Primeiro dia de consultas

895 Words
Tudo estava perfeito, demorou dois meses a reforma e esse tempo valeu a pena esperar pois ele não iria trabalhar naquele lugar desprezível e imundo. Não era orgulho, nada disso era pelas crianças e adolescentes que viviam naquele lugar em condições desumanas. O governo teve de pagar uma alta indenização a instituição e esse dinheiro foi crucial na reforma. Estela recebeu Ângelo pela segunda vez, se na primeira já se "derreteu" pelo belo médico, a segunda vez faltou ajoelhar aos seus pés para agradecê-lo por ter feito tanto pela instituição quando ordenou que a reformas acontecesse e moveu céu e terra para que seu pedido fosse acatado pela autoridades responsáveis. Estela havia lutado por anos para que essa reforma acontecesse, mas sempre negavam. Com Ângelo fazendo parte da instituição a vida ali seria muito mais fácil para todos, afinal ele era um homem com poder e prestígio e uma palavra sua era uma ordem expressa a ser obedecida. Sua sala também o surpreendeu, estava tudo muito organizado, limpo e digno de um ambiente para atender as crianças. Porém o que mais o impactou foi ver colado ao quadro de recados na parede várias cartinhas com desenhos e poesias agradecendo a Ângelo por ter aceitado cuidar deles. O médico de coração de pedra sorriu ao ver a inocência bem diante de seus olhos. Pelo menos algo Bom em sua vida depois de viver tensos momentos de decepção. Sentou em sua cadeira, não era tão confortável como a sua de seu consultório particular na clínica mas já era alguma coisa decente perto da sala de horrores que ele encontrou ali pela primeira vez. Pegou sobre sua mesa a primeira ficha de atendimento, havia ali um nome, data de nascimento e a queixa do problema de saúde. Assim naquele dia iniciou seu trabalho na Instituição "Casa das flores". Conheceu diversas crianças e adolescentes, todos estavam saudáveis o que foi muito bom confirmar isso, apenas precisavam atualizar as vacinas. As crianças tinham o dom e a facilidade que entrar no coração quebrantado de Ângelo e fazer ali o que nenhuma terapia era capaz de fazer. Os olhinhos infantis, a doçura de suas vozes fizeram tão bem a ele aquele dia que durante a noite ele não sentiu necessidade de buscar prazer no sexo sem compromisso com alguma mulher que o desejava. Esse trabalho voluntário seria a melhor forma de ir se curando do seu passado, ali poderia encontrar sua melhor parte e estava disposto a fazer com que a cada vez mais as crianças daquela instituição tivessem toda a alegria que mereciam. Foi gratificante permanecer ali trabalhando, o tempo passou tão rápido que nem se deu conta que já havia anoitecido. Antes de ir embora fez uma lista de todas as coisas que iria comprar para deixar aquele lugar ainda mais acolhedor e humano. Ele se pegou pensando em quantas negligências aquelas crianças passaram devido a pobreza que viviam e enquanto estivesse em seu alcance dedicaria seu dinheiro e tempo a merecer seus sorrisos. Recolheu os papéis das consultas para arquiva-los mais tarde em seu notebook e precisou parar para anotar em sua infindável lista de compras que era urgente um computador novo para que facilitasse melhor a organização dos atendimentos. E no dia seguinte conversaria com a diretora Estela a fim de exigir uma secretária, pois era trabalhoso demais fazer tudo sozinho, desde a triagem até a organização da sala. Não que isso fosse algo impossível de fazer mas ele queria praticidade e uma dedicada secretaria deixaria tudo como gostava: objetivo e dinâmico. Precisava voltar para casa, tinha marcado um jantar com seus pais, que há dias estavam se queixando de que Ângelo não se importava mais com eles. Seus pais eram grandes empresários no ramo da publicidade, tinham uma renomada empresa de divulgação de moda. Porém eles eram dramáticos, emotivos demais, o que fazia Ângelo se perguntar se eram realmente seus pais, pois ele não sofria com coisas tão banais como a solidão e o desprezo. Até mesmo a traição doeu apenas algum tempo e deu lugar a aceitação e o tornou aquela "rocha humana" sem sentimentos para expressar. Passando pelo corredor ouvia as vozinhas das crianças, os risos e até mesmo alguma discussão seria sobre de quem era o brinquedo. Caminhando em direção a saída sentiu alguém esbarrar com violência contra seu corpo, imediatamente enviou seu olhar para verificar quem era a pessoa e se surpreendeu com a presença de uma garota, com o semblante assustado, olhos tristes porém vivos e brilhantes. Ela vestia daqueles uniformes de colegial, uma saia acima do joelho, camisetes branca com colete xadrez nas cores azul e preto. Quando deu atenção a sua aparência física pode perceber quão bonita era aquela menina ali parada a sua frente. Ela não lhe disse nada, parecia estar fugindo e com certeza teria chorado antes de aparecer ali na sua frente. Ângelo segurou com cuidado em seu braço e lhe disse: ___ Você está bem? A garota o olhou com desprezo e com movimento brusco fez com que sua mão saísse de seu braço e se afastou dizendo: ___ Não te interessa! A falta de educação misturada a presença forte de rebeldia deixou Ângelo atordoado, nunca alguém respondeu a ele com aquele tom de superioridade. Ele perdeu a paz diante daquilo, sentia sua face queimar e não soube o que responder e a deixou passar.
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