Violeta,
Nos meus maiores sonhos, acordo às onze da manhã com meu personal na sala me esperando para uma manhã produtiva com exercícios físicos, logo em seguida tomo um café da manhã em uma mesa com frutas, iogurte, pão integral com ovos mexidos.
Na parte da tarde passo o dia fazendo compras no shopping com a minha melhor amiga, planejando a nossa viagem que será daqui três dias.
Mas, como nem todo sonho dura por muito tempo, escuto meu despertador tocar, me avisando que infelizmente minha realidade é outra.
Já são cinco e meia da manhã, faço uma careta, lembrando que mais uma semana se inicia. Vou abrindo meus olhos com bastante dificuldade, paro para pensar se realmente vale a pena sair da minha cama quentinha, para ir atender aqueles clientes chatos, trabalho com telemarketing, vendo cartões de créditos.
Fico mais um tempo em minha cama quentinha, escuto novamente o despertador, avisando que já estou dez minutos atrasada. Coloco na mente todas as dividas que eu tenho e que sou pobre, dou um pulo da cama indo direto para o banheiro.
Nosso chuveiro precisa de um tempo ligado para poder esquentar, então antes de mais nada, vou até lá e ligo deixando a água cair. Aproveito e faço minhas necessidades matinais, assim que termino, me seco, dou descarga, vou tirando minha calcinha e logo em seguida minha camisola, deixo meu cabelo em um coque bem no alto, se eu for lava-lo vou demorar cerca de uma hora para arruma-lo e isso me faria atrasar para o trabalho. Escovo meus dentes em baixo do chuveiro mesmo, assim que finalizo, desligo o chuveiro, pego uma toalha que está pendurada em um prego na parede, começo a me secar, saio do banheiro com ela enrolada em meu corpo. Vou na direção da janela, abro uma parte, para verificar se preciso me entupir de roupa ou não.
Vou até o meu guarda roupa, pego uma calça jeans preta, uma blusa de manga cumprida gola V branca, pego também uma jaqueta jeans, calço meu adiadas, visto e calço, vou na frente do espelho, estou perfeita.
Passo apenas uma base no rosto, apenas para disfarçar o cansaço, toda segunda é assim, não consigo pegar no sono rápido, aí acordo destruída.
Antes de sair do quarto, verifico se está tudo dentro da bolsa, bilhete único, VR, cartão, crachá, documentos fecho a bolsa, coloco pendurada no meu ombro direito, me levando da cama, abro a porta, dou uma olhada para o lado que a Antonieta dorme e me bate uma inveja dela.
Saio do quarto indo até a cozinha, acendo a luz, abro a geladeira, pego um danone e logo em seguida vou até o armário e pego uma bolacha traquinas, sempre como isso no caminho e lá na frente da empresa compro um café mais reforçado. Não sei oque acontece comigo não, sinto fome toda hora. Ajeito a marmita em minha bolsa, apago a luz, vou até a sala, pego minha chave e vou saindo com o celular na mão.
Abro o portão, me viro para fechar novamente, o ponto de ônibus fica na rua de cima da minha casa, vou andando toda desajeitada, esse horário as lotações já vem lotada de gente, já fico estressada só de pensar que vou em pé até a estação Itaquera e de lá ainda vou em pé no metrô até a estação república.
Quem ver minhas reclamações, não imagina que trabalho seis horas e vinte sentada.
***
As horas como sempre demorou uma eternidade para passar. Só de pensar que vou em casa apenas para tomar um banho e me arrumar para ir ao curso, já me bate uma preguiça.
Queria ser como a maioria das moças do meu curso, que vão de carro, que não precisam se preocupar em ter que trabalhar para pagar o curso, muito menos ter que levar marmita com o intuito de sobrar para o lanche da noite. Infelizmente pra quem não teve a sorte de nascer em uma família rica, tudo é mais complicado.
Vou até o meu armário, pego minha bolsa, saio correndo, preciso chegar primeiro que todo mundo no ponto, pra tentar a sorte de ir sentada na lotação. Quando saio da empresa, olho em direção ao ponto, já tem umas dez pessoas lá. Mas, como dizem o mundo é dos espertos, vou puxando assunto com as meninas da frente, quando o ônibus para, entro primeiro assim garantindo o meu lugar.
Solto um suspiro aliviada, menos um dia de trabalho. Pego meu celular, coloco na calculadora, começo a calcular todas as minhas dívidas, mais um mês que meu salário será apenas para as contas.
O ônibus demora em torno de meia hora antes de chegar na estação república, como faço de tudo para economizar, na volta sempre vou de ônibus, assim gasto só uma passagem e uso a integração, vou até o metrô Itaquera e de lá pego outra piruá até a minha casa.
Aproveito para dar uma estudada, hoje tenho uma avaliação importante, sinto meus olhos pesar, não é fácil acordar todos os dias às cinco horas da manhã e chegar em casa todos os dias meia noite. Depois de um tempo o sono me vence. Por sorte, uma moça que sempre desse no mesmo ponto que eu me a acordou.
Assim que viro a esquina de casa vejo Antonieta no meio da rua com uma amiga, já olho pra ela negando com a cabeça, se a casa estiver suja, ela vai se ver comigo.
Moramos apenas ela, meu pai e eu, na casa da frente e meu tio juntamente com a minha prima na casa de trás.
Abro a porta, vou até a cozinha está tudo limpo. Ela até tirou a mistura que vai fazer a noite.
Subo para o meu quarto, tomo um banho, lavo meu cabelo, tenho que ir impecável para o curso, vestido, salto, maquiada, cabelo em um coque.
Me sento na cama, vejo que recebi um e-mail, mas um boleto que preciso pagar e nem sei se terei dinheiro suficiente esse mês. É complicado demais trabalhar tanto e ganhar tão pouco.
Aqui em casa só eu e meu pai estamos trabalhando, com o nosso salário só dá para pagar o aluguel, água, luz, meu curso, fazer as despesas de casa e mesmo assim só compramos o básico.
Fico pensando, tenho que começar a fazer um curso de inglês, vai me ajudar bastante. Mas, como vou pagar? meu salário só dá para pagar o curso e mais nada.
Minha irmã mais velha mora na Austrália, esse sempre foi o seu sonho, ela conseguiu uma vaga como babá em um site e foi tentar a sorte, graças a Deus deu tudo certo. Ela até tenta mandar um dinheiro todo mês, mas sabemos que está complicado pra ela também.
Meu pai trabalha como segurança, nas suas folgas faz um bico em eventos como garçom, aos sábados e domingo trabalho em um buffet tento fazer de tudo pra conseguir mais dinheiro.
Já vestida, vou em frente ao espelho, arrumo meu cabelo, faço a minha maquiagem, no curso aprendemos como tem que ser, tudo bem simples e elegante.
Calço meus chinelos, só calço os saltos em frente ao curso, linha vermelha nessa hora já está lotada.
Saio do quarto encontrando Tomtom na cozinha, ela está olhando para o fogão fazendo uma careta.
- Acabou o Gás. - ela cruza os braços e me olha.
Lembro do dinheiro que peguei ontem no evento que trabalhei na parte da tarde, volto para o quarto, pego e a entrego. Ela faz o pedido e diz que enquanto isso vai assistir vale a pena ver de novo.
Passo pra ela todas as informações que meu pai passou por mensagem, hoje ele está fazendo dois turnos no trabalho.
Saio de casa encontrando Jéssica no quintal, ela é a minha prima, tem a minha idade e está grávida de cinco meses do Enzo Gabriel. Seu marido foi faz parte de uma facção, ele foi preso já tem quatro meses, ele é até gente boa, apesar das suas escolhas.
Jéssica sempre que dá visita ele, com o passar dos meses ela diz que vai ser mais difícil, por conta da barriga e que vai ficando bem mais cansada.
Dou um beijo nela, abro o portão e saio subindo a rua, vejo a Carina perto do ponto, ela me ver e solta um sorriso de lado. Essa daí é doida, ela diz que nesse mundo que vivermos não dá pra viver só com um salário mínimo não. Então faz uns corre por fora, pra ter mais grana.
Quando estou virando a esquina que me leva até o ponto de ônibus, vejo minha lotação indo embora, solto um palavrão remungando, agora vai demorar cerca de uns quinze minutos para chegar outra lotação.
Fico ali parada de braços cruzados, não posso perder a lotação das dezessete horas em ponto, se não chego atrasada no curso. Depois de dez minutos vem outra, entro, passo meu bilhete, me sento pegando meu fone, depois de uns minutos já estou no metrô Itaquera.
***
A semana passou depressa, hoje já é sábado, minha supervisora sempre coloca uma meta, quem vende quatro cartões pode ir embora. Faço de tudo para vender antes da hora do almoço sábado é o dia que mais me esforço para vender.
Hoje vou trabalhar em um evento na Zona sul, meu pai vai comigo. Vou chegar em casa, tomar um banho, dá uma descansada e ir para o segundo trabalho do dia.
Vejo Carina e Jéssica em frente a nossa casa, Jeh assim que me ver faz um sinal com a mão me chamando, vou até lá, as duas ficam me olhando por um tempo, como se estivesse perdido algo.
- Oque foi palhaças. - as duas soltam uma risada.
- Tu tá sumida. - Carina diz guardando o celular no bolso.
- Estou trabalhando colega. - dou um piscada pra ela.
- Você trabalha, trabalha e nunca tem dinheiro. - Ela tem razão.
- Se quiser um dinheiro rápido e fácil já sabe né? - Carina diz me mandando um beijo no ar.
- Dinheiro que pode me levar presa? Não, obrigada. - Jeh solta uma risada.
- Ou pode virar mulher de bandido como sua prima fez. - Jéssica dá um t**a na perna dela.
- Tenho postura pra isso não. - Carina revira os olhos.
- Você é chata demais. - mostro o dedo do meio pra elas.
- Recebi uma carta do Cesar. - Jeh diz me olhando.
- E aí? - digo me encostando no muro
- Ele veio com uns papos estranhos. - ela faz uma expressão confusa.
- Eu só não vou, por que não curto vara. - Carina é lésbica.
- Quero ir visitá-lo. - ela diz baixando a cabeça.
- Vai, ué. - digo meio óbvio.
- Não consigo viajar sozinha.
Cesar foi transferido para uma cadeia que fica localizada em Campinas, fica a algumas horas daqui.
- Se ele pagar minha passagem, hotel, meu dia e comida, vou com você. - ela me olha sem entender.
- Viajo com você. Mas fico lá no hotel te esperando. - ela me olha e sei que está pensando na idéia.
- Vou falar com ele. - apenas faço um joinha e entro em casa.
Encontro meu pai no sofá batendo papo com o meu tio, dou um beijo neles, logo em seguida vou direto para o meu quarto, estou tão cansada que me deito na cama e capoto logo em seguida.