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952 Words
A Caminho do Bando Estrela da Noite o ronronar do motor do carro de luxo era a única trilha sonora naquela estrada deserta. A paisagem passava em borrões pela janela, as árvores altas formando um túnel natural enquanto Heron dirigia com firmeza. No banco do passageiro, Gael repousava a cabeça contra o encosto, os óculos escuros ocultando seus olhos azuis e intensos. Para qualquer um que olhasse de fora, ele parecia dormir, alheio ao mundo ao redor. Mas a verdade era outra. Gael não poderia dormir nem se quisesse. Ele já não era mais o garotinho que saiu do bando Estrela da Noite há sete anos. Seu corpo antes magro agora era moldado por músculos forjados no rigor do treinamento e na brutalidade das batalhas. Seus olhos, antes apenas brilhantes e cheios de vida, haviam se tornado algo muito mais intenso e c***l. Ele já não era apenas um menino poderoso. Agora, ele era um homem extremamente mortal. E, a cada quilômetro que os levava de volta ao seu antigo lar, Gael sentia que algo dentro dele regredia. O garoto que ele foi, aquele que teve tudo arrancado em uma única noite, parecia despertar dentro de si, pequeno e frágil. Ele podia ver, como se estivesse acontecendo diante de seus olhos novamente, a expressão impassível de seu tio Vitor enquanto anunciava a traição dos pais de Ava. "Traidores. Mataram sua mãe." Gael nunca questionou seu tio. Nunca teve tempo para isso. As palavras foram como golpes secos, ferindo sua mente ainda imatura. Confuso, sozinho, perdido, ele tentou encontrar apoio na única pessoa que lhe restava. Ava. Mas então, ele viu. Viu seu tio erguer a mão e atingir Ava com brutalidade. Viu a garota cair no chão, os olhos arregalados de medo e dor. Viu que ela também seria tirada dele. Naquele momento, algo dentro de Gael se despedaçou. Ele não podia perder Ava. Não podia. Então, fez a única coisa que lhe veio à mente. "Levem-na para as masmorras. Que pague pelos crimes dos pais viva." A ordem saiu de sua boca como uma sentença de morte. E ele sabia disso. Mas era o único jeito. Se ele não fizesse aquilo, Vitor a mataria ali mesmo, diante de seus olhos. Ele não suportaria. Foi apenas quando a ficha caiu que ele compreendeu. A partir daquele momento, Ava estava morta para ele. Ele nunca mais poderia ser seu amigo. Nunca mais poderia olhá-la sem lembrar da traição. Ele tinha que odiá-la. Devia isso à sua mãe morta. Devia isso ao seu pai, que permanecia em coma até hoje. Gael apertou os punhos ao lembrar disso, sentindo suas garras querendo se estender. Algo dentro dele se revirava. Vulcano. Seu lobo interior estava inquieto. Gael sentiu a presença dele pulsar dentro de seu peito, e aquilo o deixou tenso. "O que foi?" – perguntou mentalmente. Vulcano rosnou baixo, ameaçador. Mas não respondeu. Gael franziu o cenho. Por que seu lobo estava se comportando assim? Ele não teve tempo para aprofundar essa dúvida, pois, naquele momento, a estrada que cortava a floresta do bando apareceu diante deles. "Pare" – ordenou. Heron imediatamente freou o carro, os pneus derrapando levemente sobre a estrada de terra. Ele lançou um olhar ao amigo, esperando uma explicação. "Vou correr" – Gael disse simplesmente, removendo os óculos escuros. Seus olhos azuis brilharam, ferozes. "Me espere em frente à casa do bando com minhas roupas." Heron suspirou. Ele sabia que discutir seria inútil. Gael nunca falava muito sobre seu passado. Era fechado, calculista, sempre guardando tudo dentro de si. Mas agora, ao vê-lo tão perto de casa, Heron conseguia perceber. Estar ali estava custando muito para Gael. Por isso, ele apenas assentiu. Gael abriu a porta do carro e saiu para o lado de fora. O vento da floresta veio de encontro a ele, trazendo consigo cheiros antigos e familiares. Ele começou a se despir. Primeiro, a jaqueta de couro. Depois, a camisa preta. Cada peça caía no chão sem hesitação. Os músculos rígidos de seu torso se destacavam sob a luz do amanhecer, as cicatrizes de batalhas passadas traçando histórias que ninguém jamais conheceria. Os sapatos vieram em seguida, depois a calça. Por fim, ele ficou apenas com a pele e a natureza ao seu redor. Fechou os olhos. A transformação veio como uma onda avassaladora. Seus ossos estalaram primeiro, alargando-se, crescendo, mudando de posição. As costelas se expandiram, a coluna se alongou, os músculos vibraram enquanto se moldavam a uma nova forma. A dor era uma velha amiga. Gael sentiu as mãos se tornarem patas, os dedos se fundindo em garras negras e afiadas. Seu rosto se projetou para frente, o maxilar estalando enquanto os dentes se tornavam presas cortantes. O pelo n***o surgiu, crescendo por todo o seu corpo como uma sombra viva, densa e brilhante. Seus olhos brilharam como duas tempestades azuis no meio da escuridão. Vulcano ergueu a cabeça e respirou fundo. Ele estava de volta. Sem esperar mais nada, Gael disparou floresta adentro. Seu lobo era um gigante, um predador absoluto. Cada passada fazia o solo tremer, seus músculos trabalhando em perfeita harmonia enquanto ele cruzava a mata em velocidade avassaladora. O vento cortava seu rosto, os cheiros da floresta invadiam suas narinas, e ele corria. Corria como se pudesse fugir do passado. Corria como se pudesse fugir de si mesmo. Mas era impossível. Gael sentia a mudança dentro de si. Sentia algo velho e esquecido despertando. Cada quilômetro que o aproximava do bando Estrela da Noite parecia rasgar um pedaço de sua máscara. Ele não era mais apenas o Alfa frio e mortal que governava com pulso firme. Ali, naquela estrada, na floresta, ele sentia-se, mais uma vez, como o garotinho que perdera tudo.
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