_ Cidade do México _
* Anos antes *
Num pequeno apartamento no subúrbio, um jovem casal acabava se selar mais um momento de muito amor com beijos e abraços.
– Você é incrível, Laura! – disse ele.
– Nossa, Leonardo!… Fala como se essa fosse a primeira vez que fazemos isso! – disse ela sorrindo, enquanto acariciava o peito de seu amado.
– Pra mim, é sempre como se fosse a primeira. Você torna tudo tão especial. – disse Leonardo mirando nos olhos de Laura.
– Imagine quando nos casarmos. – disse Laura toda sorridente.
Porém, o sorriso de Leonardo se desfaz e ele se senta na cama. Laura o conhecia muito bem. Sabia que algo o incomodava.
– Léo, o que foi? – ela pergunta.
– Nada, Laurinha. Tá tudo bem. – disse ele tentando disfarçar, mas Laura não era boba.
– Não mente pra mim, Leonardo. Faz dias que você está estranho, e quando toco no assunto do nosso casamento você se esquiva. O que foi? Não quer mais se casar comigo, é isso? – disse ela se levantando enrolada no lençol.
Ele a segura pela cintura e delicadamente a senta, novamente, na cama.
– Não, meu amor, não é isso. … Laura, eu te amo. Tudo o que mais quero é ter você como minha esposa, juro.
– Então me conta o que está acontecendo, Leonardo, por favor. – pede Laura.
– É que não sei por onde começar.
– Que tal pelo começo, o que acha?
– Certo. Vamos lá.
Leonardo respira fundo.
– Lembra que eu estava esperando conseguir aquela bolsa de estudos de gastronomia na Europa?
– Lembro. Você batalhou muito por ela. O que tem?
Ele vai até a escrivaninha, pega um envelope e entrega à Laura.
– O que é isso? – ela pergunta.
– Leia.
Ela lê atentamente e a sua primeira reação é eufórica.
– Meu amor, você conseguiu! – disse ela o abraçando. – Meus parabéns!
– Obrigado, pequena… Mas leia o papel todo, por favor.
– Ah, sim. … Fiquei tão feliz por você que nem me atentei pro restante. Deixa eu ler.
Ao terminar de ler aquela notificação, o que antes era um sorriso, havia se tornado um semblante de tristeza.
– Aqui está dizendo que você precisa viajar na próxima semana, Leonardo.
– Sim. – disse ele de costas olhando pela janela. Queria olhar para qualquer outro lugar, menos para ela.
– Há quanto tempo essa notificação chegou pra você?
– Tem quase um mês. – disse ele.
– Um mês?!… – disse Laura se levantando indignada. – E só agora você me conta?!
– O que queria que eu fizesse?!… – disse ele virando-se para ela. – Acha que eu não tentei te contar várias vezes?!… Mas você tava tão feliz com essa história de casamento que eu…
– Como assim "essa história de casamento"?!… Pensei que era uma coisa que você também quisesse! Foi você quem fez o pedido, esqueceu??
– Não, Laura. Eu não esqueci. Mas eu jamais pensei que essa bolsa, realmente, fosse dar certo e…
– E aí você pensou num plano B!… Deixa eu pensar… Me corrija se eu estiver errada, mas foi mais ou menos assim… "Ah, essa bolsa não vai dar em nada mesmo, então pra eu não perder a viagem, vou e me caso com a Laura, por que não? Pode ser uma boa." Foi assim que eu me encaixei nos seus planos, Leonardo??… Como segunda opção?? – disse Laura com os olhos marejados.
– Claro que não, meu amor! Eu te amo, você sabe. – disse Leonardo tentando se aproximar, mas ela se afastava.
– Jeito estranho de demonstrar.
– Por que não fazemos assim?… A gente se casa numa cerimônia bem simples, só os convidados mais íntimos, pode ser amanhã mesmo. Aí você pode vir comigo pra Europa, que tal? – disse Leonardo tentando encontrar uma solução.
– Sabe que não posso fazer isso, Leonardo. Estou no último ano da faculdade de jornalismo, brevemente estarei me formando, esse sempre foi o meu sonho. Se eu sair agora perco tudo. Mas quem sabe, se você esperar só mais um pouco, talvez eu possa… – a disse Laura.
– Ah, então você quer que eu desista do meu sonho, mas você não pode desistir do seu, não é?! – disse Leonardo bastante alterado.
– Mas é claro que não! Como pode pensar isso?!… Sempre te apoiei em tudo que quis fazer. Você mesmo não queria insistir nessa bolsa, mas eu te convenci a tentar porque eu sempre soube o quanto você é bom no que faz. E agora você tem a coragem de me dizer isso?!
Era uma situação complicada. O que você sacrificaria por um sonho?… Seu coração, talvez?
Laura e Leonardo estavam à ponto de tomar a decisão mais difícil de suas vidas. A questão era: quem daria o primeiro passo?
– Me desculpe, Laura. Eu não devia ter dito aquilo. É que… Eu não sei o que fazer. – disse ele sentando-se de costas para ela.
Laura, naquele momento, viu dúvidas nos olhos de seu amado, e aquilo a magoou. Ela pensava que, no coração de Leonardo, ela sempre viria em primeiro lugar, mas acabara de comprovar que não era assim. Ele estava dividido. Mas não seria ela que o impediria de realizar seu sonho.
– Eu sei, Leonardo. E não se preocupe, você não vai precisar fazer escolha alguma. Eu faço por você, ou melhor, por nós dois.
– Como assim??
Laura pega suas roupas do chão e vai para o banheiro se vestir. Leonardo tenta ir atrás dela, mas ela fecha a porta na cara dele.
– Laura, Laurinha, por favor. Vamos conversar, não faça isso. Abre a porta.
Ela não respondia, mas Leonardo sabia que ela estava chorando, sofrendo. E que ele tinha uma grande parcela de culpa nisso tudo.
Laura enxugava as lágrimas que insistiam em cair, não queria que Leonardo a visse chorando.
Ela sai do banheiro já vestida.
– Laura, vamos conversar. - disse ele.
– Não temos mais nada pra conversar, Leonardo. – disse ela pegando sua bolsa e indo em direção à porta.
Ele a abraça por trás.
– Laura, por favor. Vamos pensar numa solução. Sei que juntos poderemos resolver.
– As únicas soluções, Leonardo, implica em um dos dois desistir de seus sonhos. Eu não quero desistir do meu e nem quero que desista do seu. – disse ela tentando ser firme.
– Não quero te perder, Laura. Eu te amo. – disse ele a virando de frente pra ele.
– Sinto muito, Leonardo. Mas você já perdeu. Adeus. – disse ela se soltando dele e saindo.
– Laura, espera! Laura!
Leonardo se veste rapidamente e tenta alcançá-la no elevador, mas já era tarde demais. Ele vai pela escada, mas quando chega na entrada do prédio, Laura acabara de pegar um táxi e sair da vida de Leonardo.
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Dias atuais.
_ Cidade do México _
7:00 AM.
Laura, como de costume, se levanta, faz sua higiene pessoal e desce para tomar café da manhã e iniciar sua rotina de trabalho.
Ela tinha uma vida bem estruturada. Morava num belo apartamento, graças ao seu trabalho na Revista Victória. Laura era a editora de uma coluna chamada "Do que as mulheres gostam…", que era dedicada à assuntos femininos diversos, ou tudo que agradasse a esse público.
Gostava de seu trabalho, era uma ótima profissional e uma mulher bem resolvida. Há muito tempo havia decidido que o passado ficaria no passado, e este não interferiria mais em sua vida.
***
_ Revista Victória _
Uma voz autoritária ecoava pelos corredores.
– Eu estou cercado de imbecis!
Sr. Armando Palácios. Era editor chefe e dono da Revista Victória. Sua palavra era lei, batuta e constituição entre aquelas paredes. Tudo tinha que ser como ele queria, e nada menos que isso. A única que conseguia acalmá-lo em seus dias de fúria era Laura.
– Bom dia, Ivete. – disse Laura chegando e percebendo que os ânimos estavam bastante exaltados.
– Bom dia, senhora. Quer dizer… Espero que seja mesmo. – disse Ivete.
– O que houve, dessa vez?
– Parece que o problema foi com uma das modelos que a agência enviou.
Laura dá uma "espiada" pela janela do escritório de Armando.
– Mas a moça é lindíssima. – disse Laura.
– Também acho, senhora. O problema é o cabelo dela.
– O que tem?
– O Sr. Palácios pediu uma modelo de cabelo preto.
– Sim, o cabelo dela é preto. – disse Laura.
– Não, é castanho escuro.
– Sério?… Parece preto, pra mim.
– Foi o que disseram e tá aí o resultado. – disse Ivete apontando para Armando, que gesticulava e parecia gritar com a moça no escritório.
– Meu Deus. – disse Laura. – Ele está descontando a frustração dele na coitada. Eu vou lá.
– Boa sorte, senhora.
Laura bate na porta e entra bem devagar.
– Com licença.
– Laura! – disse Armando. – Laura, olha pra isso! Olha! – disse ele mostrando o cabelo da moça.
– Sim, Armando. Eu já me inteirei de todo o problema. Mas você tem que se acalmar, homem!… Tá assustando a moça. … Querida, poderia nos dar licença um minutinho, sim?
– Se quiserem, eu posso escurecer mais o meu cabelo.
– Isso vai levar tempo! Horas!… Que nós não temos! Ou pensa que é só pintar o cabelo e pronto?! Tem todo um processo!… Vocês modelos acham que tudo é fácil, não é?!… Não me admira o baixo QI que vocês têm!
– Armando! Não seja grosseiro! – repreendeu Laura. – Não o leve a m*l, querida, ele está muito estressado. E não precisa fazer nada com seu cabelo, ele é lindo. Só espere um minutinho aí fora, que eu resolvo isso, tá bom? – sussurrou Laura para a modelo que saía da sala. – Será que eu posso saber o que foi esse "faniquito", Armando?!
– "Faniquito"?!… Agora, querer que as minhas especificações sobre as modelos sejam atendidas é "faniquito"?!
– Armando, você quase causou a Terceira Guerra mundial por causa do cabelo da moça.
– Se eu ligo pra agência de modelos e requisito uma jovem de cabelos pretos, eu espero receber uma jovem de cabelo preto, e não castanho escuro!
– Vamos resolver isso. – disse Laura com toda a tranquilidade do mundo.
– E como pensa em resolver isso, hein?? Posso saber??
– Photoshop.
– Você não ousaria! - disse Armando ultrajado.
– Ora, por que não?
– Essa revista nunca, jamais recorreu ao photoshop, e não vai ser agora que eu, Armando Palácios irei começar!
– Armando, deixa de drama. Todas as revistas, hoje em dia, utilizam esse recurso num caso de emergência. E seria somente a questão do cabelo da moça, já que o corpo dela é naturalmente escultural.
Armando respirou fundo, analisou a situação com mais frieza, afinal, a capa da revista tinha que estar pronta à tarde, então ele decidiu.
– Está bem. Faça a moça entrar.
Laura sorriu e lhe deu uma piscada de olho. Ele sorri de volta.
– Você sempre consegue, não é Laura? – disse Armando. – Devia trabalhar como negociadora de paz na Faixa de Gaza!
Era incrível como ela tinha o dom de resolver qualquer situação de crise na revista, talvez fosse por isso que Laura era a pessoa em que Armando mais confiava.