O dia m*l tinha começado e eu já me sentia completamente fora do meu eixo.
O escritório de Damian Navarro era um espelho dele — silencioso, preciso, e com uma beleza que chegava a intimidar.
O chão de mármore preto refletia luz fria, e as paredes de vidro me faziam sentir exposta, como se não houvesse escapatória para ninguém.
A cada passo que eu dava, eu sentia o peso de cada olhar dele em mim.
Damian me conduziu até uma sala espaçosa ao lado da dele.
Vidros escurecidos, móveis modernos e uma mesa que parecia grande demais para o meu pequeno controle sobre aquele ambiente.
O ar tinha o perfume dele — um cheiro amadeirado, intenso, quase viciante.
— Aqui será o seu espaço — disse ele, encostando-se à minha mesa, os braços cruzados. — Quero você por perto, Helena. A qualquer hora. Para o que eu precisar.
As palavras flutuaram entre nós, carregadas de algo que eu não sabia nomear.
Tentei disfarçar o desconforto com um sorriso profissional.
— Claro, senhor Navarro. — respondi, evitando encará-lo por tempo demais.
Ele riu baixo, um som curto e quase irônico.
— Me chame de Damian. — A voz dele soou como uma ordem disfarçada de convite. — Gosto de informalidade... com pessoas especiais.
Senti o coração acelerar. Pessoas especiais.
Aquela frase ficou ecoando dentro da minha cabeça, mesmo quando ele se afastou e começou a revisar alguns documentos na minha mesa, perto demais do meu corpo.
Podia sentir o calor dele, o cheiro da pele, o som calmo da respiração.
— Você é organizada — comentou, folheando o relatório que eu havia organizado. — Gosto disso.
— Obrigada. Tento fazer tudo com atenção. — murmurei, sem saber se era elogio ou um teste.
— Atenção... — repetiu ele, com a voz mais baixa. — É uma qualidade. Mas também pode ser uma fraqueza.
Quando prestamos atenção demais em algo, revelamos o que queremos esconder sobre nós mesmos.
Olhei para ele, confusa, e encontrei seu olhar fixo no meu rosto.
Ele não sorria mais.
Havia algo ali — uma curiosidade perigosa, um desejo velado que parecia queimar por baixo da superfície.
Por instinto, desviei o olhar, mas ele continuou me observando.
Eu sentia.
— Está nervosa? — perguntou, com um tom que parecia uma provocação.
— Não. Só estou tentando me adaptar tudo isso.
Ele inclinou a cabeça, estudando cada detalhe do meu rosto.
— Adaptação exige entrega. — murmurou. — E confiança.
Não respondi. Pois não sabia o que dizer.
Mas o silêncio entre nós pareceu se tornar uma entidade própria — pesado, quase palpável.
De repente, o som de uma notificação quebrou o ar.
O celular dele vibrava sobre a mesa.
Ele olhou a tela, o semblante mudando de leve.
Um nome apareceu por um segundo — Beatriz Montenegro — antes que ele bloqueasse o visor.
— Algum problema, senhor Navar... — parei, corrigindo — Damian?
Ele respirou fundo, ajeitou o terno e respondeu, firme:
— Nenhum que você precise se preocupar.
Mas algo na forma como ele disse me fez perceber que sim, havia um problema. E eu, de algum modo, já estava dentro dele.
Minutos depois, ele se aproximou novamente.
Deixou um cartão sobre a mesa.
— Esse é o número direto da minha linha privada. Atenda sempre que eu ligar. Mesmo que seja fora do expediente.
— Fora do expediente?
— Especialmente fora. — O olhar dele era puro controle. — Algumas coisas exigem... discrição.
Assenti devagar, mesmo sem entender completamente.
Quando ele saiu da sala, o ar pareceu voltar aos meus pulmões.
A sensação de estar sendo observada desapareceu, mas o vazio que ficou era quase pior.
Peguei o cartão. Toquei o nome impresso com tinta preta — Damian Navarro — e senti um arrepio percorrer minha pele.
Parte de mim queria fugir.
Mas a outra parte, a que eu m*l reconhecia, queria entender por que aquele homem me deixava assim.
Por que cada olhar dele em mim parecia me ver nua, não o corpo... mas a alma.
Mas lá, no fundo, uma voz sussurrava algo que eu não queria admitir para mim mesmo.
Talvez o que me assustava em Damian Navarro não fosse o perigo que ele representava...
Mas o fato de que, de alguma forma, eu queria ser o perigo dele.
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Os dias que se seguiram foram um turbilhão silencioso.
Damian não precisava levantar a voz para me deixar em alerta.
Ele comandava com o olhar — um toque de atenção, um arqueamento de sobrancelhas, e todo o escritório parecia se mover em torno dele.
Era como se a presença de Damian ditasse o ritmo de tudo. Até da minha respiração.
Tentei ignorar, tentei fingir que o que sentia era apenas fascínio profissional.
Mas cada vez que ele passava perto de mim, cada vez que a voz rouca cortava o ar, era como se meu corpo o reconhecesse antes da minha mente.
Naquela manhã, ele me chamou à sala dele.
A porta de vidro se fechou, isolando-nos do mundo.
O ar ali dentro era mais frio, mas o clima era mais quente, mais denso.
— Helena — disse, sem tirar os olhos do monitor. — Feche a cortina.
O pedido soou mais como uma ordem.
Obedeci. As persianas desceram devagar, cobrindo o vidro.
Agora, ninguém do lado de fora podia nos ver.
— Quero conversar sobre... lealdade. — A palavra saiu dos lábios dele com um peso diferente. — Você acredita que as pessoas podem ser realmente leais?
— Acho que sim — respondi, tentando soar calma. — Quando há confiança, talvez.
Ele sorriu, sem humor.
— Confiança. Uma palavra bonita. Mas frágil. Basta uma mentira... e tudo desmorona.
Damian se levantou e caminhou até onde estou.
O som dos sapatos ecoou no piso, cada passo calculado, lento.
Quando parou, estava perto o bastante para que eu sentisse o calor do corpo dele.
— Quero confiar em você, Helena. — murmurou. — Mas ainda não decidi se devo.
— E o que eu preciso fazer para provar que pode?
Ele inclinou a cabeça, os olhos escuros cravados nos meus.
— Não quebrar as regras. Mesmo quando eu não estiver olhando.
— E quais são as regras?
Ele sorriu, finalmente. Um sorriso perigoso, cheio de intenções não ditas.
— Você vai descobrir... aos poucos.
O silêncio que seguiu era quase sufocante.
Damian estendeu um envelope sobre a mesa.
— Preciso que leve isso pessoalmente a um contato meu. Confio apenas em você para isso. — Ele fez uma pausa, o olhar descendo para meus lábios. — É confidencial. Absolutamente confidencial.
Olhei o envelope. Não havia nada escrito. Nenhum nome, nenhum endereço.
— Aonde devo entregar?
— As instruções estão dentro. — Ele se aproximou mais um pouco. — E, Helena... não abra. Em hipótese alguma.
A forma como ele disse fez meu estômago revirar.
Era mais do que um aviso. Era um teste.
— Está bem.
— Ótimo. — Ele segurou meu pulso antes que eu saísse. O toque foi firme, quente, autoritário. — Não me decepcione.
Soltei o ar devagar, tentando esconder o tremor nas mãos.
— Eu não vou.
Quando saí da sala, percebi que várias pessoas olhavam discretamente.
Damian Navarro não chamava funcionárias para tarefas pessoais.
Ele nunca confiava em ninguém.
E, por algum motivo, agora confiava em mim.