília se aproximou de mim domada por sua fúria e indignada pela minha atitude de desânimo e tentou me encorajar do seu jeito: - Não vai terminar sua história sem ao menos deixar na metade, certo? Veio me procurar e estamos aqui pelo mesmo motivo. Se ele fez isso, significa que podemos fazer algo maior do que ele imagina..., algo que deve estar distante do mundo em que vivemos. Algo que notei quando comentou sobre Seteálem – Cecília caminhou a frente enquanto falava, com a mão no queixo; rumo à sua casa – ele sempre tenta afastar você do mundo que estava como se quisesse cortar vínculos e dar vantagem a ele, já que esse mundo ele conhece. Não somente isso: ele pode controlar os espíritos que estão aqui. - Acha que somos especiais? - Acho que você tem alguma coisa além da vida alegre que você tem, só não sabe. - Então sou especial? Cecília só bufou e bradou: - Só vamos até minha casa! Ao chagarmos no destino, casa sumiu sem deixar rastros, como se nunca estivesse ali. Todas as residências do bairro estavam ali, exceto a casa de Cecília e o restante de seus pertences que ela mencionou no percurso que iria precisar para lidar com o local. Sua expressão mudou repentinamente para algo mais preocupado que ainda tentava afugentar-se no autocontrole de tudo. Cecília apenas nos fitou. Quando estava prestes a falar, escutamos um barulho de algo rastejando em nossa direção. Todos paramos e encaramos o local escuro, cautelosos e amedrontados esperando pelo pior e se preparando. O barulho fica mais alto e outros sons vinham, como cochichos e até alguns risos. Olhávamos envolta em busca de saída além do caminho de volta, mas não havia muitas opções. Quando eu e Caio gritamos “VAMOS SAIR DAQUI”, Cecília gritou para esperarmos e completou um pouco preocupada, como se soubesse quem realmente é: - Não é quem estão pensando que é..., - Não quero pagar pra ver! - Calma! É mais um espírito aprisionada por Victor. Deve ter sido condenado a rastejar por aí com algum artifício para torturá-lo. Ficamos alerta e prontos para correr, Caio ainda dizia “vamos logo, estamos ficando sem tempo”, mas Cecília dava de ombros e apenas esperou a criatura entrar na luz amarelada para enxergarmos ela. Quando finalmente chegou, pudemos ver ela acorrentada arrastando-se de joelhos, com sua boca costurada e chorando sangue com seus olhos negros. Ela parecia implorar por algo, mas era inaudível. Caio gritou “p**a m***a, MATEM ELE”, mas Cecília o repreendeu enquanto se aproximava da criatura: - E se fosse você no lugar?! Não enxerga alguém desesperado por ajuda, não é? - De repente eu vejo todos os dias algo assim, não é? Além disso, por que ele veio do nada até nós? - Porque somos os únicos que podem ajudar. Cecília se aproximou do indigente acorrentado aterrado em sôfrego, clamando em grunhidos por sua liberdade. Ela tocava seus lábios costurados, suas correntes e olhava para o restante de suas úlceras. Após olhar tudo, ela nos chamou para ajudá-lo sentar-se, enquanto descosturava sua boca com uma pequena faca que tinha na bolsa. Quando finalmente tirou todas as costuras, a criatura apenas olhou para cima em busca de alguma coisa pelo céu apático. Seu olhar para lá era tão curioso e misterioso que logo ganhou nossa atenção. Era proporcionalmente profundo, como se buscasse respostas ou estivesse lendo algo que ninguém mais podia enxergar. Continuamos a cuidar dele como podíamos enquanto ele encarava o céu. Não demorou muito para Caio se incomodar e questionar Cecília sobre o caso: - Por que ele está olhando para cima? - Não sei..., mas ele está aliviado. - Fizemos a coisa certa então? - Deguste a sensação, se possível em silêncio. – Retrucou rispidamente Cecília enquanto mantinha sua concentração. A criatura, ou o espírito de seja lá quem for, logo fez uma expressão diferente: ele sorriu exibindo seus dentes pontiagudos, ainda com suas lágrimas ensanguentadas despencando de seus olhos, e disse solenemente com suas palavras misteriosamente fantasmagóricas e perturbaras:
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