PRÓLOGO — O CONTRATO
O céu de Florença, naquela tarde cinzenta, parecia refletir o peso que recaía sobre a família Vestrini. As janelas da mansão estavam fechadas, cortinas pesadas impediam a entrada de luz, e o silêncio era quebrado apenas pelo ranger ocasional da madeira antiga sob os passos apressados de empregados que já não sabiam se continuariam ali no dia seguinte. O clima era de falência anunciada, e o nome da família, outrora sinônimo de respeito e tradição, começava a ser sussurrado com piedade nas rodas sociais.
Alessio Guberman Vestrini caminhava de um lado a outro no escritório, os olhos cravados em uma pilha de documentos espalhados sobre a mesa de mogno. O homem, que sempre fora conhecido pela firmeza no olhar e pelas decisões estratégicas, parecia agora consumido por uma angústia que lhe roubava o ar. Seu cabelo, outrora escuro e disciplinado, apresentava fios brancos que se multiplicaram nos últimos meses. As mãos tremiam ao segurar as cartas que chegavam quase todos os dias: notificações judiciais, cobranças impiedosas, relatórios distorcidos.
Ele sabia que não era culpado. A fraude cometida por um dos sócios da empresa recaíra sobre ele como uma sentença injusta. Movimentos bancários falsificados, assinaturas forjadas, desvios cuidadosamente encobertos – tudo direcionado a seu nome. O sócio desaparecera, deixando Alessio exposto diante da justiça e dos credores. Não era apenas sua fortuna pessoal que estava em jogo, mas o sustento de centenas de trabalhadores que dependiam daquela empresa. Homens e mulheres que confiavam nele, que depositavam seus sonhos em cada salário recebido no fim do mês.
A porta do escritório se abriu com um ranger suave, e Claudette Heisman Vestrini entrou. Elegante, como sempre, ainda que o sofrimento lhe tivesse roubado parte do brilho. O vestido azul-marinho caía com discrição sobre o corpo, e as pérolas pequenas em suas orelhas lembravam-lhe constantemente a herança aristocrática da família de onde viera. Claudette carregava a serenidade no rosto, mas os olhos denunciavam noites em claro.
— Alessio — sua voz soou baixa, temendo ferir ainda mais o orgulho do marido. — Não podemos continuar assim. As dívidas estão sufocando. A cada dia um funcionário diferente me pergunta se haverá salário no fim do mês. Eu não suporto mais ver a nossa casa mergulhar nesse silêncio de incerteza.
Ele respirou fundo, tentando conter a raiva que não era direcionada a ela, mas ao destino c***l que os alcançara.
— Eu fui roubado, Claudette. Roubaram não só o dinheiro, mas a minha honra. E agora querem que eu pague por um crime que não cometi. Se não fosse pela incompetência da justiça, já teríamos provado a minha inocência.
Ela se aproximou e repousou a mão sobre o ombro dele, em um gesto que misturava apoio e súplica.
— Há alguém que pode nos ajudar — disse. — Você precisa falar com Richard Schneider. Ele é seu amigo de longa data. Se alguém pode estender a mão, é ele.
Alessio ergueu o olhar, cansado, mas ainda com uma centelha de esperança. Richard Montgomery Schneider, patriarca da família Heisman Schneider, não era apenas um amigo: era um homem de palavra, alguém que, no passado, já havia mostrado lealdade. O problema era o preço que poderia ser cobrado.
Naquela mesma noite, Alessio escreveu a carta que mudaria o rumo de suas filhas. Pediu um encontro urgente, um café da manhã reservado, longe dos olhares curiosos. Dias depois, lá estava ele, atravessando o salão imponente de um hotel em Nova Iorque, onde Richard o aguardava.
Richard Schneider era um homem de presença imponente. Seus cabelos prateados, bem penteados para trás, davam-lhe uma aura de respeito e autoridade. Os olhos azuis permaneciam atentos, como se calculassem cada movimento de quem estivesse à sua frente. Ao ver Alessio, abriu um sorriso breve, mas sincero, estendendo-lhe a mão.
— Alessio, meu velho amigo. É triste revê-lo em circunstâncias tão difíceis.
— Richard, — a voz de Alessio falhou por um instante. — Eu preciso da sua ajuda. Não para mim, mas para os trabalhadores que dependem da minha empresa. Se eu cair, eles cairão comigo. E eu não posso permitir que centenas de famílias sejam destruídas por causa da desonra de um sócio canalha.
Richard o escutou em silêncio, tamborilando os dedos sobre a mesa. Pedia-se a ele mais do que dinheiro: pedia-se confiança. Pedia-se uma aliança que uniria duas famílias para sempre.
— Eu posso ajudar — respondeu enfim, em tom firme. — Posso injetar o capital que você precisa para manter sua empresa de pé e, com isso, salvar seus trabalhadores. Mas eu quero algo em troca.
Alessio sentiu o coração apertar. Sabia que o preço viria.
— O que for, Richard, eu darei minha vida se for preciso.
Richard inclinou-se, a voz carregada de intenção.
— Meu filho, Blade, precisa de responsabilidade. Ele é inteligente, mas indomável. Vive em festas, em capas de revistas, cercado de mulheres que não sabem o valor da palavra família. Eu preciso que ele assuma um compromisso real.
Alessio estreitou os olhos, tentando entender.
— O que exatamente você quer dizer?
— Quero um casamento — declarou Richard, sem rodeios. — Um contrato. Seu nome é respeitável, Alessio. E eu conheço sua filha. Aquela moça, Melani, certo? Eu a vi em um evento, lembro-me bem. Educada, serena, dedicada aos estudos. Uma verdadeira dama. Quero que ela se case com Blade quando terminar a faculdade.
Alessio ficou imóvel. As palavras ecoavam como martelos em sua mente.
— Você conheceu Melani?
— Sim. — Richard afirmou. — Ela é perfeita para pôr juízo no meu filho.
Alessio engoliu em seco. Richard acreditava que Melina era a filha mais velha. Não sabia da existência de gêmeas. Alessio nunca corrigira a impressão, e agora não ousaria fazê-lo.
— E se ela se recusar? — perguntou, hesitante.
— Então você terá de devolver cada centavo que eu investir. E não sei se terá tempo para isso — respondeu Richard, a voz fria como aço. — Sua empresa não suportará mais um mês de crise.
Alessio fechou os olhos por um instante. Não era apenas uma decisão financeira. Era a vida de sua filha, a honra de sua família.
— Eu aceito o acordo — murmurou, a voz embargada. — Assim que ela concluir a faculdade, Melina se casará com Blade.
Na mansão Vestrini, a notícia caiu como um raio. Claudette, embora abalada, compreendeu. Se o acordo não fosse firmado, Alessio seria preso, e a empresa arruinada. Ela prometeu conversar com as filhas.
Melina ouviu em silêncio, o coração apertado, mas sem protestar. Sempre fora a filha obediente, a que carregava nos ombros o peso do dever. Já Melani reagiu com desprezo. Voltava de mais uma de suas viagens quando ouviu falar do contrato.
— Casamento arranjado? — zombou, atirando a bolsa de grife sobre o sofá. — Eu não vou me sacrificar porque vocês deixaram um sócio i****a enganar o papai. Eu vivo da minha vida, dos meus homens, do meu luxo. Não contem comigo.
— Melani! — Claudette exclamou, a voz trêmula. — Você não entende? Se não cumprirmos o contrato, seu pai será preso!
— Problema dele — respondeu, com um sorriso frio. — Eu não gasto o dinheiro de vocês. Eu gasto o dos meus namorados. Se querem uma filha sacrificada, olhem para a Melina. Ela adora bancar a santa.
Melina sentiu o coração partir, mas não disse uma palavra. Apenas abaixou a cabeça, aceitando silenciosamente que, mais uma vez, seria ela a carregar a cruz da família.