Ficamos ainda atordoados no chão tentando se levantar, mas quando estava prestes a levantar, João golpeou-me na barriga em cheio. Fiquei tonto, quase desmaiando e com uma dor insuportável na boca do estômago. Contorcendo de dor ainda aos sons de meus choramingo, tentava rastejar até a saída, mas lembrei do que Cecília tinha e pensei em um plano para agir, mas ela já estava um passo a frente usando sua perspicácia. Ela estava recostada na parede com as mãos para trás, parece estar atordoada ainda, mas apenas esperava, como a cobra, o momento certo destilar seu veneno no infeliz. João olhou para o alto como se escutasse algo e virou seu rosto imediatamente para saída. Caio tentou se aproveitar do momento e sair correndo pela mesma, mas João tentou ser mais rápido e pegá-lo, falhando miseravelmente quando Cecília arremessou o que ainda tinha do ** da pedra do sol. Todos saímos correndo, mas fomos parados pela trupe de Victor. Estavam cercando o local e ansiosamente nos aguardando. A feição de Victor não podia estar pior: as queimaduras em seu rosto ainda regenerando, seus olhos ensanguentados como se estivesse chorando e sua postura como se estivesse pronto para deferir sua fúria em todos nós. Ficamos parados encarando-o, quase aceitando nosso destino de que agora tudo seria o fim e nada pode poderia ser feito, mas vi Cecília mencionar algumas palavras e correr na direção de Victor com o que restava de seu frasco. Movidos pelo impulso, eu e Caio corremos com ela enquanto as criaturas grunhiam avançando até nós, mas Victor estava mais precavido e não hesitou em empurrar bruscamente todos nós contra parede. Ficamos estirados na parede sofrendo tentando se recompor para lutar até nos esgotarmos, mesmo feridos. O que irritava ainda mais Victor e podíamos ver sua fúria crescer ainda mais. Aos passos curtos e suaves, vinha João como se não tivesse feito nada, sereno como o vento entre as folhas das árvores e sem peso na consciência. Cecília se levantou novamente e andou até Victor com o resquício de força que ainda tinha, quase rastejando de tanto que não se aguentava em pé. Assim que se aproximou o suficiente, uma das criaturas morderam sua perna e a outra jogou com toda força contra o chão. Victor apenas disse “basta” e se aproximou de Cecília no chão machucada gravemente. Sua perna sangrava sem parar e estava com grandes marcas de mordida, seu rosto estava completamente ensanguentado e a dúvida era se ainda estava consciente. Tentei reencontrar minhas forças naquele momento, não quero sair daqui como inútil, morrer sem ter feito nada significante como salvar a vida de quem abraçou meu problema sem me conhecer. Se ela morresse, nunca teria a chance de agradecer ou pagar adequadamente como ela quisesse, ou pior..., jamais apreciaria sua dança graciosa, cheia de pompa e calmaria que adentrava no coração dos seus admiradores. A noite seria vazia como nesse lugar e o bar morreria com a minha vontade de seguir adiante só pela culpa. Usei minha força para avançar, só que fui parado ao sentir uma dor dilacerante na perna, olhei de imediato e vi que minha perna estava quebrada com o osso exposto. Gritei não alto o suficiente, foquei em ir até Cecília e ajudá-la, mas a dor estava insuportável, então caminhava lentamente. Victor apenas sorria desdenhando da minha determinação. Ele a puxou pelos cabelos ondulados e curtos dela para olhar sua feição de abatida e zombar, quando me aproximei mais um pouco vociferando “FIQUE LONGE DELA, SEU MALDITO!”, a outra criatura empurrou contra o chão também, caindo ao lado de Cecília, apenas vendo Victor ri. João andou mais um pouco em direção a Victor graciosamente, desdenhando tudo a sua volta:
- Não é tão intocável assim, sua b***a.
- Não se trata disso, Atormentado. – A mão de Victor soltou os cabelos de Cecília, fazendo com que ela acertasse com tudo o chão – É uma pena, ela é uma feiticeira em tanto. Agora está aqui... bem sob meus pés. Não a***o tanto do meu poder para lhe pisar. Tenho respeito por você, ainda.
João fechou seu rosto e avançou tão rápido que olhou algum captou aquilo, era simplesmente sobre humano, era como se misturasse com o vento ou até quaisquer tipos de matéria dali. Surpreendentemente, Victor nem demonstrou dificuldade para contê-lo, o infeliz o agarrou pelo pescoço com suas mãos de unhas negras a afiadas, fitando e sorrindo para menosprezando sua força:
- Você é tão previsível, todos vocês! Não achou que fosse capaz de me arranhar ou coisa assim? Está corrompido, está cego e sem caminho. Seus pecados pesam mais que sua própria vida, talvez nem se você nascer de novo será capaz de pagar o que deve. O mundo não dá tempo para quem vive se arrependendo, mas deixarei você me arranhar ou tentar mais algum truque, Atormentado.
João tentava de todas as formas golpeá-lo, e quando finalmente o atingia, Victor sorria como se tivesse deixado. Nada o afetava, a não ser comicamente. Victor então enfiou suas garras bem no peito de João e o ergue facilmente. O fitou e disse:
- Será como aqueles soterrados pelos escombros da alma miserável, como os Carniceiros que anseiam por vida ou aqueles que choramingam, implorando pela liberdade. Lembre-se: seus olhos já morreram!
Uma névoa revestiu João e se dissipou com ele diante de nossos olhos. Victor limpou suas mãos e foi onde eu estava e dirigiu suas palavras a mim:
- Foi forte, na verdade..., todos foram, mas relutar contra o Cosmos não leva nada. Aceite seu destino, talvez ainda haja tempo. Não tenho nada contra vocês, culpo muitas outras coisas. – Victor se levantou enquanto preparava para deferir o golpe final e prosseguiu – É como dizem: basta repetir uma mentira até se tornar uma verdade!
Quando sua mão ia descer, Cecília pulou até ele, mordendo seu pescoço. O máximo que pude fazer foi segurar seus pés para desequilibrá-lo, mas as criaturas já estavam a caminho e não tínhamos nada para lidar com elas. Inusitado como sempre, Caio apareceu e o derrubou, fazendo Victor cair sobre Cecília – que ainda estava com quase nada do ** da pedra do sol. Ela tacou o que restava goela abaixo do miserável, fazendo-o se contorcer e emitir um som estranho. Assim que Victor vociferou indescritivelmente sua dor, esguichando um grito infernal, as demais criaturas repetiram o som. Corremos para ajudar Cecília, mas Caio voltou para casa que estávamos para buscar a bolsa dela tão rápido quanto os mortos. Cecília com extrema dificuldade, apenas disse quase inaudível
- Tenho um..., pingente..., uma mandala e um..., outro com os 6 domínios da existência – Cecília tossiu um pouco, expelindo sangue, mas prosseguiu – se eu estiver certa, isso funcionara..., a..., aqui também..., balance 3x e sairemos daqui.
Caio chegou com sua bolsa em busca de mais daqueles frascos, mas logo disse para ele buscar somente uma coisa e que devia entregar-me para podermos sair desse inferno. Caio procurou, procurou e procurou, mas ainda não encontrávamos. Perguntei desesperado a Cecília:
- Você realmente trouxe isso?!
- Estamos... Contando com isso...
- m***a! OLHA LÁ!! – bradou olhando em direção das criaturas.
Victor estava se levantando completamente deformado emitindo som de um monstro sedento por vingança. Mesmo ferido, sua regeneração era nitidamente rápida e logo estaria pronto para contra-atacar. Caio derrubou tudo que estava na bolsa e possibilitou que eu enxergasse a mandala. Gritei quase saltando de alegria “ALI, balança 3x vezes AGORA!”, Caio ainda derrubou nos atrasando, e Victor já parecia estar pronto para atacar. Ele nos fitou e preparou-se para uma investida com suas criaturas que estavam mais próximas, gritei desesperado, quase sem voz:
- CAIO, VAI LOOOOGO!
- JÁ PEGUEI, p***a, PEGUEI!
Victor avançou até nós rapidamente e sua força foi tanto que até o chão quebrou com seu salto até nós. Caio sacudiu 2x, quando foi na 3º, Victor ainda foi rápido suficiente para nos alcançar, pude sentir suas garras tocar meu peito ainda e senti o medo e minha vida esvair, mas senti uma estranha vibração e minha visão escureceu. Tive a sensação de ter desmaiado, não enxerguei o que houve e não podia entender..., apenas... e simplesmente..., apagou.
Acordei na cama, especificamente em quarto que nunca frequentei antes, mas o aroma era família..., aquele aroma doce que adentrava minhas narinas infestando meu corpo com uma leve energia. Senti o sol de uma manhã de um tempo nublado tocar-se sem estar nessa situação. Fiquei tão relaxado que não parecia ter vivenciado aquilo..., aquele..., momento de quase morte. Não senti dor alguma, estava em perfeitas condições e até mais revigorado. Respirei fundo para deleitar-me mais do ar, só meus pensamentos foram invadidos com a preocupação que estava por Cecília. Levantei-me quase saltando, corri abruptamente até a porta para abri-la. Identifiquei que estava na casa dela e realizei minha busca até encontrar seu quarto, e lá estava ela dormindo tranquilamente e com cheiro de álcool. Me aproximei devagar dela para buscar seus hematomas, mas ela estava aparentemente bem, do mesmo jeito que estávamos. Fiquei com medo de acordá-la, evitei tocar nela para inspecionar mais para garantir que ela estava bem. Saí com calma e um pouco confuso, fui até a sala e fiquei recostado processando tudo. Fechei os olhos tentando pensar em como cheguei aqui e o que poderia ter acontecido, mas assim que vi que Cecília estava bem e retirei a descarga de preocupação que estava sobre meus ombros, meu relaxamento não durou tanto quando chegou uma terrível dor de cabeça. Era insuportável, fazia com que eu entrasse em posição fetal e de forma fracassada pressionava minha cabeça para aliviar a dor. Doía tanto que latejava, parecia que algo estava perfurando minha cabeça, dessa vez. Era diferente da dor que senti na primeira vez, essa era pior, até minha audição foi afetada com um zumbido. A passos calmos, somente enxerguei Caio se aproximar para tocar-me, mas não podia escutá-lo direito, sua voz parecia distante. Ele saiu de onde eu estava procurar algo pela cozinha, talvez água. Não demorou tanto, entretanto, minha dor estava cessando e o zumbido sumia mais depressa. De qualquer forma, pedi que ele procurasse algum remédio pela cozinha para eu tomar mesmo assim, somente para prevenir.
Caio se sentou ao meu lado e fitava-me esperando que eu falasse algo com aquele seu olhar ousado e chato. Assim que terminei minha água, indaguei sobre o que aconteceu ontem ou em algum momento do tempo:
- Aquilo foi sufocante...
- É..., sobre isso, ainda é surreal. Você está ferido?
- Ele ainda me tocou, senti aquelas..., aquelas mãos pontiagudas.
- Nossa..., - ficamos um pouco em silêncio. Caio logo aproximou-se de mim animado e disse cochichando – mas você viu aquilo? Ele acreditou que estava lá desmaiado, apenas aceitando meu destino no combate enquanto vocês o distraíam, mas só esperei o momento certo para agir. Você é muito louco!
- Acho que você falando assim, muito perto, tá intensificando minha dor. – Respondi com rispidez.
- Tem que admitir que foi o melhor. – O ar de prepotência emanava de suas palavras e irritava ainda mais.
- Não consigo sentir orgulho de nada daquilo, sem falar que você quase nos matou quando deixou aquilo cair. Victor é rápido, bastava 1 segundo a mais para levar um de nós.
- Você tá um saco..., esclarecendo isso: estava sob pressão, não tava fácil, você sabe onde estávamos.
Olhei em volta da casa procurando algum traço para garantir que estávamos em casa, longe de tudo aquilo. Fiquei atordoado porque senti que morreria ali, ou pior..., veria todos morrer sem fazer nada. Caio incomodou-se com meu silêncio misterioso e decidiu com suas palavras nefastas, afastá-lo:
- João estava diferente, né...
- Talvez aquele realmente fosse ele.
- Concordo, acho que ele sempre foi um b****a egoísta, só que carregando uma grande culpa pelo que houve. Acho que estava desesperado para se redimir.
- Também estávamos desesperados. Eu estava desesperado quando estava no ônibus fugindo daquelas criaturas... – suspirei um pouco exausto ainda e chateado com todo aquele desfecho – Sabe..., talvez eu nem devesse ter falado algo. Matei tudo que ainda prestava nele. Se você tivesse visto, entenderia. Ele estava pronto pra ir, ele tinha aceitado, Caio.
- Ei, ei! Não é hora pra se culpar. Você fez o que achava certo, mas tenho certeza de que jamais faria algo assim de novo. – Retrucou Caio enquanto pressionava meu ombro com sua mão.
Acenei com a cabeça concordando, mas logo retruquei ainda insatisfeito:
- Como será agora? Ainda temos uma vida? Tudo aqui está tão...
- Mórbido? – complementou Caio como se lesse minha mente.
- É..., olhando tudo minha volta, parece que nem iremos nos recuperar ou ter uma vida para se orgulhar. Tenho medo de que a única opção seja viver aqui, escondidos...
Caio ficou em silêncio, entrando de cabeça em minhas palavras deprimentes sobre uma realidade mórbida. Era duro encarar, mas o fato é que agora isso seria nossa realidade: lidar com o oculto para sobreviver. Isso não é vida, como se não bastasse nossos demais sofrimentos que temos que arcar, agora teríamos de fato uma luta da qual custaria nossa paz – se já não custa. É deprimente, mas frustrante também. Pensei em várias formas de como eliminar Victor e ganhar minha liberdade a qualquer custo. Viveria como um desvairado e sem arrependimento, seria como Cecília... Cecília..., como ela se sente diante de tudo isso? Será que ela, no fundo, se arrependeu de ajudar um rapaz t**o como eu, pagando tudo pelas suas lindas aventuras e festas que tanto amava? Ela dormia e sonhava com a possibilidade de retomar sua vida ou com a chance que tomem sua vida para atingir sua liberdade? Às vezes, sinto que deixar Victor acabar com tudo seja mais adequado do que viver lidar com a ideia de conviver com isso todos os dias, essa caçada.
Enquanto nos silenciávamos, também aos passos serenos, lá estava ela um pouco abatida aparentemente confusa, mas não a ponto de questionar se aquilo aconteceu mesmo, e sim sobre qualquer outra coisa que eu estaria longe de descobrir. Ela nos fitou e apenas disse com suas palavras carregadas de amargura:
- E agora?