Jully
Os dias se arrastavam, cada um mais longo que o anterior, e eu sentia uma crescente agonia pelo distanciamento de Ares. Meu coração estava dividido, incapaz de escolher entre o melhor amigo que sempre esteve ao meu lado e o chefe, Nicolas, que de certa forma, despertava alguns sentimentos bons em mim.
Eu senti o olhar de Nicolas sobre mim, como se ele pudesse ler meus pensamentos. Seus olhos penetrantes nunca deixavam de me intrigar. No entanto, eu estava ciente de que a situação entre nós era complicada, especialmente porque ele havia deixado claro que tinha sentimentos por mim. A incerteza sobre o que fazer e como as coisas ficaram com Ares tornavam as coisas ainda mais complexas.
– Algum problema Jully? Parece um pouco distante. – Nicolas estava me encarando do outro lado da mesa. – Está distraída, espero não estar te cansando com os assuntos da empresa... faz tanto tempo que não sei como é ter uma vida pessoal.
– Nicolas, não é você que está me cansando. Está tudo bem com o trabalho, e eu realmente gosto do que faço. É só que... – minha voz tremeu ligeiramente, e eu comecei a me perder.
Ele inclinou a cabeça, demonstrando compreensão, e apoiou o queixo na mão. Seus olhos continuaram fixos em mim.
– Tem a ver com Ares, estou certo? – ele perguntou delicadamente, mas vi que seu corpo ficou mais tenso e sua postura mais rígida.
Assenti com um suspiro.
– É que já faz algum tempo que não nos vemos e isso não é muito comum. – Falei tentando aliviar o clima visivelmente mais pesado que se instaurou.
– Não consigo entender como alguém tão esperta como você, deixou que Ares fincasse suas garras tão profundamente... – Nicolas murmurou, suas palavras transmitidas de uma complexa mistura de emoções.
– É difícil, até para nós mesmo, mas ele faz parte da minha vida, uma parte importante dela e quem quer que queira entrar, deve saber que tem que aprender a lidar com isso. – Estava bem obvio que aquela era uma mensagem direta para ele, Nicolas não pode querer chegar agora e se tornar mais importante do que Ares.
Sei que estou exigindo demais, como posso esperar que ele entenda uma situação que nem eu mesma consigo entender?
– Isso está tão claro quanto a água... se quiser deixar para conversar depois, eu entendo, podemos voltar para a empresa. – Sua irritação estava escancarada.
– Tudo bem, temos bastante trabalho a fazer...
– Falando no d***o. – Os olhos de Nicolas estavam fixos na entrada do restaurante, seu maxilar travou e seus olhos estavam disparando faíscas. – Parece que não precisa mais ficar tão preocupada, como sempre, Ares está em boa companhia.
Segui seus olhos e vi Ares entrando no restaurante com uma mulher. Ela era deslumbrante, embora completamente diferente do padrão que costumamos seguir. Meu coração deu um salto doloroso no peito.
A tensão no ambiente parecia aumentar à medida que a cena se desenrolava diante de nós. Nicolas olhou com a expressão fechada, enquanto eu tentava acompanhar tudo o que estava acontecendo. Ares e sua acompanhante caminharam em nossa direção e o chão parecia estar sendo puxado debaixo de mim.
– Nicolas... – comecei a dizer, mas ele me interrompeu com um gesto.
– Não se preocupe, Jully. Você lida com isso. Vou te esperar lá fora. – Ele se levantou rapidamente, empurrando a cadeira para trás, mas antes que pudesse sair a voz de Ares nos alcançou.
– Já está indo embora Nick? Fique um pouco mais. – Senti a provocação em sua voz. – Faz tanto tempo que não nos falamos.
A situação estava caótica, e eu me vi entre Ares e Nicolas, os dois homens que tinham ocupado espaços tão diferentes em minha vida, e que pareciam ter uma inimizade terrível.
Nicolas parou, seus olhos fixos em Ares, e por um momento, parecia que os dois estavam prestes a entrar em conflito. A mulher ao lado de Ares olhava, apreensiva, para a cena, e eu me perguntava o que ela estava pensando de toda essa situação.
Ares quebrou o silêncio, seu tom suave carregando uma ponta de ironia.
– Jully, apresento-lhe a minha amiga, Emma. Emma, essa é Jully, uma amiga de longa data.
Ela acenou com um sorriso educado, mas eu podia ver uma faísca de curiosidade e desconforto em seus olhos. Ela devia estar se perguntando sobre o contexto da situação, e eu não conseguia culpá-la.
– Prazer em conhecê-la, Emma. – Eu respondi com uma voz trêmula, ainda tentando processar tudo o que estava acontecendo.
Nicolas permaneceu em silêncio, observando a interação com olhos atentos. Eu me sentia presa no meio de um furacão emocional, sem saber como sair dessa situação delicada.
– Na verdade, Ares, não faz tanto tempo assim que nos falamos. Me lembro bem que a mais recente, foi quando você me mandou ficar longe da Jully. – A voz de Nicolas interrompeu o constrangimento que se instalou no ambiente. Meus olhos se arregalaram, e voaram para Ares. – Como pode ver, não costumo seguir ordens. – Nicolas acrescentou, seu olhar desafiador fixado em Ares.
O silêncio tornou-se ainda mais opressivo, à medida que as palavras de Nicolas pairaram no ar. Ares estava visivelmente irritado, e eu me senti como um peão em um jogo que não entendia completamente.
– Nicolas, eu não acho que esse seja o lugar ou a hora... – Eu tentei interferir, minha voz expressando minha preocupação.
– Você está certa, Jully. Este não é o lugar nem a hora para isso. – Ares se virou para Nicolas. – Vamos falar sobre isso em um ambiente mais apropriado e no momento certo. Você sabe Nick, eu odeio que não sigam as minhas ordens.
Nicolas ficou com a expressão ainda mais tensa, e eu me levantei.
– Nós já terminamos, acredito que seja o momento para irmos, preciso voltar ao trabalho. – Eu me virei para Emma, que observava a cena com interesse. – Desculpe por toda essa confusão, Emma. Não é a maneira como eu imaginava que esta tarde aconteceria, estava indo tudo tão bem...
Ela sorriu gentilmente.
– Não se preocupe, Jully. Parece que você tem um pouco de drama em sua vida, mas quem não tem? Afinal, o que é a vida senão uma série de problemas para resolver?
Concordei com um suspiro, percebendo o quão certa ela estava. A vida era cheia de surpresas, e tudo o que podíamos fazer era enfrentá-los da melhor maneira possível.
– Foi um prazer conhecê-la. – Minha voz soou automática, mesmo que uma parte de mim discordasse. – Ares. – Meus olhos encontraram os dele, e uma onda de emoções me atingiu. Sua expressão era impenetrável, e eu senti minhas pernas fraquejarem diante da intensidade de seu olhar. – Vamos falar sobre tudo isso depois. – Eu disse, tentando encerrar aquele encontro desastroso de forma civilizada.
Ares assentiu e sorriu, mas seu sorriso parecia falso, aqueles que ele nunca destinava a mim.
– É claro... – Ele respondeu, sua voz mantendo a cortesia, mas o brilho em seus olhos não era mais o mesmo que eu costumava conhecer. – Você sabe onde me encontrar.
Como é que um simples almoço conseguiu finalizar de maneira tão tumultuada? Enquanto caminhava para fora do restaurante com a mão de Nicolas marcando um território que não era dele em minha cintura, senti os olhos de Ares queimarem em minhas costas. Fiquei pensando na mulher que estava com ele e uma voz me dizia que esse momento tinha mudado alguma coisa.