Meus olhos estavam vidrados no Jaguar preto que partia com elegância, enquanto meu corpo débil estava jogado no chão. Sem fôlego e sem nenhuma ideia do que havia acontecido, fiquei com o pouco de orgulho que ainda me restava, e a pergunta que não saía de minha cabeça: O que tinha acabado de acontecer ali?
De longe pude ouvir a voz de alguém, mas foi apenas quando senti minha pele queimar por baixo da manga da blusa que voltei ao normal. Matt estava do meu lado. Seus lindos olhos estavam cheios de preocupação, porém nem isso fez com que deixasse de perceber que ele segurava meu braço com um pouco de força, e isso me deixou perdida, mais do que já estava. O toque de sua mão queimava, não apenas queimava minha pele como também provocava arrepios, ou melhor, calafrios. Seu olhar foi direto para uma de minhas mãos; não tinha notado que havia me machucado até o momento em que ele virou o rosto e olhou para o sangue e para a minha pele visivelmente arranhada. Não era grande coisa, mas fiquei muito irritada. d***a! Ele tentou chegar mais perto para me dar apoio, para que me levantasse, porém me afastei. Eu suportava toques, mas não por muito tempo, só que naquele momento não queria ser tocada por ele. Matt era homem, e ser tocada diretamente por um homem novamente me apavorava.
— Liz… — Matt tentou chegar perto de novo, mas não o deixei tocar em mim. Deus sabe o porquê de tudo. — Você precisa cuidar disso…
— Estou bem. — fui o mais convincente que pude. Reuni minhas forças não sei de onde e tentei parecer ainda mais convincente. — Não precisa se preocupar. — olhei minhas mãos, e aos poucos comecei a sentir os aranhões arderem. Fiz uma careta involuntária e Matt revirou os olhos, exasperado. Ele estava realmente irritado com algo, e isso me deixou irritada também.
— Deixa de ser teimosa, Liz. — falou mais firme e nitidamente furioso, mas a voz firme de um homem nunca me fez tremer, a não ser… Não! Não ia ficar pensando naquilo, sabia que aquele pensamento só tinha surgido na minha cabeça por causa das mãos firmes de Matt em meu braço.
Mas o toque de Nathan… Nathan era um homem fora dos meus padrões, da minha vida e da minha forma de enxergar o caráter de um homem. Entretanto, o toque rápido e sem pensar tinha sido o suficiente para me deixar fora do ar. Afastei esse pensamento da minha cabeça e encarei Matt, ainda olhando para mim. O que será que ele estava esperando? Tinha certeza que ele estava me olhando de um jeito estranho. Mas não sabia o que era, e isso estava me deixando p**a da vida.
— Vamos? — ele levantou a sobrancelha. — Você sabe que temos que lavar isso e fazer um curativo; vou pegar a caixa de primeiros socorros que está no carro.
— Eu sei. — respondi aborrecida. — Não sou burra. Sei que tem a caixa de primeiros socorros lá.
— Entendi! — rebateu quase me engolindo. — É que às vezes parece. — não ia brigar com ele. Fiquei calada, pois sabia que se revidasse começaríamos a discutir f**o.
Quase me arrastando segui até o carro, carrancuda. Para ser sincera não tenho muita paciência, na verdade nunca tive, e Matt estava abusando da pouca que eu tinha e do meu limite de sanidade, sendo mais irritante que nunca. Normalmente ele costumava ser direto quando tinha algo errado, e isso não era um bom sinal... Não estava sendo direto.
Chegando na van tirou uma pequena maleta branca com uma cruz vermelha no meio da tampa e, olhando para mim, esticou a mão para pegar a minha, mas eu ainda estava evitando seu toque.
— Ora, vamos… — resmungou irritado, revirando os olhos. — Se você não me der a maldita da sua mão como vou fazer o curativo? — olhei para ele procurando algum vestígio de um Matt extrovertido e sarcástico que sempre gostei, mas nada. Apenas seus lindos olhos verdes me encaravam completamente furiosos.
— O que você tem? — perguntei fechando a cara para dele. Matt precisava saber que eu não merecia ser tratada daquela forma — Ou você fala, ou fica de boca fechada. Por que não vou aturar esse seu estado de TPM masculina. — rosnei, me recusando a estender a mão para ele. — E pode deixar, eu mesma faço o curativo. Apenas arranhei a mão.
Se ele pensava que eu ia aturar aquele jeito dele, estava muito enganado. Ele fechou a cara também e saiu de perto, indo para a lateral da van e me deixando fazer o curativo sozinha. Limpei os arranhões, que não eram muito grandes, limpei o sangue e deixei sem cobrir, pois seria dolorido demais tentar retirar uma gaze de cima, depois de seco. Olhei meu trabalho bem-feito e respirei fundo, já que tinha me livrado do toque dele. Eu já tinha esgotado a minha tolerância de toques por um dia. Quando entrei no carro, bati a porta com força para ele ter certeza de que estava com raiva. Pelo espelho lateral do carro pude vê-lo entrar na van pela traseira e fechar a porta. Em pouco tempo estava sentado no banco do motorista e deu a partida, sem olhar para mim. Foi uma viagem de volta silenciosa. Graças a Deus.
Mais de quatro horas depois e um engarrafamento na Avenida Columbus, finalmente chegamos ao meu prédio. Já era noite, pude ver o céu límpido e cheio de estrelas, o tempo estava agradável e um pouco úmido. Não estava satisfeita com o que tinha acontecido, porém consegui uma boa reportagem com a secretária do deputado e arranquei dela mais do que qualquer outro jornalista havia conseguido. A cretina tinha informações que colocaria o s****o em maus lençóis, e no final de tudo, o que ela queria era fama e ganhar muito dinheiro com isso.
Saí da van, batendo a porta novamente com força sem olhar para trás, logo em seguida ouvi a porta do motorista bater também. Matt saiu do carro para se desculpar. Seria o máximo que poderia fazer, se desculpar por ser um completo grosso.
— Liz, espere… — pediu com a voz um pouco hesitante. Parei na mesma hora, girando os calcanhares para ficar frente a ele, arqueando uma sobrancelha.
— O que foi agora? — a rispidez em minha voz o fez murchar um pouco.
— Eu… — suspirou. — Quero pedir desculpa e… — fez uma pausa. — E queria falar outra coisa… Quero mostrar uma coisa a você há dias, mas não tive coragem… — os pelos do meu corpo começaram a se eriçar. Medo? Pânico? Tentei abrir a boca para falar algo, mas não consegui.
Aos poucos se aproximou de mim, não do mesmo jeito preocupado que tinha feito enquanto olhava para meus arranhões. Era de um jeito diferente… Seus olhos estavam mais escuros, e isso não era boa coisa. Senti minha respiração falhar e sumir por um tempo quase indeterminado. Seu corpo estava mais perto do que de costume, e isso me deixava completamente desconfortável.
Sua proximidade era tanta que me fez ficar enjoada, mas não por ele ter mau hálito ou coisa parecida. Era algo mais. Meu sexto sentido, ou melhor, meu décimo sentido, me dizia que ele iria fazer algo do qual se arrependeria. Sua boca estava entreaberta e seu hálito de hortelã veio direto para o meu nariz. Estava imóvel. Mármore puro em sua frente, até que fez o que não deveria ter feito…
Em um piscar de olhos sua língua estava dentro da minha boca, explorando cada centímetro; sua boca quente, macia, engolindo completamente a minha. Foi angustiante para dizer a verdade. Quando sua mão foi até o alto da minha cintura considerei isso o limite das minhas forças. Com um movimento brusco saí de perto dele e minha mão foi direto no meio de sua cara. Não foi um t**a e sim um soco de direita, abaixo do seu olho, direto na maçã do rosto, quase pegando o queixo e que o fez cambalear. Meus olhos estavam arregalados, sabia que sentia algo, mas ele poderia ter lido os malditos sinais. Não o queria! Não do jeito que ele estava pensando.
— O que você pensa que está fazendo?! — não foi uma pergunta. — Seu i****a! — gritei, sentindo todo o meu corpo reagir ao seu toque indesejado. — Nunca mais encoste a mão em mim! — minha respiração irregular mostrava o quanto estava alterada. Irritada pra c****e.
— Você me deu um soco? — ele alisava freneticamente a maçã do rosto. — Você me socou por causa de um beijo? Um maldito beijo?
— Imagine o que faria com você se demorasse mais um pouco, seu i*****l! — semicerrei os olhos repletos de raiva. — Garanto que suas bolas estariam em minhas mãos agora, e não seria para fazer carinho nelas. Virei-me e saí com passos firmes.
— Lizzie! — gritou. — Espere… Por favor, me desculpe…
— Você é doente Matt! — levantei o dedo do meio para ele, sem me importar que fosse um gesto vulgar. Sei que isso não era coisa de menina, mas foi um mau hábito que adquiri em um tempo não muito favorável da minha vida, e até gostava de usar esse gesto, principalmente quando a pessoa merecia. E Matt era um que merecia não só um dedo do meio estirado como também uma boa surra. — Vejo você amanhã na redação, e ai de você se encostar de novo em mim. — não foi uma promessa, e sim uma ameaça.
Aprendi a me defender. Não era uma ninja, mas sabia socar como um homem. Não olhei para trás quando levantei o dedo e nem quando dei o aviso. Tudo que queria era ficar no meu canto, isolada por algumas horas e nada mais. Já no apartamento, e com a porta trancada, desmoronei em um choro doloroso. Parecia que mil agulhas estavam perfurando meu corpo, e eu queria que a dor parasse. Não queria que Matt tivesse me beijado. Estávamos bem muito bem apenas como amigos. O gosto da sua boca era bom, mas a tristeza e a angústia dentro de mim eram mais fortes. Não gostei! Não quero que ele me beije novamente! É perturbador demais para mim. Nunca mais Matt enfiaria a língua na minha boca daquele jeito, ou de qualquer outro jeito. Arrastando o peso do meu próprio corpo como quem carrega um elefante nas costas, fui para o banheiro. Tirei a blusa e a coloquei no cesto de roupa suja.
Encarando o espelho vi em meu rosto algumas sardas, o cabelo preso e desarrumado, ombros magros e caídos, a pele um pouco pálida, e percebi o quanto me sentia uma m***a. Uma m***a por não conseguir deixar um homem me beijar, por não conseguir apreciar o toque de uma mão masculina. Tinha sido privada disso, da possibilidade de ser feliz ao lado de alguém.
Abri a torneira aos prantos, juntei um pouco de água em minhas mãos e joguei sobre meu rosto, tentando afastar as lágrimas que desciam sem parar. Meus olhos ardiam e eu começava a soluçar. Queria ter filhos. Uma família… Um amor, mas para que isso acontecesse, teria que ter um relacionamento saudável. E que homem em sã consciência teria coragem de ficar comigo daquele jeito? E eu, como encontraria alguém, se nem ao menos suportava o toque de um homem por muito tempo?
Merda de vida!
Merda de Lizzie!
Merda de beijo, que estragou o resto da minha noite!
Merda de passado, que não me deixava ser feliz!
Apenas m***a!