Capítulo 3: A casa: O Deserto dentro das paredes...

578 Words
Vivíamos numa casa modesta nos arredores de Cairo onde o vento não entrava sem permissão, e o sol parecia mais pesado do que quente... As paredes eram de bege triste, e as janelas estavam sempre parcialmente fechados. como se o.mundo fosse proibido demais para ser visto, a casa tinha sempre o cheiro dele: álcool, tabaco, suor, raiva e fúria...Eu não saia de casa, a não ser para algumas compras do mercado, muito rápido. Quando terminava o meu trabalho, passava as horas sozinha no meu pequeno quarto, onde todas as minhas coisas cabiam numa caixa de madeira, e ao mesmo tempo, sentia que ali era o único lugar onde ainda existia um pedacinho dela... Mas nem sempre eu tinha esse momento porque ele as vezes entrava sem bater, empurrava a porta com muita força, como se tivesse um ladrão dentro dele e pudesse fugir... "A casa é minha eu entro onde eu quiser do jeito que me apetecer, nada aqui é teu, tu és minha" dizia ele, com uma calma tão gelada que às vezes eu pensava que estava a falar consigo mesmo, não comigo.. Eu era sua posse, e nada mais... Talvez uma garantia para algo no futuro... Ele tinha amigos, que não se chamam de amigos, homens que falavam sempre com meias palavras e olhso que nunca paravam quietos... Negócios sombrios, favores perigosos, e dívidas que cresciam como ervas daninhas. Eu sabia que algum dia ele faria algo terrível, que talvez custasse a minha vida... Mas apesar do terror eu não tinha para onde ir, nem quem me ajudasse... Eu não estudava porque ele não permitia, dizia que não havia necessidade. Hoje se sei ler e escrever, é porque a minha mãe ensinou-me desde os 5 anos, escondido do meu pai... Agora com 15 anos, vivo como quem já nasceu cansada. Acordo com o barrulho dele a mexer os papeis, em notas, em garrafas de bebidas. Durmo com o som da porta a fechar atrás dele enquanto vai perder o pouco que ainda tinha e no fim sempre volta, sempre vazio, falido, sempre cheio de raiva quando não pode saciar o vício e claro eu pago por isso... Agressão psicológica e física, meu corpo é cheio de marcas, vivo toda tapada nem consigo me olhar no espelho pareço ter 30 anos, a unica coisa que faço para me cuidar é banho... Aprendi a lê-lo, a observa-lo, e aprendi a reconhecer quando a desgraça chegava. Várias vezes nossa casa foi invadida, varias vezes ele foi agredido... e mesmo assim ele não parou, nunca para... E quando algo estava para acontecer, o cheiro dele mudava, a respiração ficava curta, as palavras vinham rápidas demais, e acada vez que ele aprecia assim eu temia que fosse a última vez que via a luz do sol... Eu temia pela minha vida, toda vez que o visse assim... Essa é a minha história até aqui, filha de uma mulher que morreu por amor, filha de um homem que mata tudo o que toca, uma sombra dentro de uma casa que apesar de ter nascida e criada aqui, nunca senti que fosse o meu lar, um eco de um futuro que nunca imaginei ter... Vivo com medo, respiro com cuidado, e sonho pouco, quase nada. Mas apesar de tudo algo dentro de mim insiste em teimar, que a minha história não pode terminar assim, que sou mais do que o deserto que me cerca, mais do que o destino tenta escrever por mim...
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