Hikari, a hirou de fogo

2568 Words
Maruyles estava voando com o seu grifo de gelo. Estava no meio das nuvens, mas aos poucos foi descendo. Olhava admirado para a cidade, mas tentava não chamar atenção. Era um pouco difícil para ele e precisava de um pouco de prática, mas nada muito preocupante.  Olhava o movimento de Tóquio. As pessoas caminhando nas ruas, sejam acompanhadas, sozinhas, jovens, velhos, adultos, casais, solteiros, amigos ou alguns conhecidos. Alguns caminhavam onde estavam na calçada, outros atravessavam as ruas, chamavam um táxi, ou então dirigiam carros, motos, caminhões, ônibus ou outros tipos de veículos.  O movimento em Tóquio era nítido e Maruyles estava encantado com aquilo. Era como se ele tivesse entrado em coma e acordado agora. Três anos no Templo dos Hirous era como se tivessem sido três séculos para ele, na forma metafórica. Esqueceu-se do movimento de Tóquio, do trânsito, das pessoas que vestiam roupas contemporâneas, totalmente diferente das roupas que o brasileiro estava usando. Maruyles se esqueceu que muitos que estavam na cidade eram naturais do Japão. No templo, havia vários estrangeiros como ele. Maruyles se esqueceu da estrutura das ruas, de como elas comportam as pessoas e os veículos, enfim, foram três anos que para o brasileiro era como se tivessem passado três séculos.  Agora, ele se preocupava em achar um lugar. Onde poderia ficar a essa altura do campeonato? Não conhecia nenhum lugar por perto, tão pouco sabia de algum lugar. O que poderia fazer? Não tinha como ficar voando em cima de um grifo de gelo para sempre, sem ter o que comer, sem ter onde dormir e sem ter o que vestir, com quem falar, onde passar o tempo e tudo mais. Tinha o dever de proteger as pessoas, mas precisava se cuidar também. Mas onde fazer isso? Como poder ter sua vida no meio urbano se ele não conhece nada nem ninguém? Era como se ele voltasse a ser aquele estrangeiro que entrou no Japão quando foi recrutado para atuar como hirou.  Maruyles estava perdido em seus pensamentos. Tinha que fazer alguma coisa a respeito, não poderia somente ficar nessa situação. Pensava em uma solução. O que fazer? Teria que pedir ajuda? O rapaz achou melhor fazer isso. Ele faz seu grifo de gelo pousar no telhado. Não seria melhor que fizesse isso no chão. Chamaria atenção das pessoas. Não ligava para as suas roupas, pois percebeu que era comum encontrar algumas pessoas vestidas com quimonos, mas normalmente, era para shows. Quem sabe se ele fizesse isso, usar esse argumento para caso alguém pergunte por que ele usava tais roupas, não dizia que estava se preparando para um show?  Ao pousar na cobertura de um prédio, Maruyles vê o seu grifo de gelo virando uma espada. Ele pega a arma que estava no chão e a embainha. Olhava para os lados, enquanto sentia aquele mesmo vento de antes balançar o seu r**o de cavalo. Adorava aquele momento com o vento. Olhou para uma cabine que tinha e achou aquilo curioso. Decidiu entrar nela. Quando fez isso, viu que tinha alguns botões com números e algumas letras que era de costume em ter nos elevadores. Maruyles decidiu apertar na letra que mais lhe chamou atenção. Era um kanji de térreo. A porta se fechou e o brasileiro ficou impressionado com o que aconteceu. Sentiu a cabine se movimentar ao seu redor. Mas o que significava isso?  Aqueles movimentos duraram alguns segundos, quando Maruyles sente que algo tinha "batido" na cabine. A porta se abriu e Maruyles se vê dentro de um local onde tinha um balcão com uma pessoa muito bem vestida, parecia um executivo. Ela recebia algumas pessoas e Maruyles sai da cabine que era um elevador. Ele caminha até aquela pessoa que atendia as outras e indaga: — Com licença? Onde estou?  A mulher fica assustada ao ver Maruyles e achou estranho ele estar usando aquelas roupas. Ela tinha um coque feito em seus cabelos loiros, a pele branca, olhos azuis e usava um terno feminino preto.  — De onde você veio? — Indaga a recepcionista.  Algumas pessoas olhavam para Maruyles. Uns não gostaram da chegada dele, enquanto outros cochichavam algo uns para os outros, talvez falando de suas roupas.  — Estava na cobertura.  — Como parou ali?  Um cliente perdeu a paciência e disse para a recepcionista atendê-lo. Esta obedeceu e deixou Maruyles para lá. O rapaz achou uma falta de educação do cliente, mas decidiu sair. Sentiu que arrumava confusão e achou melhor sair daquele local. Algumas pessoas ainda olhavam para ele curiosas sobre o que aconteceu, mas não tinha problema.  Maruyles caminhava nas ruas de Tóquio. As pessoas olhavam para ele sem entender do que se tratava, mas deduziram que fosse algum tipo de show que ele iria fazer. O brasileiro não ligava, continuava sua caminhada em busca de um lugar para ficar. Ficou com a recepcionista na cabeça e o local que era bem grande, parecia ser um aeroporto, pelo visto, mas não era, já que não se ouviam sons de aviões naquele momento. O que poderia ser aquele local?  Maruyles esqueceu seus pensamentos. Achou melhor não ficar ruminando muito sobre eles. Decidiu apenas continuar sua caminhada tranquilamente até que encontrasse um lugar para ficar, mas sentiu falta de um hirou. Queria que um hirou pudesse ajudá-lo, queria que aparecesse um naquele momento para que ambos se ajudassem. Maruyles não tinha dinheiro também. Como faria para alugar uma morada para poder ficar?  Depois de alguns segundos caminhando e olhando para os pontos de comércio, as casas, os estabelecimentos e todo tipo de lugar que o leitor possa imaginar, ele acaba topando com uma cena que estava para se desenrolar.  Havia uma garota de cabelos ruivos soltos, olhos da mesma cor de seus cabelos, a pele branca, não muito pálida, usava um quimono vermelho com botas e a borda de suas mangas amarelas. Tinha um arco com uma mochila que tinha flechas em suas costas. O arco era vermelho e as flechas eram douradas. A bolsa tinha uma mescla de vermelho com amarelo.  Essa garota, que aparentava regular de idade com Maruyles, discutia com um homem de cabelos castanhos, pele branca e olhos verdes e terno preto, que estava na entrada de um hotel.  — É uma palhaçada esse negócio de ter quarto apenas para duas pessoas! Qual o seu problema? — Indaga a garota, que parecia zangada.  Ao notar o jeito da garota, Maruyles deduziu ser uma hirou e ainda do elemento fogo. Os hirous de fogo são os de personalidade forte. São determinados e não baixam a cabeça para ninguém, ao mesmo tempo que são impulsivos e estressados.  — Desculpe, moça, mas é a política deste hotel. Não posso fazer nada por você. — Responde o homem.  — Quer saber de uma coisa? Por que não pega essa política do hotel e não enfia bem no meio do seu… — Ela não concluiu. Parou na hora e mudou de tom de voz, antes alterado agora calmo. — Deixe para lá. — Ela decidiu sair de perto. Aparentava ter se estressado muito com o funcionário do hotel e agora saiu do local.  Ao mesmo tempo que ela fazia isso, estando distraída, ela acaba tropeçando e cai em cima de Maruyles.  — Ai meu Deus, desculpe. — Disse a garota, que ao olhar para o brasileiro, fica com o rosto corado. — Desculpe mesmo, eu lhe ajudo. — Ela se levanta rapidamente e estica a mão para o rapaz.  Maruyles aceita e pega na mão da garota.  — Desculpe perguntar, mas o que aconteceu há pouco? — Indaga Maruyles.  A garota nota que o rapaz estava usando um quimono e portando uma espada. Ficou na dúvida se ele era um hirou ou não.  — Bem, aquele i****a disse que eu só posso entrar nesse hotel se eu tiver uma companhia. Eu não tenho essa tal companhia que ele quer e não sei se o dinheiro que eu tenho será o suficiente para o ano todo.  — Para quanto tempo você tem?  — Seis meses.  Maruyles achou interessante.  — Se eu arrumar o parceiro, só vai ter três meses, a menos que eu trabalhe para alugar um apartamento.  Maruyles olha um pouco para a garota e indaga: — Qual o seu nome?  — Hikari. Hikari Murakami. — Responde a garota. — E você? Não aparenta ser daqui. É de qual país?  — Sou do Brasil. Meu nome é Maruyles Bach.  — Você é um hirou?  — Sim, eu sou.  Hikari sorri. Teria gostado da ideia de encontrar um hirou em momentos como esse.  — Eu também sou uma hirou e pelo visto, você deve estar procurando algum lugar para ficar, não é?  — Sim, eu estou.  Hikari estava pensativa. Gostava da companhia de outro hirou. Tinha receio em ter que dividir o quarto com um desconhecido, de repente com um pervertido ou algo do tipo. Com um hirou seria mais tranquilo, ainda mais a julgar pela personalidade de Maruyles que não tem indícios de ser algo do tipo indesejado à ela.  — Bem, por que não dividimos o quarto então? — Indaga Hikari.  — O quê? Mas… Está tudo bem?  — Claro. Hirou com hirou dá certo. — Hikari dá uma leve risada cobrindo a boca. Ela olha para trás para ver se o funcionário ainda estava, mas ele já tinha saído. Voltou sua atenção para Maruyles. — Espere aqui que eu já volto. — Em seguida, ela sai para falar com o funcionário.  Não demorou muito para conseguir o que queria. Quando se percebe, Maruyles estava com Hikari dentro de um quarto que tinha um papel de parede vermelho por cima e azul por baixo. Haviam duas camas uma ao lado da outra, com roupas de cama que constavam em um travesseiro com fronha azul e coberta vermelha. Havia um criado-mudo no meio das camas que tinha um telefone e alguns livros na parte de baixo. Havia uma gavetinha no criado-mudo.  Tinha nas paredes alguns quadros de pintores clássicos como Leonardo Da Vinci e Pablo Picasso. A cortina era branca e Hikari a abre. Podia se ver a paisagem da cidade. O trânsito estava movimentado e algumas pessoas caminhavam na calçada. O dia estava frio, com um nublado mais claro. Alguns passarinhos que passavam, cantavam conforme balançavam seus esqueletos para voar.  — Bem, Maruyles, bem-vindo de volta ao mundo urbano. — Disse Hikari, que esvaziava sua mochila.  Maruyles fazia a mesma coisa, quando sua nova companheira de quarto indaga: — Você tem dezoito, não é?  — Sim. E você?  — Dezenove. Estou aqui há um ano, mas fui me mudar para a China.  — Fazer o quê lá?  — Resolver algumas pendências que tinha, nada de mais. Depois disso, voltei para o Japão, terra onde nasci. Eu já morei na China, mas percebi que o meu lugar é aqui mesmo.  Maruyles gostou do que Hikari disse. Já tinha vontade dele voltar para o Brasil, mas sentia algo que fazia com que ele ficasse no Japão mesmo. Gostava de onde estava, mas não descartava a ideia de voltar para o país onde nasceu.  — Você é do Brasil, não é? — Indaga Hikari.  — Sim, eu sou.  — Sente falta de lá?  — Às vezes, mas eu gosto mais daqui mesmo.  Hikari sorri.  — Que bom que gosta daqui. Vamos explorar juntos este lugar novamente, como se tivéssemos chegado há pouco.  — Isso. — Maruyles sorri. Ele olha para o arco e flecha que estava no canto da parede.  — Você é do elemento fogo?  — Ahn? Sim, sou. E você?  — Gelo.  Hikari parecia impressionada.  — Dizem que os usuários de gelo e fogo são uns dos mais fortes, só perdendo para os usuários de luz e trevas. — Ela sorri maliciosamente para Maruyles. — Parece que seremos rivais. Os usuários de fogo são rivais dos de água e de gelo, amigos dos de terra e trovão, mas não se dão bem com os de ar, luz e trevas. Mas isso tudo são só mitos.  — Você acha?  — Sim.  Maruyles refletiu um pouco sobre o que Hikari disse. Ficou curioso sobre o seu elemento.  — E os de gelo?  — Não sei. Eu só sei o que o meu elemento significa para os outros. — Hikari sorri boba.  Maruyles pareceu decepcionado, mas não ligou muito. Hikari não era obrigada a saber de tudo e deixou para lá. Ambos terminaram de arrumar suas coisas e cada um foi fazer algo.  Hikari disse que iria pedir algo para comer. Estava morrendo de fome e não comeu nada o dia todo. Maruyles pegou um livro para ler. Gostava de colocar a leitura em dia. Tinha o hábito de ler. O seu mestre, Kenji, disse que a leitura é um alimento para o cérebro, da mesma forma que uma comida é um alimento para o corpo e a meditação e a reza são alimentos para o espírito. Maruyles aprendeu muito com o seu Mestre Kenji, desde as coisas mais simples até as mais complicadas. Gostava de aprender coisas novas, sempre tinha disposição a aprender algo desse tipo. O livro que estava lendo era uma história de um rapaz que era professor de matemática e se muda para uma ilha para exercer sua função. Maruyles já tinha lido esse livro antes, mas não no momento em que se tornou um hirou ou que estava em fase de desenvolvimento para atuar como tal.  Hikari falou no telefone que queria uma pizza. Detalhou como queria a pizza, mas não é necessário detalhar ao leitor o sabor da pizza para o capítulo não ficar muito extenso. Depois de feito isso, ela desliga o telefone e olha para Maruyles que estava lendo seu livro.  — Você gosta de ler? — Indaga Hikari.  — Claro. O Mestre Kenji sempre dizia que…  — … A leitura é o alimento da mente.  — Você o conhece? — Maruyles se impressiona.  — Claro que o conheço. Eu já fui aluna dele. Por que não o conheceria?  — Bem, você poderia ter sido…  — … Aluna de outro mestre, eu sei, mas a maioria gosta mais do Mestre Kenji. Eu também gosto muito dele, mas não era muito de seguir sua filosofia. Sempre fui mais capaz de criar a minha própria.  — Entendi. Eu sempre segui o que ele disse. Tanto que aqui estou eu com um livro na mão alimentando minha mente. — Maruyles dá uma leve risada.  Hikari sentiu admiração em Maruyles, ao mesmo tempo que ele poderia ser algo a quem pudesse ser superado. Apesar de estar sendo legal com o rapaz, Hikari sentia vontade de competir com ele. Sempre que o via, o Mestre Kenji passava em sua cabeça. Era como se ele fosse a cópia perfeita do mestre e de fato, poderia ser isso. Chegava a adotar a filosofia dele para poder progredir na vida. Não era contra o Mestre Kenji, bem pelo contrário. Assim como todos, ela também sempre o respeitou e o tinha como admiração, no entanto, gostava mais de criar seus próprios pensamentos, ter sua visão própria da vida. Sabia que não era fácil ser um hirou, pois tinha que conciliar várias coisas ao mesmo tempo. Da mesma forma que um hirou tinha que proteger a população em si, também tinha que tirar um tempo para se divertir, para poder relaxar a mente, distraí-la, pois não se sabe o que pode acontecer em seguida.  Depois de muito refletir, a pizza finalmente chegou. 
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