Bianca Narrando
- Esses dias tem sido os mais difíceis da minha vida, minha mãe ficou doente e acabou falecendo. Estou tendo que cuidar da minha irmã mais nova e eu nem sei como estou conseguindo lidar com isso tudo, ela só tem apenas 2 anos e tá tendo diversos pesadelos chamando minha mãe. Eu fui abusada quando criança pelo antigo dono da Rocinha, o atual dono matou ele por conta disso, depois do ocorrido, minha mãe quis que a gente fosse embora, foi tudo muito pesado, tanto pra mim e quanto pra ela. Viemos pra Espírito Santo, aqui minha mãe conheceu meu padrasto e teve minha irmã, vivemos momentos muito felizes aqui e conseguimos esquecer o passado, na verdade esquecer não, mas aprender a conviver com ele. Minha mãe descobriu um problema nos rins e teve que ficar durante um bom tempo fazendo hemodiálise duas vezes na semana, meu padrasto não aguentou a pressão e simplesmente sumiu no mundo, deixando nós três à própria sorte. Semana passada o quadro complicou e ela teve que se internar às pressas para tentar um transplante de rim, mas sabemos que no SUS não funciona na prática como funciona na teoria. Assim ela veio a falecer na última hemodiálise, foi horrível e tem sido horrível. Não tenho conseguido me manter e manter a minha irmã, todos os dias quando ela dorme, fico a madrugada toda chorando. Não sei até quando vou aguentar isso, aqui vivemos de aluguel e eu não tenho como manter, o dinheiro que minha mãe guardou já vai acabar e eu não sei como vou fazer, a Eloah saiu até da creche porque está impossível pagar.
- A minha única alternativa é voltar pro morro, lá a nossa casa é própria e está fechada, estava alugada mas o inquilino saiu e agora não tem ninguém, era até um dinheiro que ajudava. Sem querer vou ter que voltar pro morro e recomeçar a minha vida com a minha irmã do zero, voltar pro meu passado que insiste em me assombrar, reviver tudo aquilo que me fez m*l, no lugar onde a pessoa acabou com toda minha inocência. Até hoje eu nunca mais tive relação com ninguém e odeio toque, só de pensar, um frio corre na espinha. Comecei a fazer as malas e eu não tenho muita escolha a não ser voltar, não posso deixar minha irmã passar necessidade. Já tá sendo bem difícil pra ela lidar com a ausência da nossa mãe, se já é difícil pra ela, imagine pra mim. O pai dela foi um monstro, ir embora sem nem falar nada, sem nem se despedir e no momento que a nossa mãe mais precisava dele. As pessoas são cruéis, esse mundo me dá nojo.
- A casa aqui era alugada com todas as mobílias, não tinha como trazer as nossas coisas, até porque sairia muito caro o transporte. Então o que me conforta é saber que lá ainda tem tudo que é nosso, assim eu espero né. Vamos de carro de aplicativo, sei que vai ser perrengue viajar com uma criança e sozinha, mas vai ter que dar certo. Reservei o carro no bablaca para a noite e a gente chega de dia, assim fica mais fácil que a Eloah dorme a viagem toda.
- Já chorei tanto tentando entender o porquê de estar passando por isso, só tomei no cu essa vida toda, eu não merecia tudo isso. Mas não é hora de se lamentar, agora tenho uma criança pra cuidar e que depende totalmente de mim, todas as dores e buracos que sinto e tenho, vou fazer de tudo pra ela não sentir. Sei que nunca vou ocupar o lugar da nossa mãe e nem quero isso, mas ela sempre vai ter a mim pra contar, eu amo tanto minha irmã, que chega doer. Acho que a parte mais difícil de minha mãe ter partido, é saber que ela não vai ter da minha mãe o colo que por muito tempo eu tive.