A Retrospectiva de Blade
Blade levantou-se em silêncio, atraído pelas mudanças do próprio apartamento como quem visita um lugar desconhecido. Passou a mão pelo encosto do sofá agora coberto por uma manta clara, tocou as folhas das plantas na varanda, sentiu o perfume discreto de lavanda misturado ao molho de tomate e manjericão que vinha da cozinha. Havia fotos novas nas estantes — o casamento, Melina entre os pais, ele e Richard rindo num brinde antigo. Pela primeira vez, aquele espaço tinha um coração que não era o seu.
Ajoelhou-se diante da prateleira mais baixa e encontrou uma caixa de couro. Dentro, álbuns. Abriu o primeiro: infância. Um menino de cabelos claros, joelhos ralados, tinta nos dedos, os braços dos pais fazendo moldura para um sorriso inteiro. Virou a página: adolescência — medalhas, campeonatos, a primeira viagem com a escola, o rosto apontado para o futuro como quem acredita que tudo é possível.
No álbum seguinte, a virada: universidade. O uniforme do time, a braçadeira de quarterback, o estádio lotado. As fotos eram quase sempre iguais: ele no centro, e ao redor, abraços, mãos, olhares que pediam algo. Lembrou do primeiro convite para a festa “só para vencedores”, da primeira coluna social que estampou seu nome, do primeiro pensamento venenoso que aprendeu a nutrir: ninguém me n**a nada. Ali começou. Não foi de um dia para o outro — foi um hábito, um aplauso atrás do outro, até que o aplauso virou necessidade.
Passou as páginas seguintes e viu, sem legenda, a própria decadência elegante: barcos, coberturas, madrugadas. E, como um estilhaço de vidro, a memória que agora ameaçava voltar por mãos alheias: Frida, Gigi, a noite estúpida que ele preferia esquecer. Sentiu o estômago contrair. Se isso vier à tona, não destrói só a mim. Respinga nela. Respinga em todos.
Fechou o álbum e encarou a sala. O apartamento estava diferente — não por móveis, mas por sentido. Melina tinha colocado flores e também um espelho moral diante dele. O menino dos álbuns ainda existia? Ou tinha se tornado apenas a caricatura do homem que as manchetes alimentavam?
Recordou a voz do pai: “As pessoas te olham pelo extrato, não pelo caráter.”
Recordou a de Melina, minutos antes: “Quando não houver dinheiro, veja quem fica.”
E nesse intervalo entre duas verdades, Blade sentiu vergonha — não do que a imprensa dizia, mas do que ele, no fundo, sabia.
Respirou fundo. Fechou a caixa, voltou para a mesa. Melina o esperava com as mãos sobre o guardanapo, serena. Ele se sentou e, antes que a coragem vacilasse, disse:
O Contrato da Mudança
O jantar estava quase no fim.
O aroma do vinho misturava-se ao leve perfume de lavanda que Melina havia deixado no ar.
Blade, silencioso, observava ao redor.
O apartamento que antes refletia o homem que ele era — frio, a*******e, intocável — agora mostrava algo que ele nunca havia percebido: a ausência de si mesmo.
Depois que Melina recolheu os pratos e se afastou para buscar o tiramisù, ele levantou-se, guiado por um impulso.
Caminhou até a estante onde estavam os novos porta-retratos. Entre as fotos do casamento, encontrou uma caixa antiga, guardada em uma das prateleiras inferiores.
Dentro dela, álbuns antigos, de couro marrom.
Folheou o primeiro.
Era um menino sorridente, de olhos claros, sujo de tinta, abraçado aos pais.
No segundo, a adolescência — risadas, prêmios escolares, o uniforme da equipe esportiva.
E então, o orgulho estampado: o jovem quarterback da universidade, cercado de colegas e mulheres sorrindo ao redor.
Foi ali que sentiu o peso do tempo.
As fotos mostravam quando tudo começou a mudar — o momento em que os aplausos viraram vaidade, e o talento se transformou em soberba.
As festas, as mulheres, o poder.
Cada flash de câmera registrava o início de uma decadência que ele mesmo havia alimentado.
Lembrou-se das ameaças de Frida.
Do passado sujo que carregava como uma sombra — aquela noite, com Frida e Gigi, a insensatez que ele agora preferia apagar da memória.
Um nó formou-se em sua garganta.
Pela primeira vez, Blade Schneider sentiu vergonha.
Quando voltou à mesa, Melina já o esperava, com as mãos delicadamente cruzadas sobre o guardanapo.
Ele respirou fundo, sentando-se diante dela.
— Melina... — começou, a voz baixa, quase hesitante. — Eu gostaria que nós revíssemos aquele contrato que os nossos pais fizeram.
Ela ergueu uma sobrancelha, surpresa.
— Rever o contrato?
— Sim. — Ele manteve o olhar firme. — Eu quero tentar fazer as coisas de forma diferente. Eu sei que você decidiu que a gravidez será por inseminação artificial, e eu aceito isso. Mas nós vamos ser pais, e quero que tenhamos uma convivência saudável.
Mesmo que não estejamos ligados como marido e mulher, quero ser um homem digno do seu respeito.
Melina ficou em silêncio por alguns instantes, observando-o com cautela.
Blade continuou:
— E concordo com o que disse antes: se houver uma separação, o filho deve ficar com você. Mas quero propor uma cláusula.
— Qual? — perguntou ela, com calma.
Ele respirou fundo, como se estivesse jogando as cartas sobre a mesa:
— Que você me dê uma oportunidade de te conquistar nesse um ano. Se eu conseguir mostrar que mudei, que não sou mais o homem que te magoou, quero que renovemos nossos votos. Não por contrato, mas por escolha.
Melina o encarou com seriedade.
Os olhos dela tinham a firmeza de quem já aprendeu a não se deixar encantar facilmente.
— Quem nunca errou, não é, Blade? — murmurou. — Seria mesquinho de minha parte se não te desse uma oportunidade. Mas o teu passado te condena Blade.
— Sei disso.— ele admitiu, baixando o olhar. — E é sobre isso que eu preciso te falar.
Ele então contou tudo.
A ameaça de Frida.
A orgia com ela e Gigi, três anos antes.
As fotos, os vídeos, o medo de ver tudo destruído publicamente.
Falou sem rodeios, sem disfarces.
E cada palavra parecia arrancar um peso de dentro do peito.
— Ela me disse que vai destruir minha imagem, e pode ser que tente atingir você também. — completou, firme. — Mas eu quero ser honesto. Isso aconteceu, e eu me envergonho disso.
Melina manteve-se em silêncio, pensativa.
Depois, respondeu com serenidade:
— Fez bem em me contar. A verdade sempre chega, Blade, mais cedo ou mais tarde. E se vier à tona, enfrentaremos juntos, não por você, mas pelo que representa para as famílias e para os funcionários que dependem delas.
Ela se levantou, caminhou até a janela, olhando para as luzes da cidade.
— Amanhã, peça para os advogados revisarem o contrato com o seu pai. Inclua as cláusulas de respeito, convivência e prazo de um ano. E sim, inclua também a sua oportunidade de me conquistar.
Ela virou-se, o olhar agora mais suave, mas ainda controlado.
— Você tem um ano, Blade Schneider, para mostrar que o homem das fotos ainda existe — e que aquele sorriso não era apenas de um playboy, mas de alguém que ainda sabe o que é amor.