O dia começou bem, o despertador tocou me fazendo acordar, mas minha vontade era manter meu corpo completamente jogado de qualquer jeito na cama e quebrar aquele demônio que tinha um som horroroso. Com meu pijama roxo e o cabelo bagunçado, levantei reunindo forças para me espreguiçar. Eram cinco da manhã, cedo demais para começar o dia, porém Matt e sua atitude me fizeram deitar mais cedo; sem contar as horas de sono perdidas durante a madrugada com os pesadelos que tive.
Estava h******l, e isso incluía meus olhos inchados de tanto chorar. Arrastei-me até o banheiro, coloquei pasta de dente na escova e deixei de lado. Tirei minha roupa e tomei um banho rápido, mas libertador. Quando saí do chuveiro fui escovar os dentes, olhando com atenção meus olhos irritados e inchados da noite perturbada de sono que tive. Como olharia para Matt agora, depois do que ele fez? Tentei apagar a lembrança do beijo, mas ela persistia em aparecer quando fechava os olhos.
Ainda enrolada na toalha segui para o closet, peguei minha blusa de manga comprida cinza, minha calça preta e deixei em cima da cama. Estava sem a menor vontade de ir trabalhar, fui até a cozinha e coloquei a cafeteira para funcionar. Café é meu vício, mas não qualquer café. Tinha que ser forte, e quanto mais amargo melhor; fazia-me lembrar da minha vida.
Amarga!
Ainda na cozinha, olhei para o maldito sofá velho e lembrei que tinha prometido trocá-lo assim que voltasse de Washington. Anotei mentalmente e era isso que faria no horário de almoço, caso não tivesse nenhuma reunião. Deixei a cozinha e fui me vestir, sequei o cabelo e o prendi em um r**o-de-cavalo. Tirei o estojo de maquiagem da gaveta da pia do banheiro e passei um pouco de base no rosto, para tentar esconder minha cara de defunto. Terminei a maquiagem e imaginei o que os outros falariam, já que quase nunca apareço maquiada no trabalho. Só que, desta vez, era necessário. Coloquei meu brinco de argola pequeno, com a ideia de ser a única coisa que usaria em minhas orelhas pelo resto da semana. Afastei-me um pouco e me vi no espelho, ficando satisfeita com meu visual um pouco mais arrumado.
Depois que terminei de tomar meu café conferi todas as portas antes de sair. Mania? Transtorno obsessivo-compulsivo? Maluquice? Não sei, mas repetia esse ritual em todas as vezes que saía; precisava olhar todas as fechaduras da casa, até a mais insignificante.
Eram quase sete da manhã quando desci para a garagem. Meu carro não era um modelo do ano, mas salvava minha pele desde que comecei a trabalhar no The Poster. Era um lindo Ford Escort Station Wagon dos anos noventa; quebrava mais que um galho, desmatava uma floresta inteira em minha vida.
Em frente ao enorme prédio do The Poster, parei no estacionamento, já imaginando como encararia Matt. Não me preocupava como seria meu lado profissional perto dele, mas sim o lado da nossa amizade, que definitivamente tinha sido abalada por aquele beijo, que mais me provocou arrepios horrendos do que prazer em sentir sua língua dentro da minha boca.
— Você está bem? — perguntou Tatiane, secretária de Elijah Aiden Hunter, assim que apareci. Tati tinha um rosto angelical e redondo, suas bochechas eram rosadas e deixavam seus olhos verdes ainda mais em evidência, sua pele branquinha se destacava em seu uniforme preto, que por sinal lhe caía muito bem. Ela era o tipo de pessoa com quem eu sairia se não fosse travada para convidar as pessoas.
— Mau… — suspirei pegando os documentos que ela me entregava. — Meu dia vai ser uma m***a… — ela me olhou com expectativa, mas não tínhamos i********e para falar sobre o que acontecera noite passada. Ou teríamos?
— Quer falar sobre isso? — ela sempre fazia essa pergunta quando eu chegava de cara fechada no trabalho.
— Na hora do almoço eu falo. — percebi sua surpresa por me ouvir dizer aquilo. Sempre que perguntava se queria falar sobre algo a resposta era a mesma: Depois eu falo! Mas nunca chegava realmente a comentar o que se passava na minha cabeça.
— Aproveite! — seu tom foi de alerta. — Seu dia pode melhorar, pense positivo. — piscou o olho quando Elijah abriu a porta e me olhou sério. Fiz algo errado? Suas sobrancelhas estavam unidas e sua boca tinha formado uma linha rígida assim que me viu. Percebi que era algo sério demais. Ele raramente fazia aquela carranca, mas quando fazia, era problema à vista.
— Você pode, por favor, entrar na minha sala? — ele não parecia exasperado, mas seu tom de voz não foi dos melhores. — Pedi explicitamente para Matt avisar a você para não se atrasar… — fez uma pausa e continuou: — E onde diabos ele está a essa hora? — Matt estava atrasado e deixou de me dar o recado do chefe. Minha raiva só aumentava.
— Me desculpe, senhor Hunter. — tentei manter o tom mais sereno que pude. — Mas Matt não me avisou que era para chegar mais cedo. Se ele tivesse me informado, estaria aqui no horário programado.
— Ah… — seu tom era de surpresa — Tudo bem. Não vou ficar estressado hoje. Não com o que tenho a dizer. — disse relaxando um pouco mais. — Não ligue para meu ataque, hoje está sendo um dia daqueles. — lembrei de que ele só gritava comigo quando tinha matéria boa e ele não concordava com alguns pontos dela; isso me deixou esperançosa, já que sempre era uma briga a respeito de quem iria cobrir qual matéria.
— Senhor Hunter… — falou Tatiane. — O senhor gostaria que eu ligasse para o senhor Brown? Seria uma boa ideia saber se ele já está a caminho. — sugeriu com sua carinha de anjo. Sempre prestativa!
— Claro… — sorriu com carinho para ela. Sempre achei que Tatiane tivesse uma queda pelo sorriso de Elijah, assim como noventa e nove por cento das mulheres do jornal, mas não havia notado, até aquele momento, que ele também tinha uma queda pelo sorriso dela. — E obrigado! — ela corou imediatamente.
Elijah abriu a porta para que eu entrasse em sua sala. Havia painéis espalhados no canto direito e alguns stands boards espalhados no lado esquerdo. A parede em frente à porta era composta por uma janela de vidro que ia do teto ao chão. Sua sala tinha um ar profissional intocável e muito organizado. Em seus quarenta anos, ele era respeitado por todos, o que levava qualquer pessoa a aguentar seus dias de mau humor sem que sua credibilidade fosse abalada. Os olhos castanhos claros e cativantes faziam um conjunto perfeito para seu rosto alongado e o queixo levemente quadrado; meu carinho e respeito por ele aumentava a cada dia, pois o considerava quase como um pai.
Quando sentou em sua cadeira, esperei pacientemente, pois sabia que ele não falaria nada sem a presença de Matt. Olhando para o lado, percebi que havia uma foto do Elijah com o senador Nathan em sua pose habitual. Braços cruzados de um jeito firme, poderoso, imponente… E um olhar desafiador. Ele usava um terno fino de ótimo corte, que deixava seus músculos quase estrangulados sob o tecido. Seus olhos azuis-celestes praticamente miravam em minha direção, mesmo sabendo que nada daquilo era verdade, afinal, não estava olhando para mim, era apenas uma foto.
Seu cabelo muito bem penteado e seus lábios, que formavam um sorriso quase malicioso e ligeiramente repuxado para cima, o deixavam ainda mais gostoso naquele terno. Por que homem de terno é outro nível! Olhei mais para baixo no stand board com sua foto e li o que estava escrito: Conheça o homem do momento: Nathan G. Fox. Pisquei algumas vezes para ter certeza de que tínhamos conseguido uma matéria com aquele homem, e quando voltei a olhar para frente, Elijah me fitava com expectativa. Ainda bem que ele não tinha como ler minha mente, senão as coisas ficariam completamente estranhas. A sensação do toque das nossas mãos, mesmo tendo sido rápido, ainda me perturbava mais do que o beijo de Matt, que naquele momento entrou na sala com uma expressão de quem tinha comido algo azedo.
Sem olhar para mim, se sentou na cadeira ao lado da minha. Pude ver que o lado do seu rosto estava um pouco roxo, mas não consegui sentir nenhum tipo de piedade por ele. Mais um pouco e o teria matado na noite passada.
— Bom… — começou Elijah olhando para o rosto de Matt com curiosidade. — Espero que o cara que fez isso em seu rosto esteja pior… — quase soltei uma risada, mas disfarcei muito bem e olhei de canto, para prestar atenção na reação que as palavras de Elijah tiveram nele.
— Infelizmente não, senhor. — sua voz era firme. Muito mais firme do que estava acostumada a ouvir. — Não deu para fazer o mesmo, o cara era mais forte do que eu. — olhou para mim, e se Elijah não estivesse nos observando, teria mostrado o dedo novamente para ele.
— Coloque gelo nisso, ou ficará um roxo esverdeado em pouco tempo. — o tom do nosso chefe era divertido. Acho que percebeu algo, mas não quis comentar e tornar aquilo algo sério, mas para mim, foi algo muito sério. Eles apenas não sabiam disso. — Mas não foi por isso que chamei vocês para essa reunião. — falou Elijah, juntando as mãos enquanto se apoiava nos cotovelos sobre a mesa.
— Já posso ter uma ideia… — resmunguei olhando para a foto no stand do lado esquerdo. O que fez Matt olhar também.
— Quero vocês nesta matéria. Mas aviso, não vai ser uma investigação… — disse olhando para mim. Ele sabia que entre todos naquele jornal era eu quem queria pisar no calo de Nathan. O grande senador Nathan G. Fox. — Vai ser algo diferente. — acrescentou. — O jornal anda passando por alguns apertos e faremos uma entrevista sobre ele, já que receberemos sua ajuda direta a partir de agora. É como se fosse uma exclusiva, que pretendo deixar em off dentro do jornal por algum tempo, até que a matéria esteja concluída. — não sabia o que era pior: o beijo de Matt com sua língua dentro da minha garganta, ou aquela notícia.
Meu rosto estava queimando de raiva. O que diabos ele faria dentro de um jornal? O que ele entendia sobre o assunto e sobre o trabalho que fazíamos ali? O homem cuja vida se resumia a ser incrivelmente falado nas mídias por ser o senador galã e ser investigado pela polícia com frequência, sem contar a sua vida amorosa que aparecia nos tabloides constantemente, a cada cinco minutos. Que diabos ele faria ali, naquele jornal?
— Isso é brincadeira? — questionei em um sorriso debochado. — Porque você só pode estar brincando comigo! — me levantei irritada pressionando as têmporas com força, na tentativa vã de espalhar a tensão que se formava naquele local.
— Na realidade — começou Elijah em seu tom calmo, que me deixava ainda mais irritada. — Não estou. — respondeu simplesmente. — E você irá entrevistá-lo. — arqueou as sobrancelhas para me confrontar, caso eu tivesse a ousadia de reclamar.
Sabia que jamais teria coragem de levantar minha voz para ele, mas aquela situação não me deixava nem um pouco confortável. Bom, ele era meu chefe e tinha que acatar suas ordens, mesmo sabendo que não gostava de cobrir matérias daquele tipo, que gostava de investigar, mas... Chefe é chefe!
— O que você tem? — perguntou Matt, e minha vontade foi de mandá-lo tomar naquele canto não de maneira educada, e sim com um: “Matt meu querido, você poderia ir tomar no seu orifício circular traseiro? Obrigada”. Ao invés disso, fechei a cara para ele e olhei para Elijah, que se sentou ao meu lado, na ponta de sua mesa.
— Você não ouviu que o jornal precisa de uma força? — perguntou.
— Matt… — minha voz saiu mais como uma ameaça — Fique na sua… — sabia que estava tão irritado quanto eu, mas não estava nem aí para ele. Queria que fosse se f***r. Estava irritada, e não esconderia isso de ninguém.
— Preste atenção, Lizzie… — começou Elijah novamente, com seu tom calmo, olhando para mim. — Se não fosse preciso, não pediria a você que se prestasse a esse papel. — senti sinceridade em sua voz. — Mas, você é a única neste jornal que conhece realmente a vida dele…
— Certo! — falei irritada, quando pensei no que realmente estava em jogo. O jornal era a vida de Elijah e se ele estava se submetendo a isso, era porque não queria perder tudo aquilo pelo que trabalhou a vida toda. — Faço essa maldita entrevista. — seus olhos se arregalaram de surpresa.
— Como? — perguntaram os dois ao mesmo tempo.
— Vocês não escutaram da primeira vez? — perguntei irritada. — Vou ter que repetir? Porque aí já é s*******m comigo. — o sarcasmo em minha voz era evidente. — Quando? E a que horas ele estará aqui?
— Ele não virá até o jornal… — informou Elijah me olhando, pronunciando lentamente as palavras. — Você que vai até ele, em uma de suas boates…
— Jesus! Era só o que me faltava! — não me via dentro de nenhum inferno daqueles, e muito menos fazendo uma entrevista naquele lugar sujo. — Você vai me pedir mais o quê? — deixei que ele percebesse minha maldade na pergunta.
— Isso você faz se quiser. — rebateu Elijah e percebi que Matt se divertia com a minha cara quando ele falou isso. — A vida s****l dos meus funcionários é de única e exclusiva responsabilidade deles.
— Matt… — advertiu Elijah, quando percebeu que ele estava se divertindo com tudo aquilo. — Você vai dar suporte a ela, mas apenas no final. Dead Line.
— Tudo bem, senhor. — ainda tinha vestígios de diversão em sua voz, quando respondeu.
— Quando? — interrompi. — Quando será?
— Amanhã à noite. — de repente algo r**m me passou pela cabeça. O que vestiria? Sapatos? Cabelo? Maquiagem? E por que estava pensando naquilo com angústia nas veias? Afinal, era apenas uma entrevista e nada mais. — Como sei de seu salário apertado... — começou Elijah. — Vou lhe dar meu cartão da empresa, com uma lista de lojas que irão recebê-la. — ele me cederia o seu cartão? Não tinha coragem de me vingar de Elijah torrando o seu cartão, mesmo que ele merecesse.
— Finalmente ela vai usar algo que não seja da cor bege, marrom, cinza e de mangas compridas… — debochou Matt.
— Não preciso de ajuda com isso… — quando falei, Elijah me interrompeu levantando a mão.
— Na verdade, — acrescentou. — Tatiane vai com você. — meu queixo caiu com o que ele disse. — Ela entende de algo que mulheres devem fazer juntas.
— Você pediu para Tatiane me ajudar? — fiquei comovida com seu gesto. — Obrigada! — cedi por fim.
O final da manhã foi um inferno. Tive que elaborar várias perguntas e, quando chegou a hora do almoço, estava pontualmente esperando Tatiane para combinar o que faríamos. Por isso tive que desistir da ideia inicial que formulei: puxá-la para comprar um sofá novo para minha sala, já que o meu estava completamente um lixo. No final das contas, Elijah me liberaria no período da tarde do dia seguinte, assim teria tempo suficiente para comprar alguma coisa maravilhosa para vestir, e apesar da minha relutância, algo dentro de mim se retorcia de ansiedade. Borboletas dançando dentro do meu estômago me deixavam ainda mais nervosa. Estaria frente a frente com Nathan G. Fox. E desta vez ele não iria escapar das minhas perguntas…
Isso era o que eu pensava!