A que custo...

1989 Words
- Esses olhos continuarão mortos mesmo livres, continuarão em profunda agonia e desespero porque se arrependeram mais que viveram. Quem dera pudesse vislumbrar tudo mais uma vez... antes de tudo..., antes que ele viesse, pelo menos. – Entrando em prantos por relembrar onde estava e o que tinha acontecido. A criatura ficava ainda mais inquieta, trêmula como se estivesse com frio. Aos poucos nos afastávamos enquanto a criatura começara vomitar sangue com uma coloração ainda mais escura, acompanhado de outras coisas que não podíamos distinguir. Encarávamos Cecília em busca de respostas quanto aquilo, mas estava tão perplexa quanto nós. A criatura soltou um grito tão estridente que fez com que tapássemos nossos ouvidos rapidamente, mas ainda podíamos escutar e o som ecoava interminavelmente. Ela levantava forçando seus braços contra a corrente a fim de rompê-las, causando ainda mais ferimento. As correntes apertavam ainda mais seus braços e seu corpo, a ponto que começara adentrá-lo. Cecília recuou um pouco mais até onde estávamos e disse horrorizada: - Eu senti..., ele, mas ele..., estava em agonia, estava sendo honesto... Caio pegou no ombro de Cecília e disse precisamente: - Não temos tempo para perguntar agora, temos que sair daqui imediatamente. Quando estávamos prestes a sair do local, escutamos um assobio calmo se alastrar, juntamente com passos calmo. O assobio cessou, os passos se aproximaram mais com a sensação familiar de do que estava por vir. A voz penetrante e pomposa soou por todo lugar, mencionando primeiramente nossos nomes: - Cecília, Caio e..., Marcos. Admito que não esperava vê-la aqui, tão próxima de mim. Inúmeras vezes tentei contactá-la, Fabrício contou – Seus passos cessaram e seu rosto ficou visível para todos nós. Era ele... Victor. - Vocês cantarolam tanto como sabiá, mas agora suas vozes dissiparam-se com o nevoeiro que estava aqui. Imaginei que fossem mais fortes, mas são só uns cachorrinhos que latem sem parar, sendo ainda mais irritante – Victor andava em volta da criatura, que só choramingava e dizia “por favor” repetidamente. De forma impaciente, Victor segurou a cabeça da criatura com as duas mãos e bradou quase salivando: - CALA A BOCA E PARA DE CHORAR! – e o arremessou contra o chão. - Você soltou a boca desse chorão que só serviu para trazer-me até aqui. Essas... – Victor foi em direção a cabeça da criatura e recostou seu pé: eles só servem pra se lamentarem, chorar e sonhar. São mais fúteis que vocês, TODOS vocês. Aliás..., você me deu dor de cabeça, Marcos. Seu amigo está bagunçando tudo por aí. Não é simples quando – enquanto falava, mais pressionava a cabeça da criatura, que só choramingava mais – todos devem simplesmente aceitar e seguir em frente?! NÃO! Todos têm que complicar tudo, tudo e tudo – Victor pressionou tanto que logo seus olhos soltaram e a cabeça da criatura explodiu, emitindo um som estridente que ecoava pelo lugar inteiro, um som similar a um grunhido de porco. Logo, Victor prosseguiu: Talvez transforme todos em Atormentados e condene todos a chorar por aí e implorar por um vislumbre de liberdade, de vida..., o que acham? De qualquer forma... – Victor preencheu seus olhos com a mesma cor preta da criatura, pressionou seus punhos enquanto olhava para cima e respirou fundo, tentando absorver algo além da própria atmosfera ou que não podíamos enxergar e exclamou: - Decidi para de brincar. Daqui não sairão mais e darei um fim nessa desordem que estão causando. Victor nos fitou profundamente, expondo suas palmas e sinalizando para outras coisas virem até onde estava. Em seguida, enquanto as outras criaturas com olhos negros e bocas costuradas se aproximavam emitindo sons de agonia, enquanto algumas proclamavam “LIBERDADE”, Victor preparava-se para avançar para atacar-nos. Sua velocidade era estupenda, não foi possível enxergar seu movimento que era acobertado por fumaça que se dissipava em sincronia com seus movimentos. Quando chegou até nós, senti sua mão fria tocar-me e puxar em sua direção, também senti sua mão fria com um sentimento vazio transbordando-me. As palavras escapavam de qualquer tipo de distinção sobre aquilo, mas como um naufrágio, aquilo afundava-me cada vez mais para algum lugar que mais escurecia, já estava pronto para afogar-me, quando de repente, ouço um grunhido de dor indistinguível, mas não era humano. Senti apenas meu corpo declinando rapidamente e a sensação de acordar de um sonho – antes da dor que estava prestes a sentir ao despencar no chão. Foi uma dor estridente atrás da cabeça que senti após o impacto com uma leve tontura, assim que olhei em volta e a minha dor foi perdendo a significância ao repassar a situação como um filme, olhei a minha volta e só vi Victor se contorcendo como se estivesse em chamas e vi seus “lacaios” correndo em nossa direção. Cecília e Caio me puxaram de forma abrupta, sem realizar pergunta alguma e saímos correndo o mais rápido que podíamos. As criaturas grunhiam sem parar, a rua ficava mais estranho conforme corríamos; as casas ficavam tortas, assim como a rua. As luzes piscavam sem parar e o som das criaturas e nossas respirações pareciam mais alto que o normal. Corríamos, corríamos e corríamos sem rumo em busca de um porto seguro para nos abrigar da própria noite e suas criaturas das trevas famintas. Corremos tanto que nem percebemos quando simplesmente todos aqueles estardalhaços desapareceram do nada. Só paramos quando encontramos uma casa qualquer aparentemente abandonada, com a porta aberta e com um pouco de luz. Adentramos sem pensar duas vezes e nos recostamos na parede para recuperar o fôlego. Descansamos muito mais que nossos corpos durante aqueles minutinhos, degustamos até cada segundo também para pensar nos próximos passos e o que tudo aquilo se tratava. Cecília, mesmo ciente de tudo, estava diante de uma novidade, mas não sobre esse mundo, e sim sobre tudo que o compõem. Olhei a face de Caio tão punida, de tão abatida que estava pela quantidade de informação que ele digeriu, pois momentos atrás, estava mais fácil questionar a veracidade dos fatos que emiti, não a realidade em que estávamos. Cecília estava aparentemente sob controle, plácida mesmo diante do caos em que a arrastei e determinada com sua sagacidade em sair. Ficamos por muitos minutos em silêncio, cada um digerindo da sua forma o que aconteceu. Eu estava inquieto ainda mexendo em algumas coisas e os fitando, pensando até aonde iriam com seus pensamentos e vontades. Quando comecei a batucar meu pé contra o chão lembrando de uma música do Elvis, Caio fecha seu rosto e contorna agressivamente em minha direção fazendo “shhhhhhh”: - Quer chamar atenção dele?! Se for o caso, vá só. - Só queria pensar em algo legal além do problema – retruquei um pouco ressentido com suas duras palavras. - E quero que pense em algo relacionado ao problema, porque você sabe que não estamos fora disso! Ainda estamos do Setelem – Cecília exclamou de repente, o interrompendo: - SETEÁLEM! - Que seja! NÃO IMPORTA. Não estamos a salvos, não temos uma vida e nem o celular tem sinal aqui pra chamar a polícia. - Os policiais podem lidar com isso? – retruquei com aquele leve ar de deboche. - E você pôde? Recolhi o que restava de minhas palavras e dignidade em meu singelo silencio, que agora estava flagelado por ser importunado com inúmeras informações que não nos levava a nada, nem essa discussão nos levou a nada além de um desconforto maior. Cecília apenas nos fitou, mas nem atreveu intervir, somente quando acabamos nossa discussão, ela foi até mim: - Hey..., parece i****a perguntar isso, mas tudo bem? - É melhor coisa que aconteceu até agora, não foi i****a. Cecília soltou aquele seu sorriso lindo que servia como nosso astro, naquele momento. Algo que mencionei também ao encarar nossas circunstâncias: - E esse sorriso é tudo que temos de bom agora. Sempre o apreciei. - Obrigada – disse enquanto sorria timidamente e mexia o cabelo. Ficamos em silêncio novamente e adentrei meus pensamentos novamente para contornar todo aquele horror, mas Cecília disse descontraidamente: - O que sentiu quando ele o tocou? - Ah..., é estranho, mas senti como se estivesse afundando. Talvez afogando com o nada. Era tudo tão vazio, morbidamente sufocante - Entendi..., - O que fez ele soltar? - Ah, sim! Foi isso aqui: Cecília revirou um pouco sua bolsa e puxou um frasco com a tampa frouxa: - Isso é um ** de pedra do sol. - Hã? - A Pedra do Sol é tipo um selo, só que não..., ela te guarda de energias negativas, purifica vossos corpos e alma, e com sua energia solar, atrai o melhor de nós: como alegria e felicidade. - Então ele é infeliz? – questionei descontraidamente, arrancando novamente o sorriso de Cecília. - Quem dera fosse só isso – retrucou com seu sorriso gracioso –, mas apenas usei a lógica: Victor não se expõe em horários matutinos ou vespertinos, somente a noite ele finalmente sai da sua toca e rasteja pelos bares por aí. Aquele espírito queria o sol, mas é impossível encontrá-lo. O mais próximo do sol que estão, está nesse frasco. - Victor pode ser derrotado então? Ou..., morto? - Acho que sim, ele recuou mesmo quando fiz isso. Respirei aliviado quando Cecília confirmou tal feito, parecia água para o sedento ou o Saara. Durante todo nosso percurso, só agora reconhecemos nossos avanços e seus efeitos contra ele..., Os Olhos Mortos. Não me contive e sonhei acordado com o melhor desfecho pra tudo aquilo; seria eu e minha vida monótona de trabalho, entrando na faculdade e realizando meus sonhos. Sendo livre e vivendo do jeito que eu achar melhor depois de tanto esforço, talvez eu até escreva sobre tudo isso e venda. Como chamaria esse conto? Penso nisso quando for a hora, mas esses pensamentos se esvaneceram com as palavras mortais repletas de realismo: - Mas isso não será o suficiente, não estamos em casa e nem sabemos como sair daqui. Ele tem um poder descomunal quando se trata de manipular e mesclar os dois mundos, fez tudo que eu sei parecer nada. Fiquei brevemente em silêncio, mas fui bombardeado com a informação que Caio apresentou ainda no bar e após. Quem era Victor, de fato? Como Cecília soube de sua existência e sabe tanto sobre essas coisas ocultistas? Ela sabia de algo que fazia ela se envergonhar, na hora de falar, ou só de perguntar sobre ele. Pensei em muitas formas de perguntar à ela sem sofrer um corte ou coisa assim, só pra sanar essa dúvida e entender o que há aqui. Pensar sobre isso não trará respostas, tampouco criar teorias sobre isso, então tomei atitude e quando estava prestes a falar, todos olharam para uma só direção que emitia um som de madeira sendo pisoteada, que mais se aproximara. Cecília se levantou e preparou seu frasco, Caio uniu-se a nós e aguardamos a oportunidade de correr. Quando finalmente chegou e seu rosto ficou visível para todos, reconheci imediatamente aquele rosto domado de arrependimento, fúria e vingança, só que menos de abatido. Era João e sua forma fantasmagórica, ou forma Olhos Mortos. Precisa e estranhamente ele estava na mesma casa que a gente. Assim que eu o reconheci, pedi para todos se conter e me aproximei dele: - Você sumiu..., achava que tentaria me m***r. - Estava procurando Victor..., mas soube que se eu encontrar você, posso encontrar ele. João emitiu um som tão alto e estridente, que fez com que caíssemos no chão. Tapamos nossos ouvidos e nos contorcemos de dor. Assim que João terminou, pude ainda usar o que restou da minha audição para escutar o mesmo som como resposta, só que mais distante. João fitou-me e somente disse, com seus olhos vingativos: - Perdão, mas não irei desperdiçar o que desperdicei na outra vida. Isso custa minha paz. Você pode sobreviver ainda, se for sua hora.
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