Herança de Sangue Frio

1001 Words
"Você pode herdar a empresa, mas não o respeito." – Estevão. Helena girava o copo de uísque sem tomar um gole. A bebida dançava no cristal caro, mas o gelo ali dentro não derretia. Estava como ela: intacto. Imóvel. Intocável. Ou pelo menos era o que ela queria acreditar. A sala estava escura. As persianas fechadas. O ar-condicionado zumbia baixo, misturando-se ao tic-tac do relógio suíço na parede. Mas nenhum som abafava o que martelava dentro da cabeça dela: a voz dele. "Diferente de você… eu já acordei faz tempo." Estevão. O nome soava como provocação. Era quase absurdo que um homem tão simples, tão sem brilho, tivesse a audácia de confrontá-la daquela forma. Mas mais absurdo ainda era o fato de que ele havia vencido. Legalmente. Frontalmente. Publicamente. Ela pegou o documento de novo. A cláusula estava lá, clara como a luz que ela evitava encarar: “Caso minha filha, Helena Duarte, não cumpra com os princípios éticos e humanos no prazo de doze meses após minha morte, a administração plena da Duarte Corp será transferida para meu amigo e ex-sócio, Estevão Alencar.” A indignação a consumia. Como o pai dela ousara? Depois de tudo o que ela fez para erguer a empresa, para mantê-la competitiva, para multiplicar os lucros… ele ainda achava que a forma era mais importante que os números? — Ética? — sussurrou com desdém. — Ele me queria boazinha? Empática? Compreensiva? A risada que escapou foi seca, amarga. — Que mundo ele achava que isso aqui é? — Senhora Duarte? A voz de Heloísa cortou o silêncio ao abrir a porta. — O que foi? — O conselho administrativo está esperando. Querem esclarecimentos… sobre a presença do senhor Estevão. Helena fechou os olhos por um segundo. Precisava se recompor. — Diga que em breve eles terão. — Senhora… — Heloísa hesitou, então continuou —, ele já assumiu a sala da presidência. Está lá agora. O coração de Helena bateu mais forte. Era como se alguém tivesse invadido seu quarto, mexido em suas gavetas, tomado seu espelho. Sua sala era seu território, seu castelo. A ideia de Estevão ali dentro, entre seus livros, suas canetas Montblanc, seu aroma de jasmim… a feria mais do que qualquer documento. Levantou-se com força. O copo de uísque caiu e espatifou-se no chão. — Ele não vai se sentar no meu lugar. — A voz dela era um fio gelado. O corredor até a presidência nunca pareceu tão longo. Cada passo era um confronto com o orgulho ferido. Ela havia subido aqueles andares centenas de vezes — como uma rainha. Agora, parecia uma intrusa. Abriu a porta sem bater. Estevão estava sentado na cadeira que era dela. O blazer pendurado na cadeira. As mangas da camisa arregaçadas. O laptop ligado. E um café… em caneca de louça comum. — Está confortável? — disparou ela, sarcástica. Estevão olhou para ela, sem se levantar. — Estou trabalhando. — Trabalhando? Você não entende nada do que isso aqui exige. — E você não entende o que isso aqui merece. — Merece lucro. Expansão. Domínio de mercado. — E respeito. Dignidade. Gente tratada como gente. Helena se aproximou da mesa. — Você está aqui por capricho de um homem morto. Isso não vai durar. Eu vou acionar meus advogados. — Pode acionar quem quiser. Já está tudo registrado, assinado, selado. Você não perdeu a empresa… ainda. Mas perdeu o comando. O que, convenhamos, talvez nunca tenha tido de verdade. Helena não conseguiu responder de imediato. A raiva em sua garganta queria virar grito, mas ela conteve. — O que você quer, afinal? Dinheiro? Status? Vingança? — Não quero nada seu. Estou aqui porque prometi ao seu pai que protegeria essa empresa… inclusive de você. Ela sentiu o golpe. Doeu. Mas não deixou transparecer. — Você acha que vai conseguir segurar isso? Com sua simplicidade de operário? Com sua mentalidade pequena? — Eu não preciso comandar por vaidade. Só quero devolver humanidade ao que vocês transformaram em máquina de moer gente. Depois disso, eu saio. E se você tiver mudado de verdade… pode assumir de novo. Helena bufou. — Então essa é a sua condição? Que eu me torne uma santa? — Que se torne humana, já seria um bom começo. Ela riu de novo. Mas dessa vez… havia um tom diferente. Menos certeza. Mais defensiva. — Eu sou humana, Estevão. Só não sou fraca. — Não é fraca. É vazia. E confunde frieza com força. A frase ficou ali, pairando entre eles, como uma sentença. Helena, pela primeira vez, recuou um passo. Naquela noite, trancada em casa, ela abriu uma das gavetas trancadas do closet. Ali estavam algumas cartas antigas do pai. Uma em especial, nunca lida. Ela hesitou. Seus dedos tremeram ao abrir. "Filha… se você está lendo isso, é porque o tempo passou e eu já não estou mais aí. Sempre soube que você teria talento para os negócios. Mas me preocupa o que você tem feito com o coração. Não se endureça tanto a ponto de esquecer que está viva. Pessoas são mais que planilhas. Aprenda isso. Ou vai acabar rica… mas sozinha." Ela fechou os olhos. E, pela primeira vez em muito tempo… sentiu o frio de verdade. Não o que ela projetava. Mas o que morava dentro dela. Helena, sabia que seria uma guerra e que não acreditava no que seu pai havia feito. Sentiu invadida e incapaz de comandar o seu próprio ímperio. E que agora estava disposta a recuperar tudo e dela por direito numa batalha e guerra onde só cabia a ela ser vencedora e se puder passar por cima de todos ela passará até mesmo pelo Estevão. — Esse pobre acha que pode chegar e tomar meu ímperio por uma cláusula de 1 ano após sua morte? Está muito enganado ele não sabe com quem se meteu e que realmente nada disso me abala. Helena ri friamente com ar de deboche acreditando que Estevão e burro demais para comandar uma empresa de auto escalão.
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