O apartamento estava cheio de vida naquela manhã.
O som suave dos filhotes miando ecoava pela sala, misturando-se ao tilintar das tigelas de porcelana que Melina arrumava sobre o balcão.
O aroma do café fresco se espalhava pelo ar, enlouquecendo os sentidos, enquanto o leve perfume de lavanda que ela usava aromatiza elegantemente o ambiente.
Blade observava de longe, encostado na parede. Aquele quadro doméstico — tão simples, tão diferente de tudo o que ele conhecia — o desarmava completamente.
Por um instante, ele esqueceu quem era: o herdeiro, o empresário e o playboy.
Ali, diante dela, ele era apenas um homem tentando reaprender a viver.
— Blade — chamou Melina, quebrando o silêncio com a suavidade de uma brisa. — Vem aqui. Você precisa aprender a cuidar deles também.Ele se aproximou, curioso.
O som dos pequenos arranhando o cobertor os fez rir juntos, compartilhando uma alegria genuína.— Tem que limpar o pinheirinho, trocar a areia e colocar ração e água — explicou ela pacientemente, gesticulando com as mãos enquanto falava, como se cada movimento fosse uma dança delicada.
A forma como ela se dedicava aos filhotes era uma expressão de amor que ele ainda estava começando a entender.
— Limpar a caquinha? — perguntou, fazendo uma careta exagerada que arrancou uma risada dela, um som musical que parecia iluminar a sala ainda mais.
Melina soltou uma risada que o fez estremecer. — Sim, senhor Schneider. É parte da paternidade. E a verdade é que, no fundo, é um trabalho gratificante, uma oportunidade de dar e receber amor em troca.
— Então está bem — respondeu, rendido à ideia. — À noite eu cuido. Você de dia, eu à noite.— Perfeito. Assim é um lar.
— Ela sorriu ao ajeitar o filhote cinza que se aninhava em sua mão, e Blade pôde ver em seu olhar uma visão de um futuro que nunca havia imaginado.
Por um instante, o olhar de Blade se deteve nos gestos delicados de Melina. Como podia uma mulher tão jovem ter tanto equilíbrio?
Ela não era só beleza — era calma, era propósito. A maneira como se dedicava a cada pequeno ser que envolvia em seu amor fazia com que as muralhas ao redor de seu coração começassem a ruir lentamente.
— E quanto às plantas, também vou precisar cuidar? — perguntou, apenas para prolongar o momento, desejando saborear essa nova leveza que sentia ao seu lado.
Melina assentiu, ainda concentrada em seu pequeno mundo de arrumações. — Sim, e no fim de semana, vou te ensinar a regar tudo. Quero montar uma horta lá na varanda, perto da piscina. Imagine poder colher nossas próprias verduras e temperos e até mesmo compartilhar isso com nossos amigos durante um jantar. — Uma horta?
— ele repetiu, surpreso, a ideia parecendo um gosto novo que ele estaria experimentando pela primeira vez.— Sim, quero que o nosso lar tenha vida.
Mesmo sendo um apartamento, pode ter alma. E ter uma horta seria um passo em direção a isso, transformando cada dia em um novo cuidado, uma nova dedicação.
É uma forma de criar raízes, mesmo em meio à cidade.A sinceridade da resposta o atingiu como um raio silencioso. Ele se deu conta de que, pela primeira vez em anos, sentia v*****e de ficar — e não apenas de possuir.
Era uma estranha sensação, como se a vida estivesse oferecendo uma nova lousa, uma nova chance para reescrever sua história.
Mais tarde, no carro a caminho da clínica, o silêncio entre eles era espesso, mas não frio. Era o tipo de silêncio que se faz antes de um novo começo, uma consciência compartilhada de que a vida estava prestes a mudar para ambos.
Melina olhava pela janela, o olhar distante e sonhador. — Você já pensou que daqui a um ano poderemos ter uma criança correndo pela casa?
A energia dela preenchendo cada canto, o riso e o choro misturados com a música das nossas vidas?
Blade a observou de soslaio, e pela primeira vez, o pensamento o assustou e o enterneceu ao mesmo tempo.
— Eu nunca pensei em ser pai, Melina,
— ele engoliu em seco, pesando as palavras com cuidado — talvez seja isso que me faltava para aprender o que é responsabilidade. Para descobrir o que realmente importa.
Ela sorriu, olhando para fora.
— Ou talvez o destino esteja te dando uma nova chance. Uma chance de vivenciar todo o amor e a vulnerabilidade que vem com isso.
É uma jornada que pode ser cheia de desafios, mas também de momentos inesquecíveis.
Quando chegaram à clínica, o ambiente exalava um cheiro discreto de antisséptico e flores.
O som dos passos ecoava no piso de mármore, e o ar-condicionado deixava o clima artificialmente frio — uma ironia, considerando que ali nasciam sonhos quentes e humanos, um novo começo brotando em meio à aparente frieza da realidade clínica, pronta para se transformar em algo extraordinário.
Após os exames, o médico explicou calmamente:— A senhora precisará iniciar o tratamento hormonal.
E o senhor, suplementar a alimentação e o descanso. Daqui a quinze dias, poderemos prosseguir com a fecundação.
Melina assentiu em silêncio, mas seu olhar brilhava com uma determinação silenciosa. Blade manteve o olhar fixo nela, percebendo o quanto era corajosa.
Quando saíram, ele respirou fundo e confessou:— É estranho pensar que o nosso primeiro filho virá assim... tão controlado, tão científico. O que é irônico, considerando o quanto a vida às vezes se revela de formas inesperadas.
— O amor não precisa de manual, Blade — respondeu ela com serenidade. — Ele só precisa de intenção.
Com amor e comprometimento, a capacidade de criar um lar real e acolhedor vai além do método que escolhemos.
No estacionamento, o vento frio balançou uma mecha dos cabelos de Melina. Ela ajeitou a bolsa e voltou para ele, como se estivesse à beira de uma nova ousadia.— Você quer que eu te leve em casa? — perguntou Blade, abrindo a porta do carro com um gesto gentil.
— Não, obrigada. Pedi que o motorista viesse me buscar. Estou protelando o inevitável, mas ainda preciso de tempo para processar tudo isso.
Ele arqueou uma sobrancelha. — Você sabe que não deve andar sozinha sem segurança, Melina. É uma cidade cheia de surpresas, boas e ruins. Cuide de si mesma, sempre.
Ela sorriu, delicada, mas firme. — Eu sei me cuidar. E o motorista é de confiança. Já estivemos juntos em situações desafiadoras, e isso me ajuda a manter a calma.
Blade decidiu esperar, observando o trânsito, inquieto. Quando o carro preto estacionou, ele se adiantou, abriu a porta e olhou para ela com um misto de apreensão e carinho.
— Então, até mais tarde — disse, sorrindo, mesmo que seu coração estivesse pesado com a incerteza.
— Cuide bem dos nossos filhos. Ela riu, uma música suave para seus ouvidos. — Pode deixar. A Tigresa e os filhotes estarão em boas mãos, enquanto for necessário.
— E o jantar? — perguntou, antes que ela entrasse, com a esperança de prolongar o momento que se desenrolava entre eles.
— Hoje vamos nos alimentar à la française. Uma pequena mostra do que será nossa vida, algo que eu mesma preparei com tanto carinho.
Ele piscou, divertido. — Você sabe cozinhar mesmo? — Melhor do que você imagina — respondeu, confiante, como se todo o seu ser estivesse transbordando de entusiasmo.
Blade soltou um riso rouco. — Então estou em boas mãos, madame Schneider. Resta saber se o seu talento vai se traduzir em algo mais além de um prato bonito.
— Está mesmo. — Ela sorriu, entrou no carro e completou: — Vá trabalhar. E não se atrase. Assim poderei ser impressionante com o nosso jantar.
O carro partiu, levando consigo o perfume suave de baunilha que ela deixou no ar, um rastro que se misturava à brisa fresca e ao eco de risos e promessas.
Blade ficou ali, parado, com um nó no peito que misturava d****o, respeito e uma certeza silenciosa:Daquele dia em diante, nada seria igual.
Uma nova jornada estava apenas começando, repleta de cor, vida e uma esperança resplandecente.