– O Novo Recomeço. Parte 1
Parte 1
A lua cheia repousava sobre os campos de Eryndor, refletindo em prata as muralhas restauradas do castelo. O vento carregava o perfume de flores novas — um aroma de renascimento. A guerra havia cessado, e pela primeira vez em muito tempo, o reino dormia em paz.
Do alto da torre real, Isla observava o horizonte. Seu manto prateado tremulava como se tivesse vida própria, e seus olhos, antes marcados pela dor, agora brilhavam com algo novo: serenidade. Ainda havia cicatrizes — em seu corpo, em sua alma — mas elas não doíam mais. Eram parte de quem ela se tornara.
Ela era a Rainha de Eryndor, portadora do sangue Lunaris, herdeira da bênção da própria Deusa da Lua.
Mas mais do que títulos e poder, Isla havia conquistado algo que julgava impossível: paz dentro de si.
Ainda acordada, minha rainha? — a voz de Lucian ecoou suavemente, carregada de calor e humor.
Ela se virou e o encontrou encostado no batente da porta, o corpo relaxado, mas o olhar atento. O rei havia trocado a armadura por uma túnica escura, simples, mas a força que emanava dele continuava a mesma. Quando sorria, o mundo inteiro parecia se curvar a esse gesto.
Não consigo dormir — Isla admitiu, olhando de volta para o céu. Acho que ainda não me acostumei a… não ter medo.
Lucian se aproximou, os passos lentos, firmes.
Então talvez seja a hora de aprender o que é viver sem ele. — Ele parou atrás dela, pousando as mãos em seus ombros. Você venceu, Isla. O passado não tem mais domínio sobre você.
Ela respirou fundo, sentindo o calor dele a envolver.
Eu venci com você ao meu lado.
Lucian inclinou-se e beijou-lhe a têmpora.
Não. Eu apenas caminhei contigo. A força sempre foi sua.
Por um instante, ficaram em silêncio. O vento brincava com os cabelos dela, e a lua parecia mais próxima. Isla fechou os olhos e sentiu o pulsar suave do vínculo — aquela linha invisível que unia sua alma à de Lucian. Era como uma batida dupla, um coração dividido em dois corpos.
Mas havia algo mais. Um calor crescente, uma energia que vinha de dentro e se espalhava pelo ar. Ela franziu o cenho.
Você sente isso? — perguntou, a voz quase um sussurro.
Lucian ergueu o olhar, e o brilho prateado começou a emanar da pele dela.
Sim — ele respondeu, com os olhos atentos. É o seu poder… despertando.
A luz se intensificou, dançando ao redor dela como pequenas faíscas lunares. Isla ofegou, assustada e fascinada ao mesmo tempo.
Eu pensei que já o conhecesse.
Não — Lucian sorriu, passando os dedos pela luz que flutuava no ar. Isso é só o começo.
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Na manhã seguinte, os sinos do castelo tocaram. Era o Festival da Lua Eterna, o primeiro desde o fim da guerra. O povo se reunia na praça central, levando flores e tochas, cantando para agradecer à Deusa.
Isla caminhava entre eles, sem coroa, sem joias — apenas com um simples vestido branco. As crianças corriam à frente, rindo, e os aldeões a cumprimentavam com sorrisos sinceros.
Ela sentia algo diferente naquele dia. Não apenas alegria… mas vida.
Havia sido rejeitada, humilhada, exilada — e agora era o símbolo de renascimento.
Eryndor a via como uma bênção viva.
Majestade! — uma menina pequena correu até ela, segurando um ramo de lavanda. É pra você! Dizem que a Deusa gosta desse cheiro.
Isla se ajoelhou e aceitou a flor, tocando o rosto da criança.
E eu também gosto — respondeu com um sorriso suave. Obrigada, pequena.
Lucian observava de longe, o peito inflado de orgulho. Ele a tinha visto quebrada, ferida, lutando para sobreviver. Agora, a via renascida — não como uma vítima, mas como uma rainha.
Quando ela se aproximou, ele estendeu a mão.
Pronta para falar ao povo?
Isla respirou fundo, subindo no pequeno palanque improvisado. O murmúrio cessou. Todos os olhos estavam voltados para ela.
Povo de Eryndor — começou, a voz clara e firme. Durante muito tempo, vivemos na escuridão. Perdemos amigos, famílias e até a fé. Eu mesma esqueci quem era. Fui rejeitada, e por um tempo, achei que fosse apenas uma sombra.
O silêncio era absoluto.
Mas aprendi que até a lua, quando desaparece, não deixa de existir. Ela apenas se esconde, esperando o momento certo para voltar a brilhar. E assim somos nós. Podemos cair, podemos ser esquecidos… mas nunca deixamos de ter luz.
As palavras ecoaram pela praça. E quando ela ergueu a mão, uma brisa suave varreu o ar — e as tochas se acenderam sozinhas, uma a uma, como se a própria lua as tivesse tocado. O povo aclamou, e Lucian apenas sorriu.
Isla desceu do palanque, o coração acelerado.
Eu não sabia que conseguiria fazer isso… — murmurou.
Conseguiu porque falou com verdade — Lucian respondeu. E porque finalmente acredita em si mesma.
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Mais tarde, no jardim do castelo, Isla caminhava sozinha. As flores noturnas brilhavam sob o luar. Ela sentia algo vibrando dentro dela — uma força que não sabia controlar.
De repente, uma voz suave sussurrou entre as árvores.
“Filha da Lua… sua jornada apenas começou.”
Isla parou, o coração disparando.
Quem está aí? — perguntou, olhando em volta.
O vento soprou, e uma forma translúcida se formou à sua frente — a Deusa da Lua, envolta em véus de prata. Seus olhos eram dois sóis brancos, serenos.
Minha filha — disse a deusa, a voz ecoando dentro da mente dela. O que você sente é apenas um fragmento do poder que carrega. Ele se alimenta do vínculo, da fé e do amor. Quanto mais puro o elo, mais forte a luz.
Isla caiu de joelhos, emocionada.
Eu não sei se sou digna disso.
A deusa sorriu.
A dignidade não nasce do sangue, mas do coração. Você foi quebrada, mas não se rendeu. Foi rejeitada, mas escolheu amar. E por isso… será o farol entre a escuridão e o mundo.
A luz envolveu Isla, e a voz se dissipou como uma canção antiga. Quando ela abriu os olhos, estava sozinha novamente — mas a energia permanecia ali, vibrando no ar, viva.
Ela ergueu a mão e viu pequenas partículas luminosas dançando entre seus dedos. Sorriu.
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Do alto das muralhas, Lucian observava. Ele havia sentido o despertar dela, o poder fluindo pelo vínculo como um raio prateado. E, por um instante, sentiu o mesmo poder dentro de si responder.
O vínculo os tornava mais fortes — não apenas como rei e rainha, mas como duas metades de uma força divina.
Mas ele também sabia o que isso significava.
Com grandes dons, viriam grandes provações.
E embora a lua estivesse cheia e o reino em paz, as sombras jamais descansavam por muito tempo.
Lucian olhou para o horizonte e viu as montanhas distantes cobertas de neblina. Algo se movia além delas.
Um pressentimento gelou seu peito.
Que a Deusa nos proteja… — murmurou. Porque a luz dela está prestes a ser testada novamente.
Ele voltou-se para o castelo, onde Isla o esperava.
E quando os olhos dela encontraram os dele, o vínculo brilhou — quente, vivo, indestrutível.
Era o novo começo.
Mas também, o prólogo de uma nova guerra.