Ciúmes

1599 Words
Depois daquele almoço animado, repleto das piadas de Claire, das gargalhadas barulhentas dela e dos seus olhares diretos e ousados na minha direção, eu já sentia que aquela mulher tinha conseguido, em pouco tempo, se infiltrar em lugares meus que estavam fechados há muito tempo. Era estranho — e até incômodo — como ela me fazia rir com facilidade, como conseguia me deixar sem jeito, ou como o perfume dela parecia grudar na minha memória, mesmo horas depois de termos nos afastado. E eu, mesmo tentando manter certa distância, começava a ceder aos poucos. No fim da tarde, Letícia veio até mim. Estávamos todos na casa, dispersos pela área externa, com uma música suave tocando ao fundo, taças de espumante nas mãos e sorrisos fáceis por causa do clima pré-casamento. Ela me chamou de canto, com um sorriso pequeno nos lábios. — Logan, pode conversar um minuto comigo? Assenti, meio surpreso, e a segui até a lateral da casa, próximo ao jardim. O sol já começava a se esconder atrás das árvores, dourando a pele dela e trazendo de volta lembranças que me assaltaram sem permissão. Ela estava linda. Como sempre. Usava um vestido simples, mas elegante, e os cabelos estavam soltos, dançando com a brisa leve do entardecer. — Você e a Claire estão… se dando muito bem — comentou, tentando soar casual, mas sua voz estava mais baixa, com um tom mais carregado. — Ela é divertida — respondi, cruzando os braços e tentando entender aonde aquilo ia. Letícia olhou para o chão por um instante antes de voltar a me encarar. — Você gosta dela? Aquilo me pegou de surpresa. E eu hesitei, porque não esperava aquele tipo de pergunta. Principalmente vinda dela. — É cedo pra dizer qualquer coisa. A Claire é intensa, engraçada… é difícil não gostar dela. Ela assentiu devagar, mordendo o lábio inferior. Parecia desconfortável, o que era curioso, já que Letícia era, teoricamente, a mulher que estava prestes a se casar com meu irmão. — Eu só… — ela fez uma pausa longa — ...não esperava ver você se interessando por alguém. Ainda mais agora. — Letícia — comecei, escolhendo as palavras com cuidado —, a gente teve a nossa história. Foi intensa, bonita… mas também acabou. Você escolheu seguir em frente com o Daniel, lembra? Ela desviou o olhar, apertando os dedos. — Eu sei. Mas é que… ver vocês dois juntos me deu um aperto. Claire é bonita, tem presença. Vocês combinam. E isso me fez pensar… se talvez a gente nunca tivesse terminado… — Letícia — interrompi, com a voz baixa e firme —, não vamos fazer isso. Ela me olhou nos olhos, e por um segundo, vi algo que misturava saudade, ciúme e arrependimento. Mas eu não podia entrar naquele jogo. Não mais. Por mais que ela ainda me abalasse, por mais que a lembrança do que vivemos fosse tatuada em mim, ela não era mais minha. Era do meu irmão. E eu tinha passado anos demais tentando esquecer. Agora que havia uma faísca diferente surgindo — ainda que incerta — eu não podia apagar isso por causa de um eco do passado. Naquela noite, quando voltei para a sala onde todos estavam reunidos, Claire veio até mim, com duas taças de vinho na mão. — Estava te procurando — disse, entregando uma das taças. — Pensei que tinha fugido de mim. — Talvez eu tenha tentado — brinquei, aceitando a taça. — Que audácia — ela respondeu, dando um gole e me encarando com aquele sorriso de canto de boca que me desarmava. — Mas você voltou. E isso é o que importa. Enquanto conversávamos, Letícia nos observava do outro lado da sala. Disfarçava bem, mas eu conhecia aqueles olhos. Ela estava incomodada. Com ciúmes. Claire, por sua vez, parecia perceber também. E isso a deixava ainda mais ousada, mais provocadora. A forma como encostava levemente em mim, como ria exageradamente das minhas piadas, como se inclinava quando falava comigo… tudo nela parecia um recado silencioso para Letícia. E parte de mim… gostava daquilo. Claire era como uma tempestade chegando: impossível de ignorar, envolvente, e com potencial para virar tudo de cabeça pra baixo. E Letícia, agora assistindo de fora, começava a entender o que talvez estivesse prestes a perder — ou o que nunca tinha valorizado de verdade. Na manhã seguinte, acordei mais cedo do que o habitual. O sol m*l tinha rompido no céu, e a casa ainda estava em silêncio, com aquele cheiro de café fresco começando a se espalhar pela cozinha. Desci com passos calmos, tentando não fazer barulho, e fui direto para a varanda dos fundos. Precisava de um momento sozinho para organizar tudo que estava acontecendo. Claire. Letícia. E essa bagunça que minha cabeça e meu coração se tornaram desde que cheguei. Sentei-me numa das poltronas da varanda, observando o céu alaranjado e sentindo o vento leve bater contra meu rosto. De repente, a porta se abriu atrás de mim, e uma risada leve preencheu o silêncio. — Não sabia que milionários também acordavam cedo — disse Claire, enrolada num robe de seda bege, com uma xícara nas mãos e os cabelos bagunçados de um jeito absurdamente encantador. — Você é quem devia estar dormindo — respondi, abrindo um sorriso involuntário. — Ontem foi a última a ir pra cama. — Jet lag — respondeu, sentando-se na poltrona ao lado. — Ou talvez seja o seu charme insuportável que me deixa acordada. Revirei os olhos, rindo com ela. Claire era assim. Tinha o dom de transformar qualquer momento comum em algo inesperado. — Eu gosto daqui — ela disse, olhando para o jardim que começava a ganhar cor. — Tem um ar de paz, de verdade. É diferente de Nova York. — É mais lento — concordei. — Mais cru, mas mais sincero também. Claire me observou com atenção por alguns segundos. — Você não é como imaginei, Logan. — E como me imaginou? — Arrogante, insuportável, daqueles que sabem que têm dinheiro e esfregam isso na cara de todo mundo. — E você continua me achando assim? — Não — respondeu, dando um gole no café. — Agora acho que você é um homem que vive se escondendo. Talvez até de si mesmo. Aquilo me pegou de surpresa. Fiquei em silêncio por um momento, tentando decifrar até onde ela via em mim. — E você, Claire? Quem está escondida aí dentro? — Uma mulher que fala demais, que ri alto e tropeça até no próprio orgulho — disse, rindo de si mesma. — Mas que sabe reconhecer quando gosta de alguém. Olhei para ela por um instante longo demais. O rosto ainda inchado de sono, os olhos azuis brilhando com uma sinceridade rara, e um sorriso leve no canto dos lábios. — Está dizendo que gosta de mim? — provoquei. — Estou dizendo que ainda estou decidindo se gosto de você ou se estou apenas te achando perigosamente interessante. Sorri. — Perigosamente? — Sim. Você tem cara de encrenca. — E você tem cara de que vai me arrastar direto pro meio dela. Rimos juntos, naquele tipo de riso que aquece o peito. O clima entre nós estava cada vez mais leve e carregado ao mesmo tempo. Havia uma tensão silenciosa, uma eletricidade no ar. E eu não podia negar: Claire estava começando a ocupar um espaço dentro de mim que eu ainda não sabia nomear. Mais tarde, quando todos já estavam acordados, Letícia se juntou a nós para o café da manhã. Usava um vestido branco leve, com o cabelo preso de forma impecável. Trazia no rosto um sorriso ensaiado, mas os olhos… os olhos denunciavam algo diferente. Ela observava tudo em silêncio. O jeito como Claire se inclinava para me mostrar algo no celular. Como ela ria alto quando eu fazia uma piada. Como às vezes ela tocava meu braço com naturalidade. Cada detalhe parecia lhe doer. E a verdade é que eu notava isso. E, num canto obscuro da minha alma, talvez eu estivesse permitindo que ela visse. Depois do café, enquanto subia as escadas, Letícia veio atrás de mim. — Logan, podemos conversar? Assenti, e entramos no corredor mais afastado, perto dos quartos. — Você está se aproximando demais da Claire — ela disse, cruzando os braços. — Isso não é certo. — Não vejo problema em conversar com alguém que está aqui como madrinha, Letícia. — Você sabe que não é só isso. Olhei fundo nos olhos dela. Havia um incômodo real ali. Um ciúme que ela tentava camuflar com frases racionais, mas que transbordava. — Letícia, você está prestes a se casar com meu irmão. Talvez o problema não seja eu estar me aproximando de alguém… mas você não ter se afastado de mim. Ela empalideceu, recuando levemente. E ficou em silêncio. — Eu não estou tentando te provocar — continuei, com a voz firme. — Mas você precisa decidir o que sente. E lidar com isso antes que alguém se machuque. Ela assentiu, com os olhos marejados, mas não disse nada. Apenas virou as costas e se afastou. Enquanto observava Letícia sumindo pelo corredor, Claire surgiu atrás de mim, do nada, como se sentisse a tensão no ar. — Tudo bem por aqui? — perguntou, com um sorrisinho curioso. — Tudo sob controle — respondi. — Ótimo. Porque acabei de descobrir que a gente vai ensaiar a entrada dos padrinhos hoje. E adivinha com quem você vai entrar? — Com você, imagino. — Bingo. Então trate de sorrir, Logan. Porque eu pretendo roubar a cena. E, talvez… o seu coração.
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