Soraia
O Tito tá fora há três dias.
"Negócios do tráfico", ele disse. E a casa, que normalmente é uma prisão de concreto e medo, respira. Dá pra ouvir o silêncio, e ele não é mais pesado. É leve, cheio de coisa não dita, mas leve.
Com o Lobo, a coisa mudou.
Não é mais só aquele clima de segurança e patroa. A gente se aproximou, mas de um jeito perigoso, doido.
Não é com toque, não.
Ele não me toca, eu não toco nele.
É com silêncio. Com olhar.
A gente se encontra no corredor de noite, os dois quietos, e fica parado um na frente do outro sem falar nada. E os olhos... os olhos falam tudo. Falam do desejo que a gente tentou apagar naquele dia e não deu muito certo pois eu ainda o desejo. Falam da culpa. Falam da aliança secreta que a gente fez. É uma conexão que queima e sufoca ao mesmo tempo. Às vezes, ele me olha de um jeito que eu sinto as pernas bambas, e eu tenho que me segurar na parede pra não fazer uma besteira.
E o Miguel... meu Deus, o Miguel. Agora que eu sei que ele é filho do Lobo, tudo faz sentido. O jeito que ele olha é igual ao do pai, a coragem escondida, a inteligência. Ele tá confiando mais em mim. Ontem, ele me mostrou um desenho que fez na escola: três bonequinhos, um grande e dois pequenos. Não falou nada, só me entregou o papel com um sorrisinho tímido. Meu coração se dividiu na hora. Como é que eu vou me apaixonar pelo pai e me apegar ao filho, sabendo que os dois vão sumir da minha vida? É uma tortura gostosa e dolorida.
Hoje de noite foi o ápice. A gente tava na cozinha, ele fazendo um chá pra mim porque eu tava com um frio inexplicável. Quando ele foi me entregar a xícara, a mão dele quase tocou na minha. Foi rápido, um segundo, mas deu um arrepio que subiu pelo braço inteiro e foi direto pro meu coração.
A gente ficou parado, com as mãos quase se tocando, o olhar preso um no outro. O ar tava carregado, pesado, cheio de tudo que a gente não fala. Eu vi o peito dele subir e descer mais rápido, e eu tava na mesma. Quase... quase eu fechei a mão sobre a dele.
Foi quando o celular dele vibrou.
A gente se afastou num pulo, como se tivesse levado um choque. Ele atendeu, e a expressão mudou na hora. Ficou séria, fechada.
— É. Tá. Entendido. — Ele desligou e me olhou. — É o Tito. Ele volta mais cedo. Tá a caminho de casa.
O coração simplesmente parou.
O desejo que tava latejando entre a gente virou um gelo na veia. A gente se encarou de novo, mas agora não era mais t***o.
Era medo.
Medo puro.
O Tito voltando é a realidade entrando pela porta com um porrete. Lembra que a gente não tá num romance proibido. A gente tá numa zona de guerra, e o general tá voltando pro quartel.
O Lobo deu um passo pra trás, o soldado voltou pro posto.
— Melhor você ir pro seu quarto — ele disse, a voz neutra, profissional.
Eu só balancei a cabeça, peguei minha xícara de chá – que agora tava fria – e saí. Na porta, olhei pra trás uma última vez. Ele já tava de costas, olhando pela janela, a postura rígida.
O nosso momento tinha passado.
O perigo tinha voltado.
E eu, aqui no meu quarto, com o coração ainda acelerado, sei que o desejo não foi embora. Só se escondeu. E o medo... o medo é maior. Sempre vai ser. Porque no fim, essa história não tem final feliz pra mim. Só tem silêncio, olhares roubados e a promessa de uma dor que vai doer pra sempre quando eles forem embora.