Mamãe entrou no quarto com passos apressados, a voz falhando de nervosismo.
— Minha filha, você não vestiu o vestido de noiva?
Melina ergueu os olhos, serena, e respondeu com firmeza:
— Não, mamãe, devolvi o vestido no mesmo dia. Era luxo demais para um casamento que não é por amor.
A mãe insistiu, incrédula:
— Mas nem a maquiagem, minha filha, você deixou fazerem?
Melina sorriu de leve e replicou:
— Deixei, sim. Passaram brilho labial, um delineador e um pouco de rímel nos meus olhos. Estou maquiada.
Claudette a olhou dos pés à cabeça, ainda inconformada:
— E o cabelo, só um r**o de cavalo?
— Um r**o de cavalo é um penteado, mamãe. Veja, coloquei flores no r**o de cavalo. Estou penteada, estou maquiada, estou produzida para o casamento que é meu. — Tocou o arranjo com delicadeza e completou, com doçura firme: — Pelo menos esse d****o foi meu. Não estou descaracterizada, apenas escolhi como queria me apresentar.
Claudette suspirou, derrotada pela determinação da filha.
— Então coloque ao menos a grinalda na cabeça, para que, quando chegar à igreja, ninguém veja.
— Ok, isso eu concordo — disse Melina, ajeitando o véu de três camadas que lhe cobria o rosto.
Atravessaram o caminho até o carro. Durante o trajeto, Melina permaneceu em silêncio, segurando firme o buquê simples que ela mesma havia escolhido. Ao chegarem diante da catedral, o impacto foi inevitável: o Duomo de Siena resplandecia em toda a sua grandeza. As colunas listradas em mármore preto e branco refletiam a luz das centenas de velas; arranjos de flores e tecidos delicados adornavam a nave central. Nada fora poupado para aquele casamento.
Que farsa, pensou Melina, respirando fundo antes de sair.
Claudete desceu primeiro, a passos tensos, e seguiu para a entrada. Alessio voltou-se para a filha, oferecendo o braço. Melina aproveitou para perguntar, com a voz embargada sob o véu:
— Papai, o senhor está com vergonha de mim por eu não estar trajada a rigor, como todos esperavam?
O pai a fitou com ternura e respondeu, com toda a emoção que só um pai poderia ter:
— De jeito nenhum, minha filha. Sinto orgulho por você estar cumprindo um acordo e, ainda assim, ter escolhido o que queria trajar e não o que os outros determinaram. O que as pessoas pensam não me incomoda.
O coração de Melina se aqueceu com as palavras. Sorriu sob o véu espesso, e, quando os sinos repicaram e as portas da catedral se abriram, ela caminhou ao lado do pai, firmemente como nunca.
O carro parou diante da imponente escadaria do Duomo de Siena. Alessio desceu primeiro, ajeitou o paletó e estendeu a mão para a filha. Quando Melina saiu, a cortina já havia sido colocada na porta principal da catedral, impedindo os curiosos de vê-la antes da hora. Mas os abutres — fotógrafos e colunistas sociais — estavam ali, prontos para devorar cada detalhe.
Os sinos do Duomo de Siena soavam com imponência, espalhando notas graves sobre o entardecer dourado. O céu tingia-se de âmbar, e o perfume das flores brancas se misturava ao incenso que queimava discretamente nos altares laterais. Dentro da catedral, o luxo da ocasião contrastava com a simplicidade da noiva que se preparava para atravessar o corredor.
Melina Vestrini Guberman respirou fundo, os dedos trêmulos segurando o buquê de lírios e margaridas — as flores que ela mesma escolheu, rejeitando os arranjos extravagantes enviados pela família do noivo. O vestido off-white, de tecido leve e sem bordados, moldava-se com delicadeza ao corpo esguio. Era singelo, mas carregado de presença.
No espelho do vestíbulo, o reflexo mostrava uma mulher serena, o véu de três camadas cobrindo o rosto até a cintura. O cabelo, preso num r**o de cavalo baixo adornado por pequenas flores brancas, cintilava sob a luz dourada das velas.
— Minha filha, — sussurrou Claudette, aflita. — Você ainda pode mudar de ideia, vestir o outro vestido.
— Não, mamãe, este sou eu. — respondeu Melina, com firmeza — é o modo como eu quero ser lembrada.
O pai dela, Alessio, esperava próximo à entrada lateral. Quando ela se aproximou, ele estendeu o braço e perguntou, com ternura:
— Está pronta, minha menina?
Melina olhou para ele sob o véu e perguntou baixinho:
— Papai, o senhor está com vergonha de mim por eu não estar vestida como uma noiva deveria?
Alessio sorriu com emoção e respondeu:
— Vergonha? Tenho orgulho. Porque você é a única aqui que teve coragem de ser sincera.
Ela assentiu, tocando o braço dele com carinho. Os portões da catedral começaram a se abrir lentamente. Um feixe de luz dourada invadiu o corredor central. O som do órgão preencheu o ar, grandioso.
Os convidados se levantaram, e os cochichos começaram a percorrer as fileiras.
— Ela não está de branco?
— Que atrevimento.
— Parece um vestido de festa.
— E sem joias…
Melina ouviu tudo. Cada palavra parecia uma pedra, mas seus passos eram firmes. A cada passo, o tecido leve balançava, refletindo a luz das velas como névoa em movimento. O pai caminhava com ela, o semblante sereno, o queixo erguido.
No altar, Blade Heisman Schneider observava. O terno n***o de corte preciso realçava-lhe a imponência. Os olhos de aço, frios e atentos, acompanharam a figura da noiva que se aproximava.
Ele esperava encontrar uma mulher adornada em excesso — e o que viu o desconcertou. Havia uma serenidade estranha naquela simplicidade. Um mistério oculto sob o véu.
Quando Melina e o pai chegaram diante do altar, Alessio respirou fundo e, com voz embargada, disse:
— Cuide bem da minha filha. Ela é o meu bem mais precioso.
Blade inclinou levemente a cabeça, sem responder.
O padre sorriu, abrindo os braços:
— Reunimo-nos hoje, diante de Deus, para celebrar o matrimônio entre Blade Heisman Schneider e Melina Vestrini Guberman.
O eco das palavras encheu o templo. As velas tremularam. Um raio de sol atravessou o vitral e pousou sobre o véu da noiva, tingindo-o de tons dourados.
O padre continuou com voz serena e solene:
— O amor é paciente, é benigno. Não se vangloria, não se ensoberbece. Tudo suporta, tudo espera.
O silêncio era reverente. A música cessou.
Então veio o momento dos votos.
— Senhor Blade Heisman Schneider, aceita esta mulher como sua legítima esposa, prometendo amá-la, respeitá-la e protegê-la, na saúde e na doença, na alegria e na tristeza, até que a morte os separe?
— Aceito — respondeu ele, a voz firme, mas o olhar intrigado pelo mistério escondido sob o tule.
O padre voltou-se para ela:
— Senhorita Melina Vestrini Guberman, aceita este homem como seu legítimo esposo, prometendo amá-lo, respeitá-lo e acompanhá-lo em todos os dias de sua vida, até que a morte os separe?
— Aceito — respondeu, em tom doce e seguro.
As alianças foram trazidas por um pajem em uma almofada de veludo azul.
Blade pegou a primeira e, segurando a mão dela, deslizou-a no dedo anelar com gestos controlados. A pele dela era quente, o toque suave.
Melina fez o mesmo, o toque breve, o olhar escondido.
O padre ergueu as mãos:
— Que esta união seja abençoada e fortalecida pelo amor e pela fé.
O som dos sinos explodiu lá fora, ecoando em toda Siena.
— Pelo poder que me foi concedido, eu os declaro marido e mulher. Pode beijar a noiva.
O murmúrio cresceu entre os convidados. Blade respirou fundo e levou as mãos ao véu.
Por um instante, o tempo parou.
Ele ergueu o tule lentamente — e o que viu o fez esquecer de respirar.
Os cabelos que surgiram sob o tecido eram ruivos, vivos como labaredas. Ondas de cobre e ouro escorriam pelos ombros, reluzindo sob a luz das velas.
Mas foram os olhos que o desarmaram: olhos azul-violeta, profundos e luminosos como o entardecer sobre o mar da Toscana.
Olhos que não tremiam, não fugiam, não pediam permissão para existir.
Blade ficou imóvel. O coração, que até então batia no ritmo da cerimônia, perdeu o compasso.
A beleza dela não era feita de adornos — era pura presença.
Ele inclinou-se, quase sem perceber o próprio gesto, atraído pela força silenciosa daquela mulher.
Mas, antes que seus lábios tocassem os dela, Melina abaixou suavemente a cabeça, oferecendo-lhe a testa.
O gesto era singelo, mas carregado de significado.
O murmúrio cessou. A tensão flutuava no ar.
Blade hesitou por um instante, depois encostou os lábios na testa dela — um beijo casto, respeitoso, que selava o início de uma história que nem ele compreendia.
Os sinos voltaram a soar, mais fortes. O padre sorriu, e o povo aplaudiu.
Melina permaneceu ereta, serena, o olhar erguido sob o véu agora recuado. Blade, ao lado, tentou disfarçar o impacto, mas não conseguiu desviar os olhos dela.
Quando começaram a descer a nave, lado a lado, a luz do entardecer atravessou os vitrais e pintou o véu de tons lilases — exatamente como os olhos dela.
E, por um instante, Blade teve a sensação de que estava diante de algo que o tempo não seria capaz de apagar: a mulher que o desarmou antes mesmo de dizer o primeiro “eu te amo.”